O único capitel tombado como patrimônio histórico e cultural de Caxias será revitalizado, depois de permanecer 14 anos à mercê do tempo e do vandalismo, abandonado em um terreno onde ficava a casa de nº 499 na Rua Matteo Gianella. A recuperação do Capitel da Mariana finalmente atende a um desejo que perpassa gerações na família Bascú e devolve à comunidade, principalmente a dos bairros Santa Catarina e Pio X, uma referência histórica, cultural e religiosa.
A professora aposentada Edit Maria Corso, 74 anos, resume em si a felicidade da vizinhança, de poder ver o capitel reformado. A reforma está a cargo da Senador Empreendimentos Imobiliários, hoje proprietária do terreno e do capitel. O Capitel de Mariana, por sua importância histórica, tem capacidade de agregar valor cultural a qualquer empreendimento comercial que venha a ser edificado ali. Foram reservados a ele 100 metros quadrados, que serão ajardinados e iluminados, tornando-se uma espécie de pracinha. Mas é o valor emocional o que conta para vizinhos como Edit e dona Ires Fistarol, 80.
- Era isso o que precisava. Estamos há anos chamando a atenção para a necessidade da reforma. Estávamos cansados de passar e ficar triste com o que víamos - diz dona Edit.
- Até hoje, sempre que passo aqui faço o Sinal da Cruz - destaca dona Ires.
Natalí Pasqual, um dos proprietários da Senador Empreendimentos, avisa:
- Até o final do ano a obra estará pronta. A comunidade poderá apreciar da calçada um capitel reformado, nos moldes do original.
Vai ficar faltando, porém, as estampas emolduradas de Nossa Senhora do Rosário de Pompéia, trazido da região do Tirol, na Itália, pela família de Giovanni Michele, de São Francisco e de Santo Antônio, agregados ao capitel com o passar dos anos. Não se sabe onde estão essas imagens. Há várias versões para o seu paradeiro, e entre as mais prováveis é que esteja com um morador que as retirou para que não sofressem depredação, com o intuito de devolvê-las quando da reforma do pequeno templo.
- A falta das imagens não tira a originalidade do capitel. O tombamento garante a integridade do bem. Às vezes não é possível restaurá-lo, mas sim reformá-lo. Pelo menos não será uma réplica - comenta a coordenadora de Memória e Patrimônio da Secretaria Municipal de Cultura, Liliana Henrichs.
O historiador Juventino Dal Bó acompanhou e orientou o processo de tombamento do capitel e concorda com Liliana. À época diretor do Departamento de Memória e Patrimônio, Juventino diz que a falta da estampa de Nossa Senhora do Rosário de Pompéia não é problema.
- Coloca-se outra. O que vale é revitalizar o capitel.
Tradição em nome da fé
Até algumas décadas atrás havia muito mais capitéis em Caxias. Era típico dos imigrantes erguer pequenos templos para agradecer graças consagrando santos católicos.
Assim fez o imigrante Giovanni Micheli em 1881, ao chegar à terra da futura Caxias. Adoentado, construiu um capitel de madeira em honra a Nossa Senhora do Rosário de Pompéia depois de ter tido a visão de Maria abençoando-o e curando-o. Anos depois, com a morte de Giovanni e a dispersão da família Micheli, o capitel foi transferido à propriedade vizinha da amiga Mariana Bascú, na década de 1920.
Foi reconstruído em alvenaria em 1924 e conservado pela neta de Mariana, Suely, que manteve a tradição de reunir amigos e vizinhos para orar junto ao capitel até seu falecimento, em 1999. Suely atendia a um pedido da avó, de não se desfazer do capitel. Ao morrer, Suely refez o pedido da avó Mariana, finalmente atendido agora. Segundo a publicação Memórias de Caxias pelo Viés do Patrimônio Tombado, de Heloisa Mezzalira, o Capitel de Mariana ficou assim conhecido por ter estado sob a proteção de Mariana durante muito tempo.
O historiador Juventino Dal Bó lembra que o capitel foi, durante muito tempo, ponto de referência aos caxienses que costumavam-se banhar nas águas do Rio Tega e fazer piqueniques nos arredores de onde hoje fica o Museu Casa de Pedra.
- As pessoas que vinham da região do centro costumavam ouvir a orientação: "segue no sentido do capitel ..." - diz Juventino, lamentando que a casa da Suely não tenha entrado no processo de tombamento histórico, e sim demolida muito rapidamente.
Não há mais integrantes da família Bascú em Caxias do Sul, apenas vizinhos e amigos que hoje honram sua devoção.
Religiosidade
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