Um privilégio para poucos. É assim que os gaúchos Gregorio Caselani Azevedo e Rafael Capoani, ambos nascidos em Caxias do Sul. resumem o que vão vivenciar a partir deste domingo, quando iniciam a participação na 39ª edição do Rally Dakar, considerado o maior desafio off-road do mundo. Serão dois conterrâneos entre os oito brasileiros na disputa. Caselani competirá nas motos, enquanto Capoani será navegador no carro pilotado pelo paulista Sylvio de Barros.
A largada promocional ocorre em Assunção, no Paraguai, país que pela primeira vez recebe o evento. Na segunda-feira, será a vez da primeira etapa valendo para a competição, que ainda passará por Bolívia e Argentina.
No caso de Caselani, 29 anos, estar no rali considerado o mais difícil do mundo é um sonho de criança. O apoio do pai, Sidnei de Azevedo, sempre foi fundamental e ajudou até a não desistir de competir há pouco mais de três anos. Agora, prestes a estrear no Dakar, o caxiense, que divide a vida de piloto com o trabalho como representante comercial na Serra Gaúcha, não consegue explicar em palavras a euforia. O fato é que aquilo que parecia quase impossível há pouco tempo se concretizará quando ele e a moto CRF 450 Rally iniciarem o percurso. Depois, serão quase 9 mil quilômetros até a última linha de chegada, no dia 14 de janeiro.
– Foi um baque quando recebi a notícia. Nunca pensei muito em fazer o Dakar porque não tive um preparo tão profissional. Além disso, é uma prova extremamente cara. Quando veio a notícia fiquei muito feliz. É o máximo que um piloto pode conseguir. Vou estar em uma estrutura profissional, com os principais caras e uma das melhores motos do mundo – comemora Caselani.
O piloto caxiense é o único brasileiro a integrar a equipe Honda South America Rally Team. Caselani é apontado como um escudeiro para a estrelas do time principal e fortes candidatos ao título, o espanhol Joan Barreda e o português Paulo Gonçalves - ainda fazem parte do grupo o argentino Kevin Benavides, o francês Michael Metge e o norte-americano Ricky Brabec.
– É uma oportunidade única, o ápice. É a mesma moto dos pilotos oficiais da equipe. Por ser o único que não vive exclusivamente disso, é algo ainda maior chegar a este ponto – avalia o piloto.
Desde que deixou Caxias do Sul e chegou ao Paraguai, na quarta-feira, Caselani apenas fez uma rápida volta para verificar as condições da moto logo após o desembarque. Depois disso, só concentração, trabalho nos bastidores e ansiedade. O maior desafio da carreira está prestes a começar.
Início precoce e títulos em sequência
Gregorio Caselani participa de competições há 13 anos. Iniciou com 16. Porém, a relação com as motos é muito mais precoce. Motivado pelo pai e o tio, começou a andar ainda com três anos. Gradativamente, começou a disputar provas estaduais.
A partir de 2007, começaram os títulos. Logo de cara foi tetracampeão brasileiro de enduro, categoria E2. Foi nesse tipo de provas que foi pela primeira vez ao exterior, para competir duas vezes na Six Days, no Chile e Grécia, em 2007 e 2008. Em busca de novos desafios, partiu para as competições de rali. Foram mais cinco títulos nacionais. Apesar de diferenças em cada estilo, especialmente na preparação, ele sempre conseguiu se adaptar.
O 2016 de Caselani foi de conquistas expressivas. No primeiro ano como piloto da Honda, foram oito títulos, entre eles o Rally dos Sertões e o Campeonato Brasileiro de Rally Cross Country.
– Foi um passo gigante. O Sertões é considerado a maior prova do Brasil. Já tinha corrido outras três vezes. Duas apenas o Sertões Series, que são etapas do Brasileiro, e em 2015 tive um problema no radiador durante a quarta etapa e acabei nas últimas colocações. Em 2016 acertei com a Honda, que hoje tem a melhor estrutura e equipamentos do país e veio essa grande conquista – destaca.
O Brasil terá outro dois representantes nas motos, também estreantes: o catarinense Ricardo Martins (Yamaha Grupo Geração) e o paulista Richard Fliter (Honda Taguatur Racing). Para Caselani, o principal objetivo é finalizar o Dakar sem sustos.
– Estou tentando raciocionar nos últimos dias como vai ser. No Brasil, estou acostumado a largar na frente ou abrir a especial, então não tem rastro ou poeira. No Dakar será uma experiência completamente oposta. Meu número é o 158 de 168 pilotos. Provavelmente a ordem de largada é por essa numeração. Então, será uma visão de prova diferente, em um lugar totalmente desconhecido – projeta.
Surpresa de última hora
Capoani só foi confirmar oficialmente sua participação no Dakar no dia 23 de dezembro. Precisou correr contra o tempo para organizar a papelada necessária e reorganizar a agenda da família. Cinco dias depois, estava embarcando para a prova. Ele e o piloto Sylvio de Barros competirão com o carro número 339, um Mini preparado pela X-Raid, equipe alemã dona dos títulos de 2012, 2013, 2014 e 2015. A oportunidade apareceu por conta da lesão dom piloto norte-americano Brice Menzies.
