Mesmo com a memória prejudicada por um acidente vascular cerebral, o advogado Elvo Janir Marcon, 88 anos, guarda trechos da história do Hospital Pompéia que poucas pessoas conhecem.
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para os 100 anos do Hospital Pompéia
Ele não recorda exatamente quem o chamou para assessorar juridicamente a instituição, se dona Paulina Moretto ou o filho, o bispo dom Paulo Moretto. O fato é que por mais de 20 anos eles defendeu os interesses do Pompéia.
- Acho que me chamaram porque naquela oportunidade surgiu um problema muito sério em relação a dona Paulina, que sem razão nenhuma, estava sendo acusada de não ter providenciado em tempo algo. Eram acusações injustas, sem fundamentação razoável ou plausível. Também enfrentamos uma situação bem crítica porque um grupo caxiense começou a importunar autoridades para que o governo do Estado construísse em Caxias um hospital público, que seria uma espécie de concorrente do Pompéia. Tenho certeza de que por influência desse grupo, autoridades estaduais passaram a vislumbrar a possibilidade de desapropriar o Pompéia e o entregar à administração de terceiros, em vez de construir outra instituição. Lideranças da época resolveram levar à frente esse propósito. Mas eu lutei muito pelo hospital e me virei que nem bolacha, como advogado, como assessor jurídico, para que isso não acontecesse. E de fato não aconteceu. Foi uma luta grandiosa, mas gratificante porque conseguimos contornar a situação - recorda.
Em função do trabalho que realizou, acredita Marcon, a direção do hospital passou a mantê-lo como assistente jurídico, tarefa que exerceu como advogado independente. Era às mãos de Marcon que chegavam questões trabalhistas e problemas envolvendo contratos, principalmente.
- Era contratos que já existiam e que traziam implicações sérias para o hospital e para o Pio Sodalício das Damas de Caridade. Assim, passei a elaborar novos contratos, a demandar sobre outros, embora não judicialmente. Eu sempre procurei não entrar em brigas judiciais porque havia uma recomendação grande de dom Paulo. Ele sempre dizia "faça o que puder fazer, mas procure não entrar em juízo, para não haver espalhafato, confusão" - conta Marcon.
E por estar se enfronhando cada vez mais das questões do Pompéia, o advogado conta que foi o grande incentivador para o fim da aliança do hospital com a Sociedade Beneficente São Camilo, que assumiu a administração em 1989.
- Cheguei à conclusão de que a contratação dos camilianos era um peso enorme para o Pompéia. Ela cobrava um valor mensal que eu considerava excessivo, altamente oneroso. Resolvi falar com dom Paulo sobre isso. Ele achou que era difícil romper o contrato e tal, mas eu fui convencendo-o de que o hospital não poderia aguentar esse ônus mensal, que era alto demais e trazia um prejuízo enorme ao hospital no fim das contas. E assim fizemos. Ao mesmo tempo, pensei em ficar com administrador deles, que era o Francisco (Ferrer). Ele era um excelente funcionário e estava levantando o hospital. Só tinha um caminho: indenizar o Francisco do rompimento do contrato com a São Camilo. Indenizamos e convenci o Francisco a ficar. E ele está aí até hoje conosco - afirma.
Quando o hospital começava a caminhar com as próprias pernas, Marcon conta que sua tarefa passou a ser rever contratos, principalmente de serviços que funcionavam no Pompéia nas mãos de terceiros.
- Eram serviços muito eficientes, cordatos, colaboradores firmes, mas que se orientavam independentemente e sem hegemonia da direção do hospital. O que me parecia que não era próprio. Foi um trabalho grande. Agora, o hospital estipula as condições, a forma como é administrado serviço. Ficou tudo mais organizado - acredita.
Em função de problemas cardíacos graves e do próprio AVC, Marcon percebeu que não tinha mais condições de dar assistência ao Pompéia e entregou seu escritório aos filhos, que até hoje seguem prestando assistência ao hospital. O papel dos assessores jurídicos em uma instituição de saúde, aliás, vem se tornando cada vez mais difícil, entende o advogado.
Segundo ele, existem pouco profissionais preparados para enfrentar os problemas que surgem em função da responsabilidade civil que nasceu.
- É comum doentes tanto do SUS como de planos particulares internados serem acometidos por maus diagnósticos ou demora nos atendimentos. E essas pessoas demandam ações contra o hospital, quando deveriam demandar contra os médicos. Os pacientes ficaram tremendamente mais exigentes, mais agressivos, mais críticos, e também mais injustos porque eles não vão indagar quem é o responsável pelo que aconteceu. Ele vai acionar o hospital e o hospital que se vire - afirma.
Apesar de ter esquecido muito do que já fez pelo Pompéia, Marcon tem frescas na memória as cenas de seu primeiro contato com o hospital: foi quando tinha cinco ou seis anos e ficou no antigo hospital acompanhando a mãe, que estava internada.
- Naquela época, o hospital funcionava em uma casarão e os pacientes eram atendidos pelas irmãs de São José, que estavam sob o comando da madre Felicidade, excelente administradora e grande religiosa. Lembro que elas fundaram uma escola de enfermagem e participaram depois da fundação da Universidade de Caxias do Sul - conta.
E por que não surgem outros "Pompéias" na região, questiono. Para Marcon, investir na saúde não é um negócio rentável:
- As pequenas cidades da região têm hospitais, formados muitas vezes pela próprias paróquias. Mas elas não puderam mais sustentar e hoje os hospitais vivem da própria renda. Além do mais, todos são obrigados a atender pelo SUS. E o sistema único não paga convenientemente o que deve pagar. O governo se serve da saúde para explorar os hospitais e os serviços médicos que eles demandam. Essa é uma realidade. O SUS, em si como organização oficial, é um grande ladrão nacional - desafia.
Consultor jurídico
Advogado Elvo Janir Marcon defendeu os interesses do Hospital Pompéia por mais de 20 anos
O papel dos assessores jurídicos em uma instituição de saúde, aliás, vem se tornando cada vez mais difícil, entende o advogado
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