CORREÇÃO: A expectativa da Achoco é que a produção de chocolates para Páscoa aumente 20% neste ano em relação a 2022 e não 10% como publicado. A informação incorreta foi repassada pela entidade e permaneceu publicada das 9h às 16h45min desta segunda-feira (3). O texto já foi corrigido.
As pás dentro das máquinas trabalham continuamente como se dançassem sob a temperatura elevada da fábrica. A sincronia não revela que aquele é o segredo onde a mistura da matéria-prima desenvolve sabor e cremosidade do chocolate. Os movimentos ritmados e o calor são responsáveis para que todos os cantos do ambiente aquecido tenham o cheiro intenso do doce feito a partir do cacau. Dentro das fábricas da Serra gaúcha, o segredo presente em cada uma das receitas próprias contribui para o feitio das centenas de toneladas de chocolate produzidas na região para o período de Páscoa deste ano.
Apenas sete fábricas das Hortênsias e uma de Caxias do Sul são responsáveis pela produção de 615 toneladas para a Páscoa, quantidade responsável por 30% da produção total feita durante o ano nas indústrias da região. Para ter uma ideia, se essa quantidade de chocolates fosse empilhada ao lado do Edifício Parque do Sol, que tem 36 andares e fica ao lado do Parque dos Macaquinhos, seria como se fosse montado um prédio de chocolate de 40 andares, quatro a mais que a estrutura de apartamentos. Para aguçar o imaginário, seria como se ambos tivessem paredes, chão, janelas, teto e decoração de chocolate, assim como o palácio fabricado por Willy Wonka, no filme A Fantástica Fábrica de Chocolate.
Segundo o diretor-executivo da Associação de Chocolateiros de Gramado (Achoco), João Teixeira, a produção para este ano é 20% maior que a fabricação de 2022. A Achoco representa as sete maiores fábricas da região da Serra: Chocolataria Gramado, Florestal de Lajeado, Florybal, Gramadense, Lugano, Miroh e Prawer, que produziram no ano passado cerca de 500 toneladas para o mesmo período.
Em Caxias do Sul, a produção de chocolates em grande escala ocorre desde 2005. Na fábrica da Ferronatto Chocolates Finos, maior fabricante do município, a lista de produtos próprios tem mais de 60 itens com opções que variam de bombons a cafés.
A empresa destaca que a qualidade do chocolate ocorre desde o tratamento dado para as amêndoas de cacau. Para que seja saboroso, o trabalho de colheita dos frutos, a fermentação e o processo de secagem são primordiais para o chocolate que chega na mesa dos consumidores.
Para a fabricação da Páscoa, conforme explica o diretor da empresa, Márcio Ferronatto, a produção ocorre desde meados de novembro e é intensificada, principalmente, nos três meses que antecedem a data.
— A gente investe bastante em qualidade de matérias-primas, então a gente escolhe muito bem os nossos insumos para trabalhar e tenta manter esse padrão todo ano, inovando também nas embalagens. O nosso diferencial é entregar sempre um produto de boa qualidade, com bastante teor de cacau e pouco açúcar nos nossos ingredientes — afirma o diretor.
Na Serra, a preparação para a fabricação de chocolates para a Páscoa começa cerca de oito meses antes de ovos e coelhos começarem a aparecer nas prateleiras. Assim que terminarem as comemorações pascais deste ano, as equipes de planejamento darão início ao processo de levantamento de ideias para implementar novos sabores, produtos e fórmulas de chocolate que estarão sendo produzidos a partir de dezembro deste ano para serem vendidos na Páscoa do ano que vem. A produção para a data que tem o chocolate como presente principal segue até meados do mês de abril.
Para quem gostou da comparação com o Parque do Sol, que dimensiona a produção destas fábricas, também se poderia comparar com o tamanho de quatro baleias-azul juntas. O maior animal do mundo pode pesar mais de 150 toneladas e medir mais de 30 metros.
A magia do chocolate
Diferentemente dos disputados bilhetes dourados do clássico filme A Fantástica Fábrica de Chocolate, que permitem que apenas cinco crianças e acompanhantes visitem a misteriosa empresa, turistas e moradores da Serra não precisam de um ticket especial para conhecer as estruturas da região. Mas as visitas são restritas ou, quando permitidas, exigem processos de higienização como aqueles feitos por médicos antes de entrar em uma sala de cirurgia.
