Após deixar o Grêmio, em 2003, Tite demorou a conseguir outro resultado expressivo no cenário nacional. No São Caetano, ele classificou o Azulão para a Libertadores e montou a base do time que viria a ser campeão paulista sob o comando de Muricy Ramalho, no ano seguinte. Na oportunidade, a demissão durante o Estadual incomodou muito o treinador caxiense.
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Na sequência, uma primeira passagem apagada pelo Corinthians, uma rápida oportunidade no Atlético-MG e outra experiência frustrante no Palmeiras. Em 2007, Tite teve sua primeira experiência como técnico no exterior. Foi contratado pelo Al Ain dos Emirados Árabes. Após seis meses, em 25 jogos, venceu 13, empatou seis e perdeu outros seis. Porém, acabou demitido por não concordar com o pedido dos dirigentes para relacionar um jogador da seleção do país.
Era hora de voltar. E o desafio era gigante. Assumir o Inter, em junho de 2008.
— Quando ele chegou, só de olhar e ouvir as histórias de outros companheiros, se tinha a vontade de trabalhar com o Tite. Naquele ano, começamos muito bem, fizemos um baita Gauchão (título sobre o Juventude), o Brasileirão estava mais ou menos para ruim e ele entrou na vaga do Abel Braga. Lembro de que quando ele se apresentou até falou que esperava o telefone tocar porque se sentia honrado em chegar ao Inter e estar em um time vitorioso — recorda o meia Alex.
Por mais que fosse uma honra assumir o Inter, o fato de ter uma história marcante pelo maior rival pesava contra Tite. A desconfiança dos colorados era grande. Porém, os resultados em campo foram a resposta.
— O Tite dispensa qualquer comentário. Ele sempre foi um cara agregador, com paciência para explicar o que queria. Na hora da palestra pré-jogo, ele consegue motivar e tirar o melhor de cada atleta — relembra o zagueiro Índio.
Mesmo em um grupo repleto de atletas experientes e que ainda vivia a euforia dos títulos da Libertadores e do Mundial, em 2006, Tite conseguiu conquistar seu espaço. E, principalmente, adquirir o respeito dos líderes do vestiário.
— Ele me inspira em tudo, é muito verdadeiro e estudioso. Quando tem que tirar um atleta para botar outro, explica o porquê. Então, não deixa uma pulga atrás da orelha do atleta que saiu. Trabalha muito em cima da gestão de pessoas e, dentro do futebol, acredito que isso seja 60% do todo, é saber administrar o ego dos jogadores. Hoje não ensinamos ninguém a jogar bola — destaca o ex-zagueiro e agora treinador Bolívar, que trabalhou no União Rondonópolis no início de 2018.
Inspiração pelo exemplo
Quando se trata de Tite, as lembranças dos jogadores que conviveram com ele poucas vezes estão relacionadas com um trabalho tático ou alguma experiência específica dentro de uma partida. Todos preferem valorizar o dia a dia e a forma como o treinador se dirige a cada um dos seus atletas.
— O convívio com o Tite é sempre marcante pelo aprendizado. É a disciplina, a boa educação, o respeito. Em agosto de 2018 tive a proposta do Al Jazira. Ele falou de pronto: “Alex, pensa no prestígio. Ele é mais importante que o dinheiro. Esse vem naturalmente”. O Tite pensa na sua construção, até onde você vai. Tem uma linha de trabalho que te faz evoluir cada dia como ser humano. O modo de falar, de se comportar e isso acaba acrescentando muito. Por isso que todos atletas que trabalham com ele falam depois que aprenderam algo com o Tite. Ele bate em alguns pontos que você leva para a vida.
Outra história relembrada por Alex diz respeito a um jogo pela 14ª rodada do Brasileirão de 2008, pouco mais de um mês após Tite assumir o Inter. A equipe vinha de três jogos sem vitórias e o momento era crítico. O treinador mostrou ser aberto ao diálogo com os atletas.
— Lembro bem dele ser muito aberto para ouvir. Não era um cara teimoso e dono da razão. Você tem que convencer, porque ele tem bons argumentos sempre. Teve uma discussão, antes de um jogo contra o São Paulo. Eu e o Edinho chegamos e falamos que, de repente, a escalação dava ser de outra forma, onde poderia ficar melhor com outro jogador. Ele foi, ouviu, pensou e executou o que tínhamos falado. Ganhamos por 2 a 0 e depois ele veio agradecer — conta Alex.
Já o multicampeão Índio relembra de detalhes dos trabalhos com Tite que o ajudaram a tornar-se um zagueiro-artilheiro, sempre com destaque nas bolas aéreas:
— Aprendi muito com ele. Cresci profissionalmente, até na questão de cabeceio. Ele treinava bastante nesse quesito e odiava levar gol de bola parada. Lembro dele falar que só tomaríamos o gol com muito sacrifício do adversário. Parava muito os treinos para rever o posicionamento e explicar o que queria.
Campeão de tudo
Na Copa Sul-Americana de 2008, logo na primeira fase, o Inter passou pelo Grêmio. Nas quartas de final, o embate era contra o Boca Juniors. Na ida, em casa, vitória por 2 a 0, com belos gols de Alex. Porém, foi a uma mudança tática feita por Tite para a segunda partida, na Argentina, que marcou a trajetória do time na competição.
— Um fato marcante que aconteceu comigo foi a dele (Tite) me transformar em lateral-direito. Tinha jogado toda minha base assim, mas foi algo novo no profissional. O Boca era um time que usava muito a bola aérea. Jogamos com quatro zagueiros, o que na Europa se usa muito hoje. Ele ter essa visão já em 2008 é algo marcante. Foi uma demonstração de personalidade — relembra Bolívar, que compôs a defesa com Índio, Álvaro e Marcão.
Porém, a mudança não foi tão simples. Bolívar era contrário, pois retornara da Europa com o objetivo de se afirmar como zagueiro. Tite pediu o apoio do assessor de futebol Fernando Carvalho para convencer o jogador a aceitar a nova função. Deu certo. O triunfo por 2 a 1, em plena Bombonera, mostrou o potencial colorado.
— Tite conquistou seu primeiro título internacional graças a um sistema defensivo muito forte, montado conforme as características de seu elenco, e cuja prova de fogo foi um 2 a 1 sobre o Boca, na pressão da Bombonera, nas quartas de final. Ali nasceu título — destaca o jornalista Diogo Olivier, colunista da Zero Hora e comentarista da RBS TV e Rádio Gaúcha.
Após passar pelo Chivas-MEX nas semi, o Inter encarou outro argentino na decisão. No Estádio Ciudad de La Plata, diante do Estudiantes, o time de Tite venceu por 1 a 0, com outro gol de Alex.
Na volta, na noite de 3 de dezembro de 2008, no Beira-Rio, os argentinos venceram no tempo normal, mas o gol de Nilmar, na prorrogação, garantiu o título que faltava para os colorados denominarem-se “Campeões de Tudo”. Foi a primeira taça internacional de Tite.
— O Inter jamais teria vencido a Sul-Americana. Ele identificou que o time tinha de jogar pela liberdade de D’Alessandro, Nilmar e Alex. Montou uma linha de quatro zagueiros e, posicionou Edinho, Guiñazu e Magrão mais à frente, os dois últimos como meias. Na ponta de um losango, perto da área, o argentino. Era dureza fazer gol no Inter. Quando precisava arriscar mais, usava o jovem Taison ao lado de Nilmar. O ataque virava Fórmula 1 —complementa Olivier.
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