Economistas com foco de atuação em diferentes setores falaram, terça-feira (10), dos impactos na economia brasileira e do Rio Grande do Sul com relação às mudanças climáticas, ao período pós-pandemia e ao crescimento econômico global. O debate ocorreu em evento gratuito de comemoração dos 65 anos do curso de Ciências Econômicas da Universidade de Caxias do Sul (UCS), e reuniu os profissionais Patrícia Palermo, Antônio da Luz, Caroline Puchale e Oscar Frank.
Abrindo o debate, Patrícia Palermo, economista-chefe da Federação do Comércio e Bens e de Serviços do Estado (Fecomércio-RS), destacou a complexidade do cenário econômico global. Durante a análise, mencionou que, neste ano, a China, uma das maiores potências no mundo, pode não atingir os 5% de crescimento esperado. A média de crescimento abaixo do comum é vivenciada em todo o mundo desde a pandemia da covid-19, o que, segundo ela, também dá maior responsabilidade para o Brasil.
— No entanto, esse crescimento menor que o mundo tem hoje não é o crescimento que atrapalha o Brasil, mas é um crescimento que também não empurra o Brasil para frente. A gente passa a ser mais responsável pelo nosso crescimento quando o mundo cresce menos. Então, o mundo que gera menos impulso econômico, gera mais responsabilidade sobre nós mesmos e também temos um cenário ainda repleto de muitas incertezas e bastante heterogeneidade — avalia Patrícia.
Ainda em âmbito internacional, a economista mencionou o cenário de uma desinflação em curso, com a inflação reduzida em comparação com os níveis elevados durante a pandemia. No entanto, conforme avaliado por Patrícia, a inflação ainda está acima das metas estabelecidas pelos bancos centrais, com taxas de juros altas que podem restringir o crescimento econômico.
Para o cenário nacional, a economista analisou o impacto das reformas econômicas, do gasto fiscal e do impulso exportador sobre a dinâmica do crescimento recente. Embora o país tenha registrado um crescimento forte no primeiro semestre de 2024, a economista advertiu que o ritmo acelerado não é sustentável a longo prazo.
Perdas agrícolas em razão das mudanças climáticas
Dando sequência no foco levantado sobre a economia do Estado, o economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Sistema Farsul), Antônio da Luz, analisou o impacto das questões climáticas e macroeconômicas no agronegócio. De acordo com o economista, eventos climáticos extremos, como a enchente que atingiu o Estado no mês de maio e os períodos de estiagem, têm causado danos significativos ao setor agrícola, que tem grande impacto na economia gaúcha.
Conforme Luz, as estiagens de 2022 e 2023 foram particularmente prejudiciais, com perdas ainda maiores que as causadas pelas enchentes que afetaram a estrutura urbana. Na avaliação do economista, a estiagem não só reduziu a produção agrícola, mas também gerou impacto negativo em outras áreas econômicas, como os setores de indústria e serviço, que dependem fortemente do agronegócio.
— Precisamos aprender a lidar com o clima do Rio Grande do Sul. Lidar com os pontos com período de seca e os com período de chuvas. Quando chove, e chove o ano todo, nós temos perdas imensas que se espalham pela indústria, que se espalham pelos serviços, que nos empobrecem como um povo. As estiagens nos machucam muito mais e temos que ter soluções para isso — pontua o economista.
Segundo Luz, a partir dos problemas na agricultura, causados majoritariamente por problemas climáticos, toda a cadeia do Estado é impactada. Além da situação agrícola, o economista mencionou a atual política fiscal e a gestão econômica, afirmando que o Brasil não está se preparando adequadamente para possíveis crises futuras e que o cenário do país reflete diretamente no Rio Grande do Sul. A situação pode agravar problemas econômicos já existentes.
Para o economista, é legítima a necessidade de políticas que integrem a adaptação às mudanças climáticas e o fortalecimento da economia local para garantir o desenvolvimento sustentável do agronegócio e da economia brasileira como um todo.