Ao lado de um coelho gigante que recepciona funcionários e visitantes que chegam na fábrica da Lugano, em Gramado, está situada a porta de acesso à produção da empresa. Com calçados fechados nos pés e, depois de higienizar as mãos, os aventais, toucas, luvas e máscaras descartáveis complementam o vestuário que permite conhecer o processo de fabricação da empresa.
Os olhos tentam, mas não encontram o caminho por onde sai o cheiro de chocolate que cobre o espaço. Escondidas nas esteiras e recipientes enormes, estão as matérias-primas que se unem para produzir secretamente uma espécie de sopa gigante de chocolate que será transformada em barras, ramas, tabletes, medalhas e diferentes produtos fabricados pela empresa há 47 anos. No local, cerca de 75 funcionários manipulam em torno de duas toneladas de chocolate por dia.
Ao lado de uma esteira que roda pequenos quadrados já embrulhados, está uma funcionária veterana, que não sente mais o cheiro doce do ambiente, mas admite o amor por trabalhar com um alimento muitas vezes irresistível e capaz de causar sensação de prazer nos consumidores.
— Estou há 30 anos trabalhando aqui. Comecei ajudando quando eles precisavam de alguma coisa aqui e ali e acabei ficando. Já passei por todos os setores, e chocolate é a minha vida. O chocolate faz parte da minha vida e aqui foi e continua sendo especial desde o início. Minhas duas irmãs também estão aqui, então, não tem como não se sentir em casa — conta Cíntia Pimel, que trabalha atualmente no setor de embalagens da Lugano.
Em mesas de mármore, funcionárias espalham cuidadosamente camadas de chocolate e aguardam o momento certo de usar uma espátula para retirar a massa da mesa e transformar o chocolate em ramas que derretem na boca. A delicadeza presente no feitio artesanal quase esconde o processo trabalhoso do movimento, oferecendo a quem acompanha de fora a sensação de estar diante de bailarinas que fazem um passo síncrono.
O processo de feitio das ramas é o mesmo em diversas fábricas da Serra. Os doces, que lembram pequenos troncos de árvore, são comumente feitos em cima da pedra fria de mármore para causar um choque térmico no chocolate quente, que, após alguns poucos segundos, esfria e atinge a temperatura ideal para ser transformado em rama.
Enquanto máquinas congelam, misturam e derretem chocolate, as mãos precisas dos funcionários usam o chocolate para desenhar em formas pequenas pétalas e miolos de flores em tons rosados. Outros, com a mesma precisão, escrevem em tabletes mensagens de Páscoa.
Em uma mesa, separando pequenos quadrados de chocolate, está um recém chegado, que trabalha na Lugano há pouco mais de seis meses. O funcionário da Paraíba se encantou com a cidade e encontrou na empresa uma oportunidade de ficar.
— Faço um bocado de coisa e é uma tentação trabalhar aqui (risos). Agora estou abastecendo a máquina e não tem como negar que sempre dá vontade de comer. Vim para o Rio Grande do Sul há dois anos, gostei daqui e decidi procurar um emprego. Me indicaram a Lugano, eu consegui o emprego e quero dar o meu melhor aqui para continuar. Estou gostando bastante de tudo e trabalhar com chocolate deixa tudo melhor ainda — conta Aloísio Virgínio.
Na história da Fantástica Fábrica de Chocolate, a criatividade do diretor Tim Burton atravessa a tela e faz os telespectadores criarem diferentes fantasias referentes ao que, de fato, ocorre durante o processo de feitio do chocolate. Na Serra gaúcha, apesar das operações serem semelhantes, cada fábrica possui a própria receita e a magia do processo está presente, principalmente, no sentimento que aqueles que colocam a mão na massa tem pelo chocolate.
— A minha família sempre trabalhou com chocolate e eu trabalho aqui há 30 anos. O que posso afirmar é que não tem como enjoar de chocolate, porque o mix de variedades é grande, sempre tem alguma novidade. Trabalhar com chocolate é um encantamento. Eu sinto que quando se coloca amor e dedicação nas coisas, elas com certeza surpreendem — afirma o gerente de produção da empresa, Fernando Felles.
A história para viver o sonho do chocolate
Mesmo com autorização para a visita, paira sob as fábricas da Serra a sensação de estar prestes a descobrir um segredo guardado há muitos anos. Talvez a mesma sensação que os espanhóis sentiram quando levaram da América Latina para solo europeu o fruto do cacaueiro.
