Nunca antes na história da era pré-industrial o planeta Terra havia registrado tanto calor como em 2023. A conclusão é do serviço europeu Copernicus, que apontou um aumento de 1,48º C na média da temperatura no ano que passou.
Pela primeira vez desde que há registro, todos os dias de 2023 ultrapassaram 1°C acima do nível pré-industrial de 1850-1900. O ano teve "temperatura média global de 14,98°C, ou seja, 0,17°C acima do último recorde anual de 2016", explicou o observatório europeu. De junho a dezembro de 2023, por exemplo, todos os meses foram mais quentes do que o mês correspondente em qualquer ano anterior.
Em comum com as condições observadas em 2016, está o El Niño, fenômeno também registrado no ano que passou e um dos principais impulsionadores de condições climáticas extremas como a chuva intensa observada no Rio Grande do Sul.
O cenário traz consequências diversas para a economia da Serra, que lidou como pôde com tanta chuva nos últimos meses do ano. Na construção civil, prazos de entrega se acumularam e na agricultura o plantio de hortaliças foi sendo deixado para depois. Por conta do terreno úmido, diversas culturas deixaram de ser plantadas na época certa e a falta de ter o que colher faz aumentar os preços no mercado.
— É uma dificuldade enorme, está começando a faltar cenoura no mercado porque os agricultores não conseguiram preparar o solo. Os prejuízos estão em todas as culturas e vai se estender porque as colheitas foram comprometidas. Em 2024, o agricultor terá uma renda menor e a tendência é de que seja preciso buscar linhas de crédito que antes não eram utilizadas pelas famílias — considerou o secretário municipal de Agricultura, Rudimar Menegotto.
Ano mais chuvoso em Caxias, desde 1961
Caxias do Sul teve o ano com mais chuva desde 1961, período a partir do qual o Inmet disponibiliza dados da estação convencional. Foram 2.392,2mm em 2023. O mais chuvoso até então havia sido 1961, com 2.362,2mm. Houve aumento de 41,2% no comparativo a 2022, quando choveu 1.693,1mm.
Os dias com registro de chuva, porém, caíram de 158 para 145 no mesmo período. Novembro foi o mês mais chuvoso desde 1961, com 478,7mm; a média histórica do período é 144,5mm. Setembro foi o segundo, com 437,2mm, quando o esperado é 163,1mm.
Ruim para o solo, bom para quem vende guarda-chuvas. Há 35 anos no mercado, o comerciante Fernando Worman notou um aumento de 40% nas vendas quando a chuva era companhia diária de quem saía de casa na primavera:
— Quando as chuvas são esporádicas, o pessoal compra aquele mais barato, quase descartável. Quando a chuva é frequente, é preciso ter um produto bom, que dure. Foi o que aconteceu esse ano que passou. Notei que as pessoas queriam investir porque sabiam que ia chover no outro dia — comentou.
"Parece que vai queimar a retina"
No ano mais quente da história do planeta, trabalhar sob o sol espalhando asfalto foi tarefa árdua e executada de botas, calças, mangas longas e luvas por servidores da Companhia de Desenvolvimento de Caxias do Sul (Codeca). A vestimenta é equipamento de proteção individual (EPI) e inegociável para manusear a massa asfáltica que sai da usina, com temperatura superior a 180ºC.
— Ela vai perdendo calor até chegar no ponto onde fizemos os remendos, mas não se escapa de trabalhar com uma matéria prima que não pode baixar de 100ºC. É quente, tem que usar óculos se não parece que vai queimar a retina — disse Valdoir Borile, 55 anos, e que há 16 trabalha com asfalto.
Quando o remendo é longo, o trabalhador precisa pisar sobre o asfalto recém espalhado para alcançar outras partes e tapar integralmente o buraco. A pior parte do serviço, para Yuri do Amarante, 25, e que há oito meses trabalha no setor que enfrenta as temperaturas mais altas da Codeca:
— Tem que fazer rápido, não pode ficar muito tempo se não derrete a sola, a gente sente a palma do pé esquentar.
Procura por ar-condicionado triplica
Em dias cada vez mais quentes, o ar-condicionado passa a ser um item indispensável em casas e apartamentos. Em uma empresa de climatização localizada no bairro Cruzeiro, em Caxias do Sul, a demanda foi tão alta no final de 2023 que alguns pedidos precisaram ser recusados por falta de capacidade de atendimento.
Quem decidiu esperar levou até 15 dias para ter o ar-condicionado instalado na casa. Ao todo, a empresa conta com oito técnicos responsáveis pela instalação do equipamento, mão de obra encontrada em outros países.
— Não tem como atender todo mundo, eu teria que triplicar o número de funcionários. Mas não é tão simples encontrar um técnico instalador, isso demanda tempo. Encontrei recentemente um grupo de argentinos que veio para cá, treinamos e que estão trabalhando conosco há mais de cinco anos — conta um dos sócios da empresa, Gilmar Antônio Isotton, que trabalha há 30 anos no ramo.
Segundo ele, a cada pico de calor, independente da época do ano, os contatos por telefone ou WhatsApp triplicam em relação aos demais dias. O inverno rigoroso também faz crescer a procura, mas nada se compara com a demanda nos dias mais quentes.
— Uma noite bem dormida não tem preço. Penso que o ar-condicionado virou um item de necessidade básica, principalmente no quarto. A facilidade de compra ajudou também, com o cartão de crédito e a possibilidade de parcelamento — destaca Isotton.