A crise no Hurb, antigo Hotel Urbano, também se estende à Serra. Na região, há vários meses, o setor hoteleiro não recebe pagamentos por reservas realizadas na plataforma, situação que se repete em outras partes do Brasil. Com isso, além da crise com o mercado de turismo, o site também acumula reclamações de clientes no Órgão de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) de vários Estados e até ações coletivas. Na Região das Hortênsias, onde os estabelecimentos são mais afetados, o prejuízo é de quase R$ 500 mil.
A crise na plataforma de viagens também impacta o mercado de turismo há mais de um mês. A turbulência se intensificou em abril, após o CEO da empresa, João Mendes, renunciar do cargo depois da má repercussão de um vídeo seu ironizando reclamações de hotéis e clientes.
Hoje, o Hurb tem até o fim desta segunda-feira (8) para comprovar à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) que tem capacidade financeira para honrar as vendas de seus pacotes de viagens a clientes e pagar seus fornecedores. O prazo inicial venceu na última quinta-feira (4), mas foi prorrogado a pedido do site. À GZH, a Senacon disse que a empresa tem até às 23h59min para garantir que tem caixa.
A Região das Hortênsias é quem mais recebe turistas a partir do Hurb, apesar de que a plataforma não está entre os principais canais de reservas de municípios como Nova Petrópolis, Gramado e Canela. Vinte hotéis associados ao Sindicato da Hotelaria, Restaurantes, Bares, Parques, Museus e Similares da Região das Hortênsias (Sindtur) estão sem receber os pagamentos das reservas desde o início do ano. O prejuízo é de cerca de R$ 500 mil. A assessoria da entidade lembra que no último dia 2, o antigo Hotel Urbano pagou alguns estabelecimentos, o que reduziu este valor.
O presidente do Sindtur, Claudio Souza, afirma que o valor não é significativo a ponto de impactar no turismo local. Souza explica ainda que as vendas dos hotéis são “pulverizadas” entre sites (como o Hurb), agências de turismo e o contato direto com os estabelecimentos. Para ele, o maior impacto é em relação ao setor como um todo.
— Não é algo que vai impactar o fluxo dos hotéis. É ruim para o mercado do turismo em si, não só para Gramado. Para o Brasil inteiro é uma questão de credibilidade que com o tempo se conseguiu. Sempre que algum player do turismo causa esse tipo de problema, ele causa insegurança. Por isso, achamos que é uma lástima o que aconteceu — lamenta Souza.
Hotéis deixam a Hurb
Conforme o presidente da Sindtur, alguns atrasos nos repasses iniciaram em janeiro, quando o Hurb justificou a situação com um problema de sistema interno. Porém, a falta de pagamento persistiu e a comunicação com a plataforma ficou cada vez mais difícil. O Sindtur iniciou negociações com a empresa, que informou que entraria em contato diretamente com os hotéis. Com esta situação, os estabelecimentos estão deixando a plataforma.
Enquanto os pagamentos não são feitos, os hotéis procuram atender os clientes que realizaram a reserva antes da quebra do serviço. É o caso do Hotel Lapônia, de Gramado, que não recebe os valores da operadora online desde fevereiro. O gerente Diego Cassol conta que o Hurb criava um fluxo melhor para a baixa temporada, como nos meses de fevereiro e março. O estabelecimento, agora, entra em contato com turistas para que o hotel passe a gerenciar as reservas.
— Algumas situações tenho conseguido reverter. Por exemplo, um turista que reservou em fevereiro e vai pagar em 10 vezes ao (antigo) Hotel Urbano. Ele pode ter pago uma ou duas parcelas, mas vale a pena cancelar, pedir o ressarcimento, e fazermos a reserva para ele direto conosco. Alguns aceitam — relata Cassol.
O gerente informa que o hotel dá a mesma tarifa e condições de pagamento que foram encontradas no Hurb. Caso o turista não aceite a proposta, o estabelecimento gramadense recebe o hóspede da mesma maneira — uma vez que, como Cassol lembra, esse cliente já efetuou o pagamento ao antigo Hotel Urbano.
