Não passam mais do que 24 horas sem que o pronto-socorro do Hospital Pompéia receba de dois a três acidentados de motocicleta. Frequentemente, chegam em estado grave, com traumatismo cranioencefálico.
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para os 100 anos do Hospital Pompéia
Soma-se a isso o fato de 80% dos casos de acidentes de trânsito envolverem gente jovem, na faixa dos 30 anos. Esses números não constam em nenhuma pesquisa oficial. São resultado de anos de observação do médico Remi Orildo Lira, 62 anos, 34 deles vividos dentro do Hospital Pompéia.
Formado na turma de 1978 pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), Lira foi convidado no ano seguinte a assumir uma vaga de plantonista na UTI do Pompéia pelo pneumologista Léo Tossin. Ficou lá por 10 anos, até transferir-se definitivamenter para o pronto-socorro, onde inicialmente substituía colegas eventualmente.
- Descobri que o meu perfil é de atendimento de urgência e emergência. Eu gosto dessa adrenalina que é o pronto-socorro. Fico fora por uns dois ou três dias e já sinto vontade de estar atendendo de novo. No começo, não é facil, você vê coisas que tocam muito, principalmente com relação a mutilados e crianças. Não tem como desligar, a gente se identifica com aquele paciente, mas sabe que tem de atender, de fazer o melhor por ele. O segredo, como em toda a profissão, é gostar do que faz - afirma.
Como o hospital é referência no atendimento de politraumatizados, Lira convive diariamente com vítimas do trânsito, feridos por arma de fogo e esfaqueados.
- Há mais de 40 anos que é assim. Quando se fala em politrauma, se fala em Pompéia.
O hospital tem uma estrutura completa que é referência inclusive na região - explica, acrescentando que essa excelência foi conquistada a muito custo:
- No começo havia uma UTI que atendia planos e SUS (Sistema Único de Saúde). Hoje, temos três, que estão entre as melhores do Estado, com equipamentos de última geração. Claro que isso teve um custo, que certamente nem sempre teve retribuição financeira, principalmente por parte do SUS. A sorte é que de vez em quando há uma emenda parlamentar destina dinheiro, caso contrário, não haveria como dar volta.
É por isso que na madrugada do dia 19 de outubro de 2008, quando um ônibus que transportava 64 pessoas, a maior parte integrantes de um grupo de danças do Paraguai, se desgovernou em uma curva da Rota do Sol na Serra do Pinto, foi para o Pompéia que a maior parte dos 29 feridos foi levada. Foi um dia de muita agitação no PS do hospital e de muito trabalho para Lira e outros médicos chamados às pressas para ajudar.
- Esse foi um dos casos que mais me marcou quando se fala em grande número de feridos. No pronto-socorro, é preciso ter tranquilidade para avaliar a situação, ter conhecimento de todas as especialidades em mente. Por isso, não é facil captar novos médicos. Tem gente que até começa a trabalhar, mas passa uns dois ou três meses e o pessoal acha que não é para eles - revela Lira.
Para ele, o diferencial de um bom médico é passar segurança ao seu paciente.
- O médico está envolvido com o paciente, sim. Por isso, tem de atender bem, atender direito. Por vezes, sabemos que a pessoa está com a pressão boa, com o pulso bom, mas mesmo assim não custa dar uma olhada na pressão. Esse contato é importante para ela ter confiança na gente. Se vai fazer, faça direito, ou não faça. Isso é o que aprendi com os meus pais e ensino para os meus filhos e sobrinhos - conta.
Com os pais, Lira também aprendeu a importância do trabalho. O médico começou cedo, aos 12 anos, ainda na colônia, no interior da 7ª Légua (Pedancino), onde cresceu junto com outros cinco irmãos.
- Eu trabalhava em uma pedreira, mas meu sonho sempre foi fazer medicina. Fiz o científico (atual ensino médio) no Cristóvão (de Mendoza) até 1970 e prestei vestibular. Como não passei e tinha feito carteira de motorista, virei caminhoneiro. Cortei estradas levando carga seca, como tintas, calçados e até lingerie. Foi uma época boa, mas percebi que para virar médico tinha de estudar. Então, quando ia fazer o terceiro concurso, eu disse: bom, agora vou parar e me dedicar. Em agosto, comecei a estudar dia e noite e acabei passando. Para mim, ninguém conquista nada na sorte. É preciso se dedicar - acredita.
E Lira nem pensa duas vezes quando questionado se faria tudo de novo.
- Sim, faria tudo de novo. Talvez trabalhasse um pouco menos porque o pessoal lá de casa me cobra bastante - brinca.
Momentos de paz? Quando não está no trabalho, Lira vai para a praia, onde se despe do jaleco branco e revive as raízes de colono. Quando está na ativa, vai para a capela, medita, pensa na vida. E encontra forças para seguir batalhando pela vida dos feridos que chegam todo dia ao pronto-socorro.
Referência no atendimento
"Eu gosto dessa adrenalina que é o pronto-socorro", afirma o médico Remi Orildo Lira, há 34 anos trabalhando no Hospital Pompéia
Para ele, o diferencial de um bom médico é passar segurança ao seu paciente
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