— O sonho vai virar realidade.
Assim, aos 32 anos, o caxiense Marcelo Demoliner definiu em suas redes sociais a convocação, quase em cima da hora, para participar do time dos tenistas brasileiros nos Jogos Olímpicos de Tóquio, que começam na próxima sexta-feira (23). O jogador, que começou a carreira no Recreio da Juventude, iria fazer parceria com o cearense Thiago Monteiro no torneio de duplas masculinas. Porém, após Bruno Soares ter uma crise de apendicite no voo para o Japão e jogará ao lado de Marcelo Melo.
Porém, a primeira dupla que Demoliner teve em quadra foi um balão, quando ainda dava seus primeiros passos.
— Quando ele era bebê, nós, pais, e o avô, jogávamos tênis. Ele via a raquete e queria pegar. Mas era um bebezão de fralda. Como a raquete era muito pesada, compramos uma de plástico. Como ele não tinha coordenação com a bolinha, enchíamos um balão e ele dava cada porrada. Eu digo que, sem querer, acho que treinamos ele para o saque desde pequeno– conta Gisa Fedrizzi, mãe de Marcelo.
Até ser mãe de um atleta olímpico, porém, Gisa passou por alguns desafios com o filho começando a carreira. O maior deles, a saudade. Demoliner saiu de casa aos 14 anos para jogar tênis. Antes disso, porém, coube aos pais levarem o garoto para as competições.
— O pai dele (Juliano Demoliner) levava ele em alguns torneios e eu levava para outros. Teve fim de semana que eu fui para uma fronteira e no outro, para outra fronteira. Cheguei a fazer tendinite no calcanhar de dirigir, porque eram 800km. Depois ele começou a viajar com o clube e ficar em casas de família ou nos clubes. Nunca esqueço uma vez em que ele ficou em uma sauna — lembra Gisa, que no início da carreira de Demoliner precisava comprovar a idade do filho, hoje com 1m93cm de altura:
— Ele sempre foi muito grande. Nos primeiros torneios, sempre queriam ver a identidade dele, achavam que era mais velho.
Quando deixou a casa dos pais por causa do tênis, Demoliner foi para Camboriú-SC e treinava em Itajaí. Foi aí que a saudade apertou, como relata a mãe:
— Eu chorava muito. Andava de carro e chorava de saudade. Ele era bem novinho, não sabia se virar. Ele aprendeu a fazer comida e com o tempo foi amadurecendo bastante.
O grande incentivador
Além de Gisa e do pai Juliano, a carreira de Marcelo teve um grande incentivador: o vô Raul Fedrizzi. Empresário de reconhecida história em Caxias do Sul, Fedrizzi foi dos mais ferrenhos apoiadores na trajetória do neto tenista.
Em setembro do ano passado, um câncer levou aos 85 anos aquele que deu a Demoliner os primeiros passos no tênis para a realização do sonho olímpico.
— Esporte que ele era tão apaixonado e que ensinou minha mãe, meu pai e se não fosse ele, nem sei o que eu estaria fazendo hoje. Sei que ele tinha um orgulho enorme por mim, porque lá no clube ele vivia se gabando do neto que jogava o esporte que ele trouxera pra família — publicou Demoliner à época em texto homenageando o avô.
— Ele tinha uma paixão pelo vô e o vô tinha um orgulho, sempre ia assistir quando podia e incentivava. Falava de boca cheia do neto — recorda Gisa.
Vida no circuito e parcerias gigantes
Atual 52° do ranking de duplas da ATP, Demoliner chegou a ser o número 34, em 2017, em sua melhor colocação no circuito. Quando começou, seu sonho era estar no top100 do Mundo, marca superada com muito sucesso. Até agora, o gaúcho conquistou quatro torneios ATP 250 — Antália-TUR, em 2018, Moscou-RUS, 2019, Córdoba--ARG, em 2020, e Stuttgart-ALE, em junho deste ano.
Porém, além do sucesso nas quadras, o caxiense também é carismático e tem o carinho de diversos tenistas do top mundial.