De acordo com a advogada Carolina Vesentini, da área de Relacionamento do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), quem não teve a reserva de hospedagem confirmada pelo site ou tem dúvidas se a empresa irá honrar o contratado, também tem o direito de desistir. Ela, no entanto, orienta que os clientes não devem suspender pagamentos parcelados.
— Sua viagem pode chegar e, se você suspendeu os pagamentos parcelados, pode correr o risco de ser cobrado judicialmente por isso. Se houve algum descumprimento por parte da empresa e o cliente confirmou que o hotel não foi contratado, é recomendado que se peça o cancelamento, mas que não se suspendam os pagamentos. Para fazer isso, é melhor entrar com uma ação judicial — explica a advogada, que recomenda buscar os canais oficiais da empresa antes de recorrer à Justiça.
Entidade orienta, mas cada hotel toma a decisão
O Sindtur dá a orientação de que os associados recebam os turistas que estão com reservas confirmadas. Porém, Souza observa que cada estabelecimento é livre para tomar uma decisão própria sobre a situação:
— A orientação que passamos é que aquelas reservas que estavam confirmadas o hotel tem que honrar porque entendemos que existia um contrato comercial com eles (Hurb). Agora, ao quebrar o contrato, ninguém mais atende. Mas, é uma decisão de cada hotel e nós não podemos interferir.
Já Carolina orienta os consumidores a desconfiar de preços muito baratos, sobretudo se a oferta não apresentar informações sobre os prestadores finais – como a companhia aérea, a agência de viagens ou o hotel. Também vale entrar em contato com essas empresas para confirmar se a plataforma que oferece o desconto é realmente parceira desses prestadores. De modo geral, as pessoas devem desconfiar de modelos de negócio "milagrosos", segundo o Idec.
— Essas empresas online surgem do dia para a noite e, às vezes, no dia seguinte desaparecem. Então, é bom procurar empresas com nome consolidado no mercado e uma boa dica é ver se ela está cadastrada no Ministério do Turismo e se tem reclamações no Procon — afirma a advogada.
Ela lembra que, após a contratação do pacote, sites como a Hurb não podem ignorar clientes ou deixá-los sem respostas e informações. Ou seja: caso o cliente se sentir inseguro com as garantias para a viagem, ele pode tirar todas as dúvidas que quiser. Um eventual descumprimento de contrato, inclusive, pode garantir ressarcimentos ao consumidor prejudicado.
Tarifa abaixo do negociado com estabelecimento
Em Nova Petrópolis, a Pousada Brombatti, já no final de abril, anunciou nas redes sociais que não realizaria mais reservas pelo Hurb por conta do problema com o repasse. O gerente Alexsandro Silva conta que a pousada não recebe desde abril, sendo que em março o pagamento já havia atrasado.
Silva chama a atenção que, no caso do estabelecimento de Nova Petrópolis, a plataforma oferecia tarifas mais baratas ao cliente do que as negociadas com a pousada, o que até gerou questionamento sobre a operação do Hurb:
— Infelizmente, o Hurb trabalha com valores que pensamos, “Como conseguem trabalhar com esses valores?”. Porque ainda estavam abaixo do que nós negociamos. Eu acredito que eles trabalhavam com fluxo de caixa, mas não com lucratividade, porque (a tarifa) era muito abaixo.
Na Pousada Brombatti, a operadora online não trazia uma grande demanda. De acordo com o gerente, os turistas que chegavam ao destino pelo Hurb não representam nem 5% de todas as reservas. O fluxo, via este site, ficava entre três a cinco diárias por mês.
Procura quase não existe nos Campos de Cima da Serra
Nos Campos de Cima da Serra, que têm destinos como São José dos Ausentes e Cambará do Sul, a procura pelo Hurb é quase inexistente. De acordo com o setor de turismo do Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento Sustentável da Região dos Campos de Cima da Serra (Condesus), os hotéis e pousadas da região praticamente não utilizam a plataforma.
Na Região da Uva e Vinho, que engloba cidades como Caxias do Sul e Bento Gonçalves, apenas um hotel publicou nas redes sociais que não aceitava mais reservas pela plataforma. O estabelecimento preferiu não conversar com a reportagem. O Sindicato Empresarial de Gastronomia e Hotelaria (SEGH) da Região Uva e Vinho também não se pronunciou.
