Tema de uma audiência pública na Câmara de Vereadores nesta segunda-feira e motivo de debates acalorados na reunião-almoço do último dia 10 de março na Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC) de Caxias do Sul, a lei estadual 14.376 - que estabelece as novas regras sobre segurança e proteção contra incêndios no Estado e em vigor desde 27 de dezembro último - virou uma abundante fonte de polêmica. E mais: criou situações paradoxais nas seções de prevenção de incêndios no Rio Grande do Sul.
Em Caxias do Sul, por exemplo, contabilizando os 17,3 mil cadastros ativos, a equipe do 5º Comando Regional de Bombeiros (CRB), com quatro examinadores, levaria cerca de 18 anos para analisar todos os planos de prevenção contra incêndio (PPCI), isso se nenhum outro novo processo fosse protocolado.
O cálculo, feito superficialmente, leva em conta que cada examinador hoje consegue estudar cerca de 20 projetos por mês. Isso sem contar os reexames. Um levantamento feito pela corporação até 2005, quando o método de concessão das licenças era semelhante ao atual, indicava que 80% dos planos protocolados necessitavam de correções. Ou seja, no mês subsequente, além da entrada de novos PPCI, as correções também retornavam, aumentando o número de análises e, em consequência, a demora em obter as aprovações.
Com base nessas comparações, a seção está dando prazos bem elásticos. A análise da documentação que chega hoje pode levar cerca de seis meses para ser analisada e até um ano para que toda a documentação esteja finalizada. Atualmente, 181 processos aguardam exame e 16 reexame.
Com a vigência da nova norma, agora existe a necessidade de os bombeiros conferirem pilhas e pilhas de papéis contendo plantas baixas, memorandos descritivos do prédio, das instalações hidráulicas, elétricas, saídas de emergência, central de gás, iluminação de emergência, detecção e alarmes de incêndio, para-raios, entre outros.
Também está sendo exigido pela lei um documento da prefeitura que comprove a ocupação, área, altura e viabilidade técnica do imóvel. Por enquanto, o município ainda não está emitindo essa certidão porque não se sabe exatamente como ela deve ser. O secretário municipal de Urbanismo, Fábio Vanin, afirma que uma equipe técnica está trabalhando para formatar o documento e a previsão é que ele passe a ser emitido a partir desta semana.
Além de tornar muito mais complexo o trabalho dos bombeiros, a nova lei também está preocupando setores importantes da economia caxiense, como a construção civil. O construtor Luis Otávio Palandi, por exemplo, está com tudo pronto para entregar um edifício com 12 apartamentos. No entanto, com a mudança na legislação, Palandi não poderá fazer o pedido do habite-se do imóvel na Secretaria de Urbanismo porque antes precisa aprovar o plano de prevenção contra incêndio no Corpo de Bombeiros, conforme determina a nova legislação.
O habite-se é documento fundamental para que o rapaz dê baixa da construção e pague os impostos junto à Receita Federal, além de averbar os apartamentos no cartório de registro de imóveis. Somente depois desse processo é que os imóveis poderão ser entregues aos novos moradores.
_ Nos Bombeiros, me disseram que o projeto leva cerca de 60 dias para ser analisado, isso se não for preciso fazer alterações. Depois, o habite-se leva mais cerca de 30 dias para sair. Na Receita e no cartório, calculo mais uns 30 dias em cada. No final das contas, só vou conseguir entregar o prédio em cinco ou seis meses. E como ficam as outras obras que estou tocando e que precisaria dos recursos obtidos com a venda destes apartamentos? E quem já vendeu seu antigo imóvel para se mudar para cá, o que vai fazer agora? _ diz, preocupado.
Se a legislação não tivesse mudado, bastava que ele tivesse instalado os equipamentos exigidos no certificado de conformidade expedido no início do ano passado, quando a obra se iniciou, e solicitar uma vistoria dos bombeiros.
Confira reportagem completa no Pioneiro desta terça-feira.
AS DIFERENÇAS ENTRE A NOVA E A ANTIGA LEGISLAÇÃO
:: A nova lei traz tabelas com a classificação das edificações (baixo, médio ou alto risco de incêndio) e as exigências para a edificação (itens obrigatórios de segurança conforme a classificação). A lei antiga deixava os detalhes técnicos para decretos (como os extintos 37.380 e 38.273), e instruções normativas da Brigada Militar e da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
:: A nova lei amplia o número de itens obrigatórios a serem considerados na elaboração do projeto de prevenção contra incêndios. Além de área total construída, a altura do imóvel, o tipo de ocupação e risco de incêndio, agora são verificados também a lotação máxima, a capacidade de controle e extração de fumaça e a carga de incêndio, ou seja, o potencial térmico da construção.
:: Outra mudança importante diz respeito à concessão de licenças. Pelo artigo 5º da nova lei, fica proibida a expedição de licenças ou autorizações provisórias de funcionamento pelo município sem a apresentação do alvará de prevenção e proteção contra incêndios expedido pelo Corpo de Bombeiros. Pela lei anterior, a edificação poderia conseguir licença de funcionamento provisório ou habite-se caso tivesse encaminhando o pedido do alvará junto aos bombeiros.
:: Os bombeiros só atuam até a interdição do estabelecimento. O embargo compete ao órgão municipal. A lei anterior não deixa clara de quem é a obrigação de embargar o espaço.
:: Passa a ser obrigatória a presença de brigadistas de incêndio em eventos com mais de 200 pessoas.
:: Passa a ser obrigatória a instalação de sprinklers (chuveiros automáticos para combate ao fogo) em casas noturnas com público superior a 500 pessoas.
:: A lotação máxima e o alvará devem ficar expostos ao público.
