O mundo que se quer civilizado e desenvolvido está de joelhos para o ebola, a mais recente ameaça emitida pelos pobres da África. Não desminta, assuma que você também já pensou na possibilidade de o vírus exibir sua fatalidade por essas plagas.
Pois.
De novo a morte vem da África. Já foi assim com a aids, 30 e poucos anos atrás. Ebola e aids são doenças classificadas como negligenciadas. Significa que são ignorada pela indústria da ciência e da medicina porque são doenças de pobres. E pobres não têm dinheiro para comprar remédios. Por que, então, alguma multinacional investiria fábulas em pesquisas para obter remédios que curem o ebola?
O mundo que se quer civilizado e desenvolvido só investiu em pesquisas e tratamento da aids quando o vírus deixou as miseráveis aldeias africanas e apavorou Nova York, Londres, Paris, São Paulo, o mundo. Está pintando trajetória semelhante com o ebola. Séculos atrás era possível manter doenças dentro de feudos, vilas, aldeias. Com a peste negra foi assim. Hoje, porém, vírus e bactérias cruzam o planeta de jatinho.
Não é esse reles colunista que teoriza que o ebola é doença negligenciada. A classificação vem da academia, é conceito conhecido e reconhecido. Cristina Bonorino é professora titular de Imunologia da PUCRS e pesquisadora do CNPq. Em artigo recente ela recordou que um recanto de Londres trancou entradas e saídas em 1666 para evitar a disseminação da peste bubônica. O vilarejo queimava seus mortos, ninguém entrava, ninguém saía. Ao redor, 100 mil ingleses tombaram (15% da população urbana). Consta que os londrinos isolados controlaram a peste. "Hoje, não podemos mais trancar a vila. Negligenciar a pesquisa em doenças de vilarejos terá, inevitavelmente, um preço global", anotou Cristina.
Cena recente e chocante é a de contaminados africanos fugindo dos hospitais para obter comida. Outra: doentes de ebola prostrados na frente de hospitais esperando abrir vaga. Talvez seja preciso que parte do mundo que se quer civilizado e desenvolvido morra para que a indústria farmacêutica se mobilize e ataque o ebola na origem, lá onde os pobres morrem em espetáculos vergonhosos para a espécie humana.
Opinião
Gilberto Blume: O mundo que se quer civilizado e desenvolvido
Não desminta, assuma que você também já pensou na possibilidade de o ebola exibir sua fatalidade por essas plagas
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