Mais de 300 atletas de nove países passarão pelo Ginásio Poliesportivo da Universidade de Caxias do Sul (UCS) a partir de desta sexta-feira. A cidade sedia o Campeonato Mundial de Handebol para Surdos, com a participação de Brasil, Rússia, Turquia, Equador e Gana – nos dois naipes –, as seleções masculinas de Croácia, Camarões e Quênia, e a feminina da Dinamarca.
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Depois do congresso técnico, realizado na quinta-feira, a competição terá seu primeiro jogo nesta sexta, às 18h, entre Brasil e Dinamarca. O embate marca a primeira partida da história de um campeonato mundial da modalidade para surdos no naipe feminino.
– É um Mundial. Tenho a impressão que é o primeiro de Caxias. E é mais inédito ainda porque é a primeira vez que ocorre um mundial feminino e apenas a segunda edição do masculino. É um marco histórico. A UCS aceitou imediatamente e entendeu a proposta do esporte inclusivo, da dimensão de um campeonato mundial para Caxias, para o Estado e para o Brasil. Temos o prazer de compartilhar toda a estrutura da universidade com as delegações – resumiu Carlos Bonone, coordenador da Vila Poliesportiva da UCS.
Se no feminino a história se inicia em Caxias do Sul, no masculino esta será a segunda edição. A primeira foi disputada em 2014, na Turquia. O evento é realizado em parceria da Confederação Brasileira de Desportos de Surdos, Comitê Internacional de Esportes para Surdos, com apoio da UCS e da Prefeitura de Caxias do Sul.
– Serão muitas partidas. O caxiense vai poder acompanhar vários jogos de handebol nestes nove dias. Logicamente não é um mundial de ouvintes, com grandes estrelas. Mas tenho certeza que teremos muitos jogadores dando trabalho – avalia Gabriel Citton, coordenador técnico da seleção brasileira, e treinador da equipe feminina.
A iniciativa de trazer o Mundial para Caxias partiu exatamente de Citton, um dos desbravadores da modalidade na cidade, junto de Gustavo Perazzolo, presidente da Organização Pan-Americana de Desportos Surdos.
Entrada gratuita para os jogos
O evento, que começa efetivamente hoje, acontece até o próximo dia 14. Em paralelo às partidas, atividades culturais também serão desenvolvidas na Vila Poliesportiva da UCS. O acesso para todos os jogos é gratuito, mas é indicado levar 1kg de alimento não-perecível.
Na competição masculina, oito seleções estão na disputa. Na chave A, Brasil, Turquia, Gana e Quênia brigam por duas vagas nas semifinais. Na B, estão Croácia, Rússia, Equador e Camarões.
Os confrontos da fase classificatória no masculino serão amanhã, segunda-feira e quarta. As semifinais na próxima sexta-feira e as finais no dia seguinte. Para Citton, os europeus são favoritos, com destaque aos croatas:
– A Croácia fez vários amistosos pelo Estado e não perdeu nenhum. É a seleção mais forte. Tem dois atletas profissionais que jogam na liga italiana.
Já no feminino, não há favoritos. Seis equipes brigam pelo título inédito. O Brasil está na chave A, com Dinamarca e Gana. Na B, estão Turquia, Equador e Rússia. A primeira fase segue até terça. As decisões serão nos mesmos dias do masculino.
– No feminino, estamos treinando no escuro. Não vimos nenhuma seleção jogar e eles também não viram a nossa – explicou Citton.
Caxienses comandam a seleção brasileira
Apesar de ser dono da casa, o Brasil ainda engatinha na modalidade. O selecionado brasileiro do handebol de surdos começou a se formar em 2014, mas sem grandes pretensões na época.
– Começamos esse trabalho em 2014. Escolhemos 10, mas que mal sabiam as regras, para poder ter um time para o Mundial. Ele só aconteceria se o Brasil fosse para representar o continente. Logo depois começamos um trabalho de divulgação e, em 2015, organizamos um Campeonato Brasileiro com sete equipes no masculino e duas no feminino. Daí surgiu a ideia de fazer a seleção brasileira feminina. Fomos o primeiro país a fazer isso. Outros países compraram a ideia e contam com grandes atletas no individual, talvez não com grandes seleções – relembra Citton.
Pioneiro no projeto, o caxiense lamenta a falta de recursos para o desenvolvimento da modalidade. O handebol de surdos não faz parte dos Jogos Paralímpicos e nem Olímpicos, logo, não faz parte dos projetos governamentais. Quem joga, financia sua própria participação em competições.
Na seleção feminina, Gabriel trabalha junto com o auxiliar potiguar Flavio Tinoco. No masculino, o também caxiense Rafael dos Santos, o Brasa, é auxiliar do brasiliense Marcelo Lima. Todos, se desdobram para se fazerem entender na base de sinais e gestos para orientações aos atletas.
– Alguns não são completamente surdos. Logicamente a arbitragem usa mais do gestual. O entendimento demora um pouco mais, o treinamento exige mais do técnico. Mas, num contexto geral, é igual ao do olímpico. Quando não se tem um sentido, se tem um outro apurado. A atenção do surdo é muito maior do que de uma pessoa ouvinte. Tem uma dificuldade maior, mas o atleta tem que estar olhando para ti, se gesticula muito mais e em alguns momentos não se consegue passar a orientação porque o atleta não te olha – detalha Citton.
Ver as seleções disputando um Mundial, e em casa, é motivo de orgulho para o caxiense, que trabalha há mais de 20 anos no handebol, alguns deles dedicados à seleção brasileira, como técnico da equipe sub-17, e da Apahand/UCS, em competições nacionais e estaduais.
– Comecei em 2014, neste trabalho de formiguinha. Hoje, fico feliz de ver duas seleções recheadas de atletas e já começando a ter qualidade no grupo para chegar a um bom nível mundial. No masculino, queremos ficar, pelo menos, entre os quatro. No feminino, não sabemos porque não conhecemos as outras seleções.
Chance de confraternização entre as equipes
Na seleção brasileira, os treinos ocorrem, em média, uma vez por mês, geralmente em São Paulo. Um dos principais jogadores é o goleiro Tiago Rila, 21 anos, que atua no time principal (de ouvintes) do Pinheiros-SP.
– É um aprendizado muito grande. Fazemos bastante amizades. Espero representar bem o Brasil e ganhar medalhas. Mas o mais importante é ser respeitado – avaliou o paulista.
Também de São Paulo vem uma das destaques do time feminino. Fernanda Caporal, 20 anos, trocou o vôlei pelo handebol ainda na adolescência:
– Comecei no handebol porque é um jogo de contato, que dá para fazer gols. O vôlei era muito parado. Gosto muito. Minha maior conquista foi ter disputado os Jogos da Juventude por Franca. Espero o ouro neste Mundial.
Os dois são alguns dos atletas hospedados no Hotel Personal, em Caxias. Na tarde de quinta-feira, em clima de Copa do Mundo, o hall de entrada do hotel se transformou numa grande integração, após as chegadas de todas as delegações.
O turco Remzi Sönmez (foto acima), 31 anos, aproveitou para se comunicar com a família por vídeo.
– Espero ser campeão mundial no Brasil. Acreditamos que isso é possível – disse o goleiro, em tom carismático, apesar da aparente confiança.
Para o queniano Joel Kiilu (abaixo), 24 anos, só participar pela primeira vez de um Mundial é uma vitória:
– Isso é muito positivo. Fico muito feliz em participar e ver essa união de todos. Fomos bem recebidos aqui.