:: Em estabelecimentos como casas noturnas com área superior a 750 metros quadrados (ou altura superior a 12 metros) onde há concentração de pessoas, passa a ser obrigatória, antes do início do evento, a explanação ao público da localização das saídas de emergência, bem como dos sistemas de seguranças contra incêndio existentes no local.
:: A responsabilidade pelo uso da edificação para o qual foi licenciada, pela tomada de providências para a adequação ou mudanças exigidas para a adequação à lei e o encaminhamento do pedido de renovação do alvará não é mais só do proprietário. Ela pode ser também da pessoa que responde pelo uso da edificação, como o locatário, por exemplo.
:: Estão excluídas da lei edificações de uso residencial unifamiliares e residências unifamiliares que ficam no pavimento superior de ocupação mista com até dois pavimentos e que possuam acesso independente.
COMO FICOU
O modo de concessão de alvarás pelo Corpo de Bombeiro passa por uma terceira mudança. Confira:
Como era até 2005
:: A lei exigia que o interessado apresentasse plantas, projetos de prevenção contra incêndio e informações técnicas sobre o imóvel. Toda a documentação era analisada na seção de prevenção a incêndios (SPI), levando-se em conta a legislação e normas técnicas. Alterações eram determinadas quando necessário e a documentação voltava para o interessado, que deveria providenciar os ajustes. Esse processo poderia ir e voltar à SPI tantas vezes quanto necessário até que o projeto estivesse ok. Uma vez ajustado o projeto, o interessado poderia executar as obras de adequação e solicitar a inspeção, na qual o bombeiro analisava o projeto e conferia se o item estava instalado. Entre 1998 e 2005, o 5º CRB, com sede em Caxias, conseguiu cadastrar cerca de 4,4 mil planos de prevenção.
Como funcionou entre 2005 e 2013
:: O 5º CRB criou um sistema informatizado, batizado de SIGPI, que eliminou toda a burocracia do processo de concessão do alvará. Em vez de apresentar um projeto de prevenção, o interessado procurava a SPI, informava dados técnicos sobre o imóvel e recebia, na hora, um certificado de conformidade que indicava quais, quantos e como o sistema de prevenção contra incêndio deveria ser instalado naquele espaço. Essas informações eram resultantes do cruzamento da legislação específica e de normas técnicas aplicadas a cada tipo de imóvel. Assim que realizasse as adequações exigidas pelos bombeiros, o interessado procurava a SPI e solicitava a vistoria (conforme os bombeiros, o prazo era de cerca de uma semana). Caso estivessem faltando itens, a pessoa ganhava um novo prazo para se adequar e pedia nova inspeção.
A concessão do "habite-se" pela prefeitura não estava condicionada à expedição do alvará dos bombeiros. Bastava apenas que o imóvel já tivesse o certificado de conformidade. Entre 2006 e 2013, com ajuda do SIGPI, o 5º CRB cadastrou cerca de 14 mil planos, chegando atualmente aos 18 mil cadastros.
Como é agora
:: A nova lei acabou por restringiu o uso do SIGPI, uma vez que determina o retorno ao método tradicional e manual, executado até 2005. Agora, novamente é necessário elaborar o plano de prevenção (executado geralmente por engenheiro ou empresa especializada) e submetê-lo a avaliação na SPI. Essa análise, nos projetos mais simples, leva em torno de 3 a 4 horas para ser feita, mas há casos em que demora vários dias.
Em função das mudanças na lei, a previsão é de que os pedidos que deram entrada neste ano levem pelo menos seis meses para serem analisados. Até a liberação do alvará, no entanto, a espera pode chegar a seis meses. Paralelamente, a equipe do SPCI precisa ainda atender os pedidos de renovações dos alvarás que estão vencidos ou por vencer dentre os 18 mil cadastrados.
Outra mudança da nova lei diz respeito à concessão do "habite-se" pela prefeitura. Agora, o município só pode emitir o documento após a expedição do alvará do plano de prevenção contra incêndios (APPCI) pelos bombeiros.
Hoje, conforme a SPCI, 181 novos projetos estão na fila para exame e outros 16 para reexame (já foram analisados, mas precisaram de adequações).
O que ainda precisa ser regulamentado
:: A lei 14.376 ainda não foi regulamentada. O estudo de regras e detalhes técnicos está sendo feito por equipes de oficiais dos bombeiros e pessoal especializado e a previsão é que todas as regras estejam compiladas dentro de mais alguns meses.
Para não inviabilizar o trabalho das SPIs no Estado, o comando do Corpo de Bombeiros publicou uma instrução normativa no dia 12 de fevereiro que regulamenta parte da lei ou recomenda a adoção de instruções técnicas do Corpo de Bombeiros de São Paulo até que o tema seja regulamentado no RS. Conforme o 5º CRB, cerca de 19 resoluções técnicas seguem pendentes, entre elas as que dispõem sobre:
- Saídas de emergência
- Controle de fumaça
- Definições sobre o acesso facilitado de caminhões dos bombeiros nas edificações
- Compartimentação horizontal e vertical do imóvel
- O que é um brigadista de incêndio e quantos são necessários área determinado local ou evento (obrigatório para eventos com mais de 200 pessoas)
- Segurança estrutural da edificação contra incêndios
- Sanções a quem desobedecer a lei e os valores das multas
Estrutura da SPCI em Caxias
:: A seção conta com 14 servidores. Até o ano passado, quatro atendiam o público, recebendo pedidos e expedindo os certificados, dois atuavam na secretaria, despachando papéis e organizando agendas e o restante trabalhava na rua, fazendo inspeções. Hoje, a situação se inverteu. Dos oito que faziam inspeção, quatro passaram a ficar na seção, examinando os projetos.