A decisão de reprimir torcedores que fazem manifestações políticas nas arquibancadas criou uma das primeiras polêmicas dos Jogos Olímpicos, com ampla repercussão nas redes sociais e na imprensa internacional. No final de semana, houve pelo menos dois episódios em que espectadores foram retirados por protestar contra o presidente interino Michel Temer. Apesar das críticas, o Comitê Rio 2016 e o Comitê Olímpico Internacional (COI) reafirmaram que as manifestações não serão toleradas.
O veto a protestos faz parte da Carta do COI. A política adotada é de pedir que o torcedor pare de se manifestar. Caso ele não o faça, a orientação dos organizadores é que as forças de segurança procedam à expulsão.
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O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, afirmou nesta segunda-feira que a proibição de portar faixas e cartazes durante os Jogos não configura uma restrição à liberdade de expressão, porque as manifestações verbais são admitidas:
– As pessoas têm o direito de vaiar e ofender, dentro dos limites político-ideológicos, quem elas quiserem, desde que não atrapalhe os jogos. Então, se tiver alguém gritando e importunando naquelas competições que exigem extrema concentração, como tiro e tênis, essa pessoa está excedendo o limite e será convidada a se retirar.
Os organizadores afirmam que a repressão aos protestos contra Temer é amparada pela Lei da Olimpíada. Eles citam um dos incisos do artigo 28, segundo o qual o acesso e a permanência nos locais de competições está condicionado a "não portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, de caráter racista ou xenófobo ou que estimulem outras formas de discriminação".
Essa interpretação tem sido contestada por figuras do Direito. Carlos Ayres Britto, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, afirmou que a remoção dos torcedores é inconstitucional. O jurista gaúcho Lenio Luiz Streck afirma que a própria Lei da Olimpíada garante o direito às manifestações. Ele lembra que o artigo 28 contém um parágrafo que libera as manifestações de forma explícita: "É ressalvado o direito constitucional ao livre exercício de manifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da dignidade da pessoa humana", diz o trecho.
– Na hierarquia de interpretação da lei, um parágrafo tem preponderância sobre qualquer inciso. Além disso, o inciso não está proibindo as manifestações políticas, ele fala de manifestações ofensivas ou racistas. É o fim da picada pessoas serem censuradas nos estádios – disse Streck.
Nesta segunda-feira, o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS) acionou o Ministério Público Federal pedindo "providências urgentes" para garantir a liberdade de manifestação durante os Jogos.
O New York Times, principal jornal americano, deu destaque à polêmica e afirmou que as expulsões de torcedores "alimentam o debate sobre os limites da liberdade de expressão" em um país mergulhado na agitação política. Esse debate não é novo. Algo parecido ocorreu durante a Copa de 2014. Na ocasião, Dilma assinou uma lei que restringia o uso de bandeiras e cartazes nas arenas esportivas "para outros fins que não o da manifestação festiva e amigável". O texto também fazia ressalva sobre o direito constitucional ao livre exercício de manifestação. O PSDB contestou, mas a constitucionalidade da lei foi confirmada pelo STF.
Há um entendimento de que a decisão sobre a Lei da Copa pode servir como jurisprudência para casos envolvendo a Lei da Olimpíada.
OS EPISÓDIOS
Sambódromo – No sábado, durante as finais do tiro com arco, um torcedor foi retirado à força da arquibancada depois de suspostamente se manifestar contra o presidente interino. Agentes da Força Nacional de Segurança deram-lhe voz de prisão. O espectador, um geofísico de 40 anos, estava acompanhado da mulher e de dois filhos. Mais cedo, ele exibira um cartaz com a expressão "Fora, Temer". Teve de guardá-la por orientação dos agentes de segurança. Quando o mesmo slogan ecoou na arena, mais tarde, acabou detido. Ele negou ter sido o autor do grito. Depois de ser liberado, voltou a assistir a prova.
Mineirão – Também no sábado, durante a partida de futebol feminino entre Estados Unidos e França, um grupo de 12 espectadores foi retirado do estádio por se manifestar politicamente. Eles vestiam camisetas com letras que formavam o "Fora Temer" e carregavam cartazes com os dizeres "back democracy". Ele foram impedidos de ver a continuação do jogo e a partida seguinte, entre Colômbia e Nova Zelândia.