O que clientes devem fazer para cancelar pacotes de viagem
O primeiro passo é tentar resolver diretamente com a empresa e só partir para órgãos oficiais de defesa do consumidor em segundo caso, se o pedido de informações ou cancelamento não for atendido, de acordo com a advogada Carolina Vesentini, do Idec.
Ela afirma que seguir esses passos é importante para que o consumidor tenha à mão provas de que esgotou os meios de ter seu pleito respondido de forma satisfatória, o que pode subsidiar uma medida judicial em último caso.
O passo a passo:
- Procurar a empresa por meio de seus canais oficiais e solicitar o cancelamento, seja por chat, email ou telefone – e manter registro desses contatos
- Se não der certo, acionar a empresa por meio de órgãos oficiais, como a plataforma Consumidor.gov ou pelo Procon
- Caso a empresa não responda ou a resposta seja insatisfatória, é necessário recorrer à Justiça
É possível cancelar pacotes da Hurb a partir deste link.
O que diz o Hurb
Para a reportagem, a assessoria de imprensa da plataforma comunica que as negociações estão sendo realizadas de forma individual com cada hotel. O Hurb também está com a Central de Atendimento ao Cliente disponível 24 horas para a resolução de alguma reserva ou situação.
Confira abaixo a nota da empresa:
"O Hurb, empresa brasileira que está no mercado há mais de 12 anos, sempre prezou pela transparência com os seus viajantes e parceiros e, guiada pelo valor primordial de ser uma companhia feita de pessoas para pessoas, coloca os seus clientes e stakeholders em primeiro lugar. Em relação à solicitação do Pioneiro, o Hurb esclarece que está conduzindo, de forma individualizada, um diálogo com cada parceiro de rede hoteleira que fez algum tipo de reclamação, independente da sua natureza. Por questões legais, detalhes específicos não podem ser abertos. Fora o acima citado, em relação aos viajantes impactados com o cancelamento das reservas pelos parceiros da companhia, o Hurb esclarece que a empresa conta com um setor de atendimento ao cliente que opera 24/7, com colaboradores prontos para sanar todas as dúvidas ou ajudar com qualquer imprevisto.
Usando o chatbot, é possível também direcionar melhor cada dúvida para os consultores especializados no assunto, o que contribui para respondê-las de forma mais rápida. O Hurb reconhece os problemas enfrentados nas últimas semanas, que afetaram passageiros e parceiros da empresa, e ressalta que todas as questões foram mapeadas e já estão sendo sanadas por meio de diversas iniciativas, entre elas: o anúncio do novo CEO - Otavio Brissant, que está há sete anos na companhia -; a contratação de uma assessoria financeira com reconhecida experiência no mercado, cuja equipe está alocada no Hurb, trabalhando ao lado dos colaboradores da empresa para resolver todas as pendências; e o recrutamento de novos parceiros de negócios para acelerar a resolução dos problemas. A empresa dá início ao Hurb 3.0, fase que reúne seus 1.600 colaboradores em força-tarefa para normalizar o cenário sob nova liderança. Esse novo momento vem apresentando avanços significativos nos últimos dias, como o início da regularização dos pagamentos dos parceiros. Por fim, para se ter uma dimensão do alto volume das operações do Hurb, mais de 1.200.000 (um milhão e duzentos mil) produtos e serviços foram operados pela OTA em 2022.
No mesmo ano, a companhia foi responsável pelo embarque de viajantes para 272 destinos, número 20% maior em relação a 2021. Para 2023, a companhia já operou mais de 441.000 viajantes, até a data de hoje. Esses números atestam a capacidade do Hurb de operar altos volumes de pacotes, assim como demonstram o comprometimento da empresa com os seus clientes, mesmo que, globalmente, o setor de turismo ainda não tenha se recuperado totalmente dos efeitos da pandemia de coronavírus. O Hurb frisa que segue prezando pela escuta ativa e cuidado com seus públicos e, por isso, está à disposição caso surjam eventuais dúvidas."