A tradicional alegria da celebração da colheita de uva se transformou em preocupação na vindima deste ano. Dados da Emater apontam que a safra deve ser 40% menor que em 2023 na Serra gaúcha. Ou seja, das 840 mil toneladas esperadas, apenas 505 mil devem ser colhidas. Um prejuízo estimado em R$ 700 milhões. A região é responsável por 90% da produção do Rio Grande do Sul, com 40 mil hectares plantados.
O cenário é consequência da soma de fatores negativos do clima no ano passado, sobretudo pela influência do fenômeno meteorológico El Niño. O principal agravante foi o excesso de chuva no período de brotação das videiras, na primavera. O engenheiro agrônomo da Emater regional de Caxias do Sul Enio Todeschini explica que, com a umidade, as parreiras não conseguiram concluir o processo de polinização. Isso impediu que os grãos se desenvolvessem. Assim, os cachos ficaram ralos, ocasionando a quebra.
— Nós tivemos um inverno com baixíssimo acumulo de horas de frio. Depois teve as geadas tardias, no final de agosto, e o mais complicado foi a primavera, setembro, outubro e novembro, justamente na fase mais crítica, mais sensível da parreira, que é o florescimento e o pegamento. Aí foram os problemas sérios de fixação da fruta, com abortamento de muitas flores — explica Todeschini.
A Secretaria de Agricultura de Caxias do Sul estima que a diminuição da produção deste ano deve superar a da safra de 2015/2016, quando a geada tardia ocasionou uma quebra de quase 40%. A realidade da colheita é sentida nos parreirais de Edegar Silvestri, produtor rural em Forqueta, interior do maior município da Serra. Nos nove hectares de parreirais, o agricultor estima uma quebra de 50%.
— Os cachos deveriam estar, no mínimo, o dobro. Onde tem 10, 12 grãos, deveria estar com 20, 30 grãos. E a uva não está tão doce como nos outros anos — relata Silvestri.
O impacto foi em toda cadeia produtiva. Com menos uva nas parreiras, diminui a quantidade de uva disponível para as vinícolas, que necessitam de mais frutas. Foi o que percebeu Amarildo Zamin, agricultor que produz uvas na comunidade de Nossa Senhora das Graças, também no interior de Caxias do Sul. Nas últimas semanas, ele vem recebendo ligações propondo aumento no preço.
— É uma procura que eu nunca vi, nunca telefonaram para o produtor para dizer: "vamos pagar mais pela uva". As vinícolas neste ano estão brigando pelo preço da uva. Elas já me ligaram três vezes neste ano para aumentar o preço — revela Zamin.
O resultado é menos vinhos, sucos e espumantes no mercado, com maior valor agregado. Uma vinícola de Flores da Cunha, a Nova Aliança, já contabiliza aumento nos custos de produção e projeta possibilidade de falta de produto, tendo em vista a alta demanda e a baixa oferta da matéria-prima.
Impacto que vai dos cachos nas parreiras até a mesa do consumidor. Além de menos produtos derivados da uva, também tem menos fruta in natura disponível. Ao entrar nos mercados e ao frequentar as feiras, os consumidores já percebem que a o aroma característico da vindima deu lugar ao vazio da diminuição da produção. Por ter menos grãos, a uva está sendo destinada principalmente para os derivados, sobrando para a venda de mesa as oriundas de parreirais cobertos, que possuem um preço mais alto. Na Ceasa Serra, que funciona como uma distribuidora para revenda nos comércios, a uva comum passa de 50% mais cara do que ano passado.
Para a Eva Carnezzela, a safra da uva é muito aguardada, já que os netos adoram o suco natural de uva feito pela avó. Só que neste ano está mais complicado suprir as expectativas da família.
— Está difícil. Uma vez tu comprava um cacho e pagava 50 centavos. Hoje paga R$ 1. E a qualidade, baixíssima — conta a auxiliar de limpeza.
O Rio Grande do Sul produz 53,6% da uva brasileira, sendo responsável por 62% da área plantada no país.
Compare os preços na Ceasa Serra
Janeiro
::: 3/1/23: R$ 5,14/kg
::: 2/1/24: R$ 8,19/kg (alta de 59,33%)
Fevereiro
::: 7/2/23: R$ 3,81/kg
::: 6/2/24: R$ 5,81/kg (alta de 52,5%)