Escritor do livro Quem, eu?, o jornalista Fernando Aguzzoli Peres, 23 anos, é um apaixonado pela reflexão humana. A obra conta a experiência pessoal de largar tudo para cuidar da avó que foi diagnosticada com Alzheimer. Ele se sente um ser humano privilegiado e não consegue imaginar o que teria sido sua vida sem a vovó.
Segundo ele, a Nilva moldou o seu caráter ao longo de 20 anos e é muito grato por isso, ainda mais por poder multiplicar essa história em outros lares. É um sonho utilizar essa história como ferramenta para modificar um pouco essa barbaridade que está o mundo.
Confira a entrevista:
Pioneiro: No teu livro, você fala que a mensagem era o amor e o humor, mas o que te inspirou de verdade? Você já tinha presenciado amigos que não davam a mínima para pessoas mais velhas? Como foi esse insight?
Fernando Aguzzoli: Claro, convivendo com jovens, a gente percebe que muitos não são tão ligados com seus avós. Tenho um grupo de amigos muito próximos que são como irmãos. Alguns têm conexões com seus avós, mas o que me surpreende é que eu não conseguia iniciar um só diálogo sem lembrar ou comentar da vovó Nilva, enquanto eu nunca havia ouvido falar na existência dos avós deles. Achava isso muito estranho. Assim que tomei a decisão de me afastar temporariamente da universidade e da empresa para virar "pai" de minha avó, ouvi vozes que me diziam: "ela já viveu a vida, viva a sua!", e todos achavam que eu não conseguiria, que eu iria implodir de dentro para fora. Quando vi que o bom humor funcionou e que nossa vida ficou ainda melhor depois da minha decisão, resolvi compartilhar com meus amigos, depois com uma fanpage e futuramente com um livro onde relatei em detalhes tudo o que vivemos.
Em algum momento, as pessoas que estão ao teu redor ou você mesmo não acreditava que fosse conseguir?
Sim, a família - eu, meu pai e minha mãe - formávamos uma equipe. Naquilo que um não tinha muita paciência, o outro entrava, onde um não aguentava mais, o outro substituía. Era quase um time de futebol. Eu obviamente tinha obrigações: cuidava da alimentação, precisava estar atento aos sinais e sabia o que fazer em caso de emergência. Algumas coisas precisamos alinhar para que tudo saia como o planejado em momentos de tensão. Nunca deixei de viver minha vida, de beber uma cervejinha, de ver meus amigos e de ter meus momentos de lazer, o que fiz foi inseri-la na minha vida. Isso significa que não a depositamos em um asilo, nem a amarramos em uma poltrona entregue à depressão. Eu bebia minha cerveja conversando com ela, programava minhas saídas para que minha mãe estivesse em casa enquanto eu estivesse na rua e fazia de tudo para encaixar minha avó em meus afazeres diários. Até pedia ajuda pra ela, assim ela via-se como uma pessoa útil que está ajudando e não atrapalhando, isso é ótimo para o idoso.
Enquanto até os médicos tinham desanimado a família com a notícia da doença, você deu a volta por cima e inspirou outras pessoas a utilizarem o humor como forma de superação. O que você realmente aprendeu com tudo isso?
Aprendi que nunca nos vemos capazes de enfrentar um desafio. O muro parece sempre mais alto do que a capacidade da escalada, mas esses desafios nos constroem como seres humanos. Um olhar sensível a tudo é capaz de fazer dos piores momentos, algo grandioso. Isso só existe com amor! Eu também tinha minhas dúvidas, mas não podia viver condicionado ao "e se eu tivesse...". Quando tentei e vi que tudo havia ficado leve, me senti forte novamente. Precisamos tentar.
Quando é que percebeu que vocês estavam ficando famosos, tanto nas redes sociais, como na mídia?
Nunca me considerei famoso, pelo contrário, minha avó é famosa, eu sou apenas o "neto da vovó Nilva", e é assim que tem que ser. Foi lindo perceber que minha avó não havia se apagado, mas se multiplicado para lares de todo o Brasil. O livro circulou por todos os continentes e recebi fotos de dezenas de países. É lindo ver que ela está realizando o sonho de conhecer o mundo e ajudar pessoas através de uma publicação nossa.
Quanto tempo durou do momento em que a família recebeu a notícia da doença até que ela se fosse? Quando ela foi levada para o hospital, você sentiu que ela não voltaria mais? O que pensava naquele momento?
Sim, foi de 2007 para 2008 o diagnóstico e o falecimento em 2013. Fomos para o hospital por causa de uma infecção urinária, é lógico que eu achava que voltaríamos para casa no dia seguinte. Mas o dia seguinte se estendeu por uma semana e a piora era consecutiva durante esse período. O que eu pensava? Em sorrir e cantar! Eu pedia para que o melhor fosse feito. Acredito que conseguimos transmitir muita paz e amor nessa semana de pavor em que estivemos internados. Em nenhum segundo ela ficou sem ter sua mão segurada por mim ou pela minha mãe, pude fazer muitas reflexões sobre a vida, velhice e morte.
Melhor idade
Jovem conta como amor e humor ajudaram a tratar Alzheimer da avó
Fernando Aguzzoli Peres escreveu um livro que conta a experiência pessoal de largar tudo para cuidar da avó
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