É só ouvir. Nessa época, o barulho das baterias invade diversos bairros de Caxias do Sul. Os ensaios das escolas de samba acaba se tornando ponto de encontro das comunidades. O treino para o desfile de sábado vira uma grande festa na qual adultos e crianças vão entrando no clima do Carnaval.
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O Pioneiro acompanhou os ensaios das seis escolas do grupo especial de Caxias do Sul no fim de semana. Cada uma se prepara à sua maneira, mas todas têm em comum a paixão em fazer parte da maior festa popular brasileira.
A Pérola vai com fé
Dezenas de pessoas fogem do frio da rua e se espalham pelo estreito prédio do centro comunitário do Bairro Mariani enquanto parte da bateria, já com os instrumentos a postos, espera ouvir o som do cavaquinho. Há adultos, com a intimidade que só anos de bateria proporciona, adolescentes e crianças. Muitas vezes o tamanho do instrumento parece desproporcional, mas isso não é impedimento: o que é o peso do surdo para quem quer fazer bonito no carnaval?
O clima despreocupado, descontraído e informal passa em um instante. Com um gesto do mestre de bateria, os instrumentos começam a acompanhar a música iniciada pelo cavaquinho e o violão. Instantaneamente uma nova energia toma conta do prédio. As passistas sambam enquanto o som da bateria parece fazer as paredes tremerem.
"Hoje eu estou à frente da bateria e não vai ter apito pelo quanto que eu confio em vocês", grita o mestre de bateria, apesar do microfone. Com essa energia que a escola pretende passar pela Rua Plácido de Castro no sábado. Alma de toda escola de samba, a bateria vai para a avenida com cerca de 50 ritmistas. Representando a fé, desfilam 350 pessoas distribuídas em 10 alas e 2 carros alegóricos.
São Vicente se curva ao santo guerreiro
Na frente da sede da comunidade do Bairro São Vicente há uma ladeira em curva. Logo adiante, uma escadaria que quase faz os visitantes esquecerem que estão no Rio Grande do Sul. Entre as paredes com grafite do prédio, a luz acesa deixa ver o estandarte da escola e, logo acima, plumas de alegorias e fantasias à espera do desfile que vai lembrar a história de São Jorge.
Não demora para que os ritmistas voltem às posições, coloquem seus instrumento no lugar e comecem a tocar. O mínimo erro, que passa despercebido para uma pessoa de fora, faz todos apontarem, entre risos, o culpado pela imperceptível falha. É uma festa ao ar-livre, com moradores acompanhando o ritmo das batidas, sambando no paralelepípedo entre carros estacionados.
Para quem mora no bairro, não há nada de mais no ensaio da escola. Para quem vem de fora, a surpresa mais agradável é ver que em plena Serra há um pedacinho onde o Carnaval, por mais simples e informal que seja, acontece em um cenário digno do Rio de Janeiro. Este ano a escola desfila com 450 pessoas em 10 alas, com 2 carros alegóricos.
Vixe! A Incríveis trouxe o Nordeste
É uma festa. A sede da Incríveis do Ritmo, no Bairro Pioneiro, lota. No estacionamento, os carros viram bancos para quem espera a batida da bateria. No salão, um círculo se forma. No centro, o mestre de bateria grita, imitando os sons e o ritmo que cada instrumento deve ter. Se preciso, pega as baquetas na mão e faz ele mesmo. Tudo para deixar bem claro o que quer que os ritmistas mostrem no sábado.
No salão da comunidade, as paredes de zinco estão ornadas com cartas gigantes de baralho, em alusão ao tema deste ano: o Nordeste. Com tanta gente acompanhando o ensaio, é difícil delimitar onde acaba a bateria e começa o público. Em meio a tantos ritmistas e visitantes, alguns chamam a atenção com as camisetas da escola, mas não mais que os 19 troféus em uma das paredes do prédio.
No ensaio, em frente à bateria as passistas são imitadas por quatro meninas com menos de cinco anos. Vendo a alegria das crianças, sambando com um sorriso no rosto, é impossível não pensar que na comunidade o Carnaval está garantido por muitos anos mais. No sábado a escola desfila com 3 carros alegóricos, 9 alas e 300 integrantes.