Perda de mão de obra na indústria
Atrelado à situação do agronegócio, o setor de indústria também entrou em debate no evento da UCS. Em análise, a economista-sênior da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), Caroline Puchale, iniciou a participação mencionando que, nos últimos 20 anos, a indústria gaúcha apresentou um crescimento de 2%, índice abaixo dos 24% observados no Brasil. Para ela, o desempenho resultou na perda de representatividade da indústria do Rio Grande do Sul no cenário nacional.
Um dos principais fatores para esse cenário, conforme Caroline, é a baixa produtividade do trabalho no Estado. Além disso, a estrutura de pequenas empresas limita o crescimento e a eficiência produtiva. Esse fenômeno é exacerbado por um sistema tributário que não incentiva o crescimento das empresas e influência na perda de profissionais.
— Além disso, a gente tem uma baixa qualidade da educação, que faz com que a gente não consiga formar trabalhadores competentes para as distintas funções. Há um decrescimento de concluintes nos cursos superiores de ciência e tecnologia, que são abastecidos pela indústria. Temos pessoas saindo do mercado de trabalho e aquelas que ficam não se desenvolvem para que a indústria consiga manter. Chama atenção o cenário de perda de mão-de-obra qualificada e trabalhadores que não estão qualificados para atuar — afirma Caroline.
Apesar desses desafios, que também contemplam problemas nas próprias máquinas industriais, a economista acredita que o setor de indústria precisa se reinventar para superar as adversidades e alcançar um crescimento sustentável. Caroline pontuou que, mesmo diante de um cenário adverso, a capacidade de inovação e adaptação será crucial para o futuro da economia gaúcha.
Economia no setor de comércio e serviços
O setor de comércio e serviços do Rio Grande do Sul também enfrenta desafios econômicos atrelados à situação climática deste ano. Dando sequência ao debate, Oscar Frank, economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL-POA), citou um crescimento de faturamento no varejo durante o terceiro trimestre deste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado.
O aumento é atribuído à injeção de recursos novos na economia, como auxílios governamentais e benefícios sociais, que ampliaram a renda disponível das famílias e impulsionaram o consumo, especialmente em setores como móveis, eletrônicos e eletrodomésticos, itens essenciais e perdidos em quantidade considerável pelas famílias atingidas pela chuva.
O economista também analisou o impacto das enchentes sobre o mercado de trabalho. Para ele, assim como o cenário da indústria, atrelada à desaceleração econômica do país citada pelos outros profissionais, o cenário de queda na geração de empregos no setor será evidente nos próximos meses. O emprego formal no Estado registrou uma perda nos meses de maio e junho, com uma recuperação modesta em julho.
— Nós precisamos pensar de maneira muito séria no processo de reconstrução do Rio Grande do Sul. Me parece muito claro que as expectativas de lucros com relação ao futuro aqui no Estado diminuíram. Como vamos rever os investimentos atuais e como vamos atrair novos? Precisamos de recursos, de fundos, nacionais, internacionais, bons projetos de construção. Esse é o primeiro ponto, mas ainda é preciso pensar, também, em formas de atuar sobre os nossos gargalos estruturais — citou Frank.
Segundo o economista, assim como dito por Caroline, é primordial a eficácia de políticas públicas implementadas para ajudar o Rio Grande do Sul, amparando toda a cadeia afetada pela chuva e não apenas as atingidas de forma direta. Entre as alternativas, Frank sugeriu que seria mais eficiente fornecer recursos e adotar abordagens flexíveis e abrangentes para apoiar a reconstrução da economia do Estado.
Para Frank, a partir das medidas que, de fato, repensem as estratégias de reconstrução, abordando educação e infraestrutura, será possível recuperar de forma sustentável e atrativa os investimentos futuros, que impactam todos os setores econômicos do Rio Grande do Sul.