– Foi um presentão de Natal. Fomos para o Sertões, mas nosso carro quebrou e abandonamos a prova. Neste meio tempo, fomos convidados para uma etapa da Copa do Mundo de Cross Coutry, em Portugal. Lá, tivemos a chance de testar o Mini. E o Sylvio tem um patrocínio forte e mostrou interesse de ir para o Dakar. Só que não tinha vaga ou logística. Um norte-americano machucou o joelho em novembro e terá que fazer uma nova cirurgia. Nos avisaram e entramos de última hora, ainda em uma equipe top – destaca Capoani.
Barros acumula várias participações no Sertões e compete regularmente na Porsche GT3 Cup Brasil. Se Capoani é um estreante, o paulista teve outras duas experiências no Dakar. As duas frustrantes. Em 2007, no Deserto do Saara, ele sofreu uma queda na quarta etapa, perdeu temporariamente a memória e teve uma luxação na mão esquerda. Os médicos da prova recomendaram que ele voltasse para casa. No ano seguinte, chegou a estar em Lisboa para participar da prova, que foi cancelada poucas horas antes da largada, devido a ameaça de ataques terroristas.
Já o empresário caxiense de 39 anos, dono de uma rede de postos de combustível, venceu sete vezes no Rally dos Sertões, uma na geral e outras seis na categoria protótipos. Sem qualquer experiência em provas com a nova máquina, a dupla tem como principal objetivo completar o Dakar.
– É a nossa primeira participação e tudo o que vier além disso é uma vitória. É tudo muito novo e queremos conhecer o rali. Vamos sem uma pressão por resultado. Na questão de preparação, de leitura de terrenos, de logística, estamos na maior equipe do mundo, que corre Dakar e Copa do Mundo há 16 anos. Eles vem da época da BMW e só trocaram a carcaça para Mini – explica Capoani.
"É a realização de um sonho"
Com 14 anos de experiência em ralis, com motos e carros, Capoani diz viver um sonho de guri. E quer aproveitar ao máximo cada momento da prova que passará por três países da América do Sul.
– Meu hobby sempre foi mountain bike. Depois fui para a moto de trilha, fazendo enduro e na sequência para o rali. Foi onde fiz meus círculos de amizade. Sempre fui competitivo e não consigo me acomodar. O Dakar é a realização de um sonho. É algo tão especial pelas dificuldades que ele oferece, pelos obstáculos. É por isso que se torna tão especial – explica.
Sem muito tempo para assimilar a ótima notícia, Capoani espera utilizar a experiência adquirida em outras provas para conseguir concluir o grande desafio.
– A preparação para uma prova dessas é um bom condicionamento físico para conseguir ter o máximo de concentração durante a prova. É o ponto principal. E ter muito sangue frio dentro do carro. Por vezes, situações nos convidam para acelerar um pouco mais, outras ser mais prudente. Não se decide tudo em um pequeno momento, é uma prova longa e não se pode perder o rali por um erro – define Capoani.
OS BRASILEIROS
O Rally Dakar terá oito brasileiros entre os 525 competidores que estarão em 341 veículos dentre motos, quadriciclos, UTVs (utilitário de quatro rodas similar a um buggy), carros e caminhões. Confira a lista dos brasileiros:
UTVs: Leandro Torres e Lourival Roldan
Motos: Gregorio Caselani Azevedo, Richard Fliter e Ricardo Martins
Quadriciclos: Marcelo Medeiros
Carros: Sylvio de Barros e Rafael Capoani
O PERCURSO
No total, serão percorridos 8.818 quilômetros, dos quais 4.089 quilômetros serão de trechos cronometrados
1º de janeiro (domingo)
Largada Promocional: Assunção (Paraguai)
2 de janeiro (segunda-feira)
1ª etapa: Assunção (Paraguai) – Resistencia (Argentina)
Total: 454km
Trecho cronometrado: 39km
3 de janeiro (terça-feira)
2ª etapa: Resistencia – San Miguel de Tucuman (Argentina)
Total: 803km
Trecho cronometrado: 275km
4 de janeiro (quarta-feira)
3ª etapa: San Miguel de Tucumán – San Salvador de Jujuy (Argentina)
Total: 780km
Trecho cronometrado: 364km
5 de janeiro (quinta-feira)
4ª etapa: San Salvador de Jujuy – Tupiza (Bolívia)
Total: 521km
Trecho cronometrado: 416km
6 de janeiro (sexta-feira)
5ª etapa: Tupiza – Oruro (Bolívia)
Total: 692km
Trecho especial: 447km
7 de janeiro (sábado)
6ª etapa: Oruro – La Paz (Bolívia)
Total: 786km
Trecho cronometrado: 527km
8 de janeiro (domingo)
Dia de descanso – La Paz (Bolívia)
9 de janeiro (segunda-feira)
7ª etapa: La Paz – Uyuni (Bolívia)
Total: 622 km
Trecho cronometrado: 322 km
10 de janeiro (terça-feira)
8ª etapa: Uyuni – Salta (Argentina)
Total: 892 km
Trecho cronometrado: 492 km
11 de janeiro (quarta-feira)
9ª etapa: Salta – Chilecito (Argentina)
Total: 977 km
Trecho cronometrado: 406 km
12 de janeiro (quinta-feira)
10ª etapa: Chilecito – San Juan (Argentina)
Total: 751 km
Trecho cronometrado: 449 km
13 de janeiro (sexta-feira)
11ª etapa: San Juan – Río Cuarto (Argentina)
Total: 754 km
Trecho cronometrado: 288 km
14 de janeiro (sábado)
12ª etapa: Río Cuarto – Buenos Aires (Argentina)
Total: 786 km
Trecho cronometrado: 64 km
*PIONEIRO