No ano em que a Diocese de Caxias do Sul completa 80 anos, trabalhadores se reúnem nesta quinta-feira em romaria no Santuário de Caravaggio, em Farroupilha. Eles celebrarão a história e as conquistas de uma igreja que não se contentou em pregar a palavra de Deus e mostrou-se atuante na formação política de uma sociedade em construção.
As sete encenações que serão apresentadas nos palcos de Caravaggio pelas paróquias da região mostram algumas facetas desses 80 anos. Mas tudo começou bem antes, com uma singela cruz de madeira cravada no chão pelos primeiros colonizadores serranos, em 1875.
- Quando os imigrantes chegaram, eles foram se organizando em mutirões e construindo a religiosidade ao redor de uma cruz. Aos poucos, foram formando as capelas e, ao redor delas, a vida. Dividiram serviços, abriram estradas - conta o padre Adilson Zílio, 45 anos, que organiza a celebração.
A Diocese de Caxias do Sul foi criada em 8 de setembro de 1934 pelo Papa Pio XI. Desmembrada da Arquidiocese de Porto Alegre, a região contava com aproximadamente 30 paróquias e uma Caxias com cerca de 50 mil habitantes.
Em 11 de fevereiro de 1936 foram realizadas a festa e a posse do primeiro bispo de Caxias: dom José Baréa. Festejava-se a autonomia da Região Colonial em relação a Porto Alegre. Para a nova diocese, couberam 10 municípios, ampliando a área de influência do clero de origem italiana: Caxias do Sul, Flores da Cunha, Farroupilha, Antônio Prado, Nova Prata, Veranópolis, Bento Gonçalves, Garibaldi, São Francisco de Paula e Torres.
Na década de 50, o Brasil passava por um período de transformações no campo econômico, social e político, decorrentes de um processo de modernização pelo qual passava o país. Na região, surgiam os sindicatos e as cooperativas. Era a Igreja incentivando esses movimentos e as lideranças. Caxias já era a segunda metrópole do Estado.
As cidades se transformavam, as populações modernizavam hábitos. Assim, surgiu a Cooperativa de Leite Santa Clara, em Carlos Barbosa. Produtores de uva também se reuniram e formaram a Cooperativa Aurora, em Bento Gonçalves, e outras em Monte Belo do Sul, Pinto Bandeira e na região de Forqueta, em Caxias. Dos que plantavam trigo, surgiu a cooperativa Farinhas Nordeste, em Antônio Prado, ou mesmo os moinhos de trigo, em Galópolis.
- Os padres e o bispo ajudavam as lideranças a se organizarem. Faziam com que os agricultores se unissem na construção de uma cooperativa. A igreja deu esse incentivo inicial, sempre ao lado da vida e das pessoas para as suas necessidades. Em torno da fé se construía o desenvolvimento social. O mesmo aconteceu com as escolas, onde as congregações viram a necessidade de orientar os filhos dos imigrantes. Até hoje alguns colégios de Caxias, como o São Carlos, São José, La Salle, Madre Imilda e Murialdo, por exemplo, continuam sendo dirigidos pela Igreja - enfatiza o padre Adilson Zílio.
Centro de Orientação Missionária era palco de debate
Criado em plena ditadura militar, o Centro de Orientação Missionária (COM) surgiu para orientar e articular missionários de toda a América Latina no período de 1970 a 2003. De iniciativa do bispo da Diocese, dom Benedito Zorzi, o COM orientava para que leigos e padres fossem pioneiros na formação de pequenas comunidades em regiões pobres do Brasil, para estudo da Bíblia e Assistência Social.
Os encontros eram um dos poucos espaços para assuntos políticos e socioecômicos e tornou-se fundamental no combate indireto à ditadura por estabelecer relações com setores populares, incentivando a formação de sindicatos , partidos e lideranças, como José Ivo Sartori, Maria Helena Sartori, padre Roque Grazziotin, Maria Formolo e o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), João Pedro Stédile.