Sucesso de bilheteria: Protegidos canta o cinema
Eles nem conseguem carregar o pequeno tambor, mas estão lá na frente da bateria da Protegidos da Princesa. Dois meninos com no máximo dois anos carregam o instrumento juntos. Um deles tem duas baquetas; o outro uma. Como se entendessem os comandos do mestre de bateria, param de batucar quando o resto pAra e recomeçam imediatamente, assim que a música é retomada.
Na sexta-feira o ensaio no Clube Gaúcho, no Bairro São Pelegrino, começou com Tim Maia. "Não quero dinheiro, quero amor sincero" bota todo mundo a cantar. No meio do ensaio, Mamonas Assassinas para descontrair. A bateria toca de tudo para que no sábado os ritmistas estejam perfeitamente entrosados e consigam acompanhar, sem dificuldades, o ritmo comandado pelo mestre de bateria. É preciso que tudo esteja perfeito, afinal são 250 pessoas desfilando a história do cinema no ritmo ditado por eles, em 10 alas e 2 carros alegóricos.
De tempos em tempos, sem perder o ritmo, a bateria vira. É uma coreografia muito bem ensaiada para que os ritmistas se apresentem de frente para todo o público. Como os movimentos serão na avenida é um mistério tão grande quanto o andamento da produção de alegorias e fantasias, guardadas a sete chaves no barracão da escola.
Saudade e lembranças nas cores da Mancha
Na Mancha Verde, o Sol alto não atrapalha. Às 17h a sede da escola já está cheia. No portão de entrada, dezenas de pessoas acompanham o ritmo da bateria. A batida perfeita e o balanço dos ritmistas é registrado por diversos celulares e câmeras. Em meio ao público, a porta-estandarte aguarda a hora de começar o ensaio. A bateria já toca, mas os passistas ainda dão os últimos ajustes nas roupas antes de iniciar os trabalhos.
O público é menor que no dia do desfile, assim como o número de integrantes presente: no sábado serão 300 pessoas, 9 alas e 2 carros alegóricos falando sobre a saudade. Apesar do quórum reduzido, para quem está na Mancha o Carnaval já começou. A bateria está posicionada ao fundo da sala verde e branca em frente ao estádio do Juventude, no Centro, desenvolvendo em sincronia uma série de passos ensaiados. O mestre de bateria gesticula, mudando a posição dos dedos e o movimento das mãos. A cada gesto, incompreensível para os leigos, há uma mudança no som.
Sem nenhum sinal, sem nenhum chamado, passistas, rainha de bateria e porta estandarte se colocam em frente aos ritmistas. O boné do mestre de bateria diz, sem modéstia, que "mais quente não existe" - nada mais justo para a atual campeã do Carnaval. O samba e as saudações ao público fazem parte do ensaio, mas nem parece. Parece sim que os integrantes da Mancha já estão na avenida, disputando mais um título.
Arsenal: a folia combina com futebol
Às 21h, o técnico termina os ajustes no som. Os ritmistas se atrasam para o ensaio, mas tudo precisa estar pronto para quando eles chegarem. Até lá, o sistema de som não fica parado: primeiro a quadra de futebol do Bairro Vale da Esperança é tomada por funk; depois, por uma gravação do samba enredo da Acadêmicos do Arsenal, louvando os 80 anos do SER Caxias.
As crianças que antes jogavam futebol param a brincadeira e começam a dançar. A quadra é delas até que chega o ônibus da capital. Em poucos minutos estão todos a postos e, mesmo sem nenhum pedido, os meninos saem da quadra para dar lugar à bateria. Cadeiras brancas de plástico são trazidas pelo público, que se coloca próximo à bateria, sem atrapalhar.
No desfile a Arsenal terá entre 300 e 350 integrantes em 5 alas e 4 carros alegóricos. A bateria se apresenta com ritmistas locais e de Porto Alegre. Para pegar bem a batida, eles se reúnem em círculo atentos às explicações do mestre de bateria. A madrinha de bateria, sempre com um sorriso no rosto, só para de sambar quando as batidas cessam completamente. Já é Carnaval no Bairro Vale da Esperança.
Carnaval de rua
Escolas de samba de Caxias se preparam para o desfile mostrando que Carnaval se faz com paixão
Mais que uma preparação, ensaios são o espaço para mostrar que um bom desfile se faz com o coração
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