Reis e rainhas fantasiados guiam aqueles que têm vontade de conhecer a história do cacau até ser transformado em chocolate. Em uma experiência imersiva do Reino do Chocolate, da fábrica Caracol, grandes bonecos guiam visitantes por uma floresta, que, com o auxilio de sons, fumaça e vozes graves que convidam os visitantes a participarem, dá início à história narrando que a árvore de cacau era encontrada principalmente na região da floresta amazônica do Equador, mas foi cultivada por volta do ano 1200 a.C nas florestas do México. E o fruto foi levado por exploradores até a Espanha para ser cultivado.
Por muitos anos, somente o país europeu teve a oportunidade de cultivar o fruto em grande escala. Seguindo receitas esculpidas pelos povos Maias, o cacau era desenvolvido e consumido como uma bebida doce. Considerada artigo de luxo, a bebida de cacau era experimentada por divindades, sacerdotes, reis, nobres e guerreiros.
Durante a imersão no parque, uma grande árvore que representa o cacaueiro e os bonecos vestidos como os povos originários contam que o consumo em formato líquido durou um longo período até que descobrissem que o fruto poderia ser transformado em alimentos sólidos, como as barras, bombons e diferentes variações que encontramos hoje em dia.
Para o novo processo de transformação do cacau, que ocorreu em um período onde não se imaginava a existência da tecnologia atual, uma prensa de parafuso inventada pelo químico holandês Coenraad Van Houten, em 1828, deu início a obtenção do pó do cacau.
A novidade permitia que a manteiga de cacau fosse extraída de um lado e a massa de cacau de outro, dando início a uma revolução na produção de chocolate e popularidade do doce, que, depois de ter sido considerado artigo de luxo, se tornou mais acessível e passou a ser consumido por pessoas de todas as classes.
Conforme a história narrada no Reino do Chocolate, desde a inovação no processo de feitio e o surgimento das primeiras casas de chocolate, que ocorreram por volta do século 17, em Londres, chocolateiros de diferentes lugares do mundo passaram a desenvolver as próprias receitas secretas do doce, que foram evoluindo em sabor e formato ao longo do tempo.
Na na fábrica da Prawer, a Páscoa deste ano é a primeira onde aqueles que têm curiosidade de vivenciar o processo de produção de perto podem adquirir uma visita guiada pela fábrica por meio de reservas que são agendadas no site da empresa.
Fundada em 1975, a Prawer, pioneira na fabricação de chocolate artesanal, expõe com orgulho um pedaço da história que deu início à produção de chocolates. As primeiras máquinas, que auxiliavam no derretimento, cozimento, molde e corte dos chocolates mudaram de lugar e cor, mas carregam consigo o peso da responsabilidade de terem manuseado os primeiros quilos da produção própria.
Logo no início da visita, um vídeo conta a história da empresa e revela que a produção de chocolates ali começou a partir de um sonho. Em um corredor com fotos que eternizam pedaços dessa história, é possível ouvir ecoar a frase afirmando que “uma bela história é como uma boa receita, ela atravessa gerações”.
Diferentemente do processo de visita em outras fábricas, a empresa adequou o espaço de fabricação para receber os visitantes. A arquitetura dá a impressão de como se estivéssemos em uma estrutura de vidro dentro do mar, onde seria possível observar a vida marinha de perto. Paredes de vidro separam o público dos cerca de 60 funcionários que produzem diariamente em torno de uma tonelada de chocolate por dia.
Para manter o segredo da produção feita há 48 anos, fotos e vídeos não podem ser feitos após a apresentação inicial sobre a história da Prawer. Durante o trajeto da visita, o aroma intenso de chocolate que sai de dentro dos imensos compartimentos que misturam a matéria-prima por horas faz os visitantes sentirem que estão passando por dentro de uma grande fatia de chocolate.
Ao final dos corredores de vidro, o desejo que o cheiro desperta é suprido em uma experiência sensorial que ativa visão, toque, audição, aroma e sabor. Durante a degustação, também guiada, os visitantes conhecem os diferentes formatos do doce que acabaram de conhecer a fabricação.
O desejo por provar o chocolate é sentido também por aqueles que trabalham na fábrica diariamente. Para Ana Carolina Henzel Raimundo, guia que auxilia os visitantes no processo de degustação, é quase impossível trabalhar em uma fábrica de chocolates e não se tornar amante do doce mais vendido no mundo.