Neste ano, a dupla mais recorrente de Demoliner é o mexicano Santiago Gonzáles. Porém, durante a temporada, um dos parceiros de Marcelo é o russo Daniil Medvedev, atual número 2 do ranking de simples.
Esse carisma do filho enche de orgulho a mãe:
— Ele se dá com todo mundo. O parceiro dele, que convida ele para jogar, é top 3 do mundo. Então, um cara que tem a frieza do russo, e o Marcelo todo carismático. Acho que isso completa no Medvedev e é isso que ele gosta no Marcelo. E pelos outros jogadores ele é bem querido.
A realidade dos grandes torneios, a mãe pode viver por um presente do filho.
— Uma vez, ele disse “tu poderia ir ver um Grand Slam meu, né?”. Eu falei que poderia me organizar e ir. Então, ele me perguntou se eu tinha o passaporte novo e pediu para eu tirar uma foto para ver. No outro dia, ele mandou uma mensagem dizendo que me espera em uma semana em Wimbledon, que ia me buscar no aeroporto de Londres e que eu ficaria duas semanas. Eu fui e estava lá, no meio de todos os jogadores. Sou fotógrafa e levei minha câmera. E ele disse: “Mãe, respira. Aqui tu não é fotógrafa”— lembra Gisa.
Parada pré-olímpica
Quando a pandemia foi decretada, em março de 2020, Demoliner ainda não tinha vaga garantida para os Jogos. Naquele momento, sem os torneios, Gisa pode viver momentos com o filho que a rotina do circuito dos tenistas normalmente não permite. Para o jogador, também foi hora desse reencontro.
— Esse tempo ele deu para nós, família, para podermos nos reunir. Temos casa na praia e eu sempre levei ele para lá. E podemos ir toda a família. Foi minha filha e o marido, ele e a namorada. Pudemos curtir, fazer comida, coisas que o Marcelo saiu tão cedo de casa e não tínhamos mais essa ligação. A pandemia fez com que ele pudesse descansar e relaxar, porque é uma vida muito puxada — diz Gisa, falando das preferências do filho nos raros momentos em que ele consegue ficar em casa, em Caxias do Sul, durante a temporada:
— Quando ele chega aqui, diz que não quer nem telefone. Às vezes, a gente vai para o campo para ter um pouco de paz, porque vive com muita pressão. Quando ele vem para cá, nem quer falar de tênis.
O sonho virou realidade
A confirmação da vaga na Olimpíada só veio pouco mais de uma semana do início dos Jogos. A desistência de algumas duplas permitiu ao caxiense entrar na chave olímpica na quinta-feira passada. Gisa foi a primeira a saber:
— Ele tinha me dito que se caísse alguma dupla, ele entraria. Eu estava torcendo, não queria o mal de ninguém, mas estava torcendo que alguém saísse para ele entrar. Ele me ligou na hora e disse: “Mãe, estou te ligando em primeira mão porque eu fui convocado”. Foi um dia que eu chorei muito, fiquei muito emocionada e ainda estou. Eu nem dormi à noite. Agora estou fazendo umas camisas com a foto dele para a torcida, com minhas amigas que também são jogadoras de tênis e vamos fazer a torcida organizada, porque é uma coisa única.
Encarar a madrugada para assistir aos jogos, por conta do fuso-horário do Japão, não será um problema para Gisa, já adaptada com essa hora.
— Estou acostumada a acordar para ver quando ele jogar na Austrália, sempre assistia com meu pai. Eu ficava de pé na sala, os dois gritando e torcendo muito.
Gisa e toda a família fizeram parte do sonho olímpico de Marcelo. Quando o caxiense entrar nas quadras japonesas, estará vivendo uma história que não é só dele, mas de todos que realizaram essa estrada junto.
— Dever cumprido. Criei ele com muito amor e sou muito feliz e grata. Ele é um merecedor e um guerreiro — conclui a mãe de Demoliner.
O tenista caxiense desembarcou no Japão na manhã de terça-feira (no horário de Brasília). O início das chaves de simples e de duplas do tênis está previsto para o sábado, dia 24, e segue até 1º de agosto, no Ariake Coliseum, na capital japonesa.