- Durante o regime militar, o COM se transformou num espaço que reuniu diferentes forças políticas que não podiam se manifestar publicamente. Internamente, ele era plural, inclusive do ponto de vista partidário. Alguns eram de partidos comunistas, outros do MDB. Alguns das comunidades eclesiais de base. O COM trazia vários intelectuais da América Latina e Central para ministrarem cursos, debaterem não só conjuntura da política nacional, mas latino americana. Não era um trabalho de doutrinação política, mas de conscientização. O que unia essas pessoas com diferentes ideologias era o fim da ditadura. Depois essas pessoas foram para diferentes partidos ou atividades - analisa a professora da UCS e doutora em Ciência Política pela UFRGS Ramone Mincato.
Sob a influência da Teologia da Libertação, que interpreta os ensinamentos de Cristo em termos de libertação integral da pessoa humana, uma parcela da Igreja Católica, envolvendo também leigos, desenvolveu um trabalho na periferia da cidade que teve repercussão especialmente no campo político e se refletiu, inclusive, na eleição de Pepe Vargas para prefeito de Caxias, em 1996, pelo PT.
- Foi um fenômeno da década de 70 (o trabalho nas periferias), mas quase refletiu em fase mais recente da nossa história e que decorreu de um trabalho de formação política e de conscientização. O crescimento do PT no município de Caxias tem a ver com isso, ainda que esse trabalho não fosse partidário. Nesse período (ano da eleição de Pepe vargas), se comparássemos o voto do porto-alegrense e do caxiense, veríamos que o voto no PT em Porto Alegre vem dos setores médios e intelectualizados. Aqui em Caxias esse voto era sobretudo dos trabalhadores e da população excluída da vida social e política do município - explica.
Formação crítica é objetivo de escola
Ainda que a Igreja e a sociedade vivam nos tempos, a Escola de Formação Fé, Política e Trabalho é o que se tem de mais próximo do antigo Curso de Orientação Missionária. A semelhança é justamente essa: a formação política. A diferença é que hoje o sistema político é democrático, não mais uma ditadura.
- É uma escola não partidária onde o evangelho está a serviço da vida. Ela contribui para um cidadão mais consciente dos seus objetivos na sociedade _ esclarece o padre Adilson Zílio, coordenador da escola.
Nos 10 anos de atuação, mais de um mil alunos já passaram pela instituição, no bairro Colina Sorriso, em Caxias. Os encontros ocorrem de março a dezembro, durante 10 finais de semana, e é uma parceria com o Instituto Humanitas da Unisinos. Entre os debates promovidos, estão as transformações socioeconômicas, o contexto cultural da pós-modernidade, a mídia, educação e democracia. Os participantes, a maioria professores, buscam além da formação crítica uma atuação mais humana na sociedade.
AGENDE-SE
Romaria das Comunidades e Trabalhadores
Quando: 1º de maio, hoje
Onde: Santuário de Caravaggio, em Farroupilha
Horário: 8h30min
Programação: Sete encenação organizadas pelas comunidades e pastorais da Diocese para a celebração dos 80 anos, seguida de celebração de Missa de Ação de Graça:
Encenações:
1) Chegada dos primeiros imigrantes em 1875: religiosidade, organização, defesa da vida
2) Instituição da Diocese de Caxias do Sul, em 1934: os primeiros bispos, as conquistas trabalhistas
3) Organização social e religiosa das capelas: criação de cooperativas e sindicatos, escolas e hospitais responsáveis pelo desenvolvimento
4) Concílio Vaticano II - 1962 a 1965: abertura da Igreja, novas comunidades e ministérios
5) O fim da ditadura: reorganização da base e vida nova com liberdade
6) Virada do Milênio: "Nova Evangelização", chegada dos movimentos, pastorais sociais, missões populares
7) 80 anos: Nova perspectiva, como ser uma igreja comprometida com o a vida do povo e com o evangelho?