— Eu não era muito fã de chocolate antes de trabalhar aqui, e agora sou chocólatra. Nos locais de descanso, temos chocolates à disposição e a gente come sempre que pode. Trabalhar com chocolate é uma delícia. Eu não trabalhava nessa área e aprendi tudo do zero. É mágico ver o processo e acompanhar as pessoas lá dentro na produção, a gente vê o amor, carinho e a paixão que elas colocam naquilo. Estou muito feliz aqui, trabalhar com chocolate deixa qualquer trabalho muito melhor — conta a guia.
O palácio de chocolate
Com o paladar adoçado pelo sabor das diferentes receitas produzidas nas fábricas da Serra, uma nova atração convida os visitantes que quiserem imergir ainda mais no chocolate. Que tal dormir numa estrutura que remete totalmente ao produto? Previsto para ser inaugurado ainda no primeiro semestre deste ano, o Chocoland Hotel Gramado será um legítimo palácio de chocolate de 7 mil metros quadrados, um hotel totalmente temático de chocolate.
Nos nove andares da construção, os quartos são decorados com móveis que lembram chocolate derretido. O doce é o componente presente em todos os cômodos do hotel, que tem cada item da mobília feita com exclusividade para o Chocoland. No saguão principal, os hóspedes poderão experimentar chocolates que são fabricados na região e em diferentes lugares do Brasil e do mundo.
Conforme explica o diretor operacional do Chocoland, Heitor Rodolfo da Silva, em alguns dos quartos, o teto transmite a sensação de que o chocolate está derretendo e, em outros, gotas de chocolate dão a impressão de que uma chuva de chocolate causou uma goteira do doce no teto. Os quadrados das barras de chocolate também estão na decoração dos quartos.
O hotel, assim como a fabricação de chocolates da Prawer, iniciou a partir de um sonho. Quando criança, a empresária Daniela Gallassini sonhou que moraria em uma casa de chocolate. Para tornar o sonho real e fazer aqueles que conheçam o palácio de chocolate de perto se sentirem imersos no sonho, cada detalhe foi pensado milimetricamente antes de o projeto ser colocado em prática.
As portas, xícaras gigantes e bandeiras que lembram os castelos onde vivem as princesas das histórias da Disney são complementadas pelos papéis de paredes desenhados a mão pelo artista Zeca Zenner. Com cores dos chocolates preto, branco e também o vermelho do vinho da Serra, o hotel traz ao visitante a sensação de sair do mundo real e caminhar pelos corredores de um castelo de conto de fadas. Aliás, vinho é um produto que harmoniza muito bem com os mais diversos tipos de chocolate, amargo, ao leite e branco.
Como todo conto com príncipes e princesas que moram em castelos, o Chocoland tem a própria história, que será apresentada para os hóspedes. Terá personagens próprios, com a narração que conta de que forma o alquimista Theo conseguiu realizar o sonho que guardava no coração e incentiva os hóspedes a terem iniciativa para também vivenciar aquilo que desejam. Pingos gigantes de chocolate também estão entre os personagens e as refeições do hotel prometem ser divertidamente acompanhadas por eles.
Pensando na produção de chocolate nas fábricas da Serra gaúcha, um desafio é oferecido para aqueles que tenham curiosidade de vivenciar a sensação de participar da fabricação do próprio chocolate e, quase, contribuir com o total de toneladas feitos anualmente na região.
O selo de chocolate
Em 2020, Gramado recebeu o título de Capital Nacional do Chocolate Artesanal, por conta da fabricação que, atualmente é feita por 28 empresas. Para este ano, após a Páscoa, está previsto que o município entregue para as sete maiores, que estão associadas a Achoco, o selo do "Chocolate Artesanal de Gramado".
Conforme informou a associação à reportagem, uma reunião feita na última terça-feira (28) com entidades e representantes do setor de chocolates do município aponta a expectativa positiva tanto para a produção de chocolates para esta Páscoa, quanto para a entrega do selo.
Desde 2018 estava em tramitação o pedido de Indicação de Procedência do Chocolate Artesanal de Gramado, no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). A expectativa inicial era de que o processo durasse entre seis a 18 meses.
A iniciativa do selo representa a qualidade elevada na fabricação da Serra, que segue exigências como o chocolate ter no mínimo 35% de cacau e não usar gordura vegetal como ingrediente.