O peso das roupas de lã e casacos largos destoa do calorão feito durante a segunda semana de abril, em Fortaleza, no Ceará. Com cuidado, as malas são fechadas e o tique-taque do relógio anuncia que está na hora de dar início a uma viagem de 4,1 mil quilômetros, de uma ponta a outra do Brasil. Empolgadas, as amigas Brenda Falcão, de 29 anos, Divania Costa, 31, e Raissa Alves, 29, estão entre os turistas que escolheram trocar o colorido da paisagem paradisíaca de calor e mar pelas temperaturas frias e dias chuvosos de Gramado, na Serra. A expectativa para a temporada de inverno deste ano é que cerca de 2,3 milhões de visitantes passem pelo município gaúcho até meados do mês de agosto, segundo a Secretaria de Turismo do Rio Grande do Sul.
De acordo com o Sindicato da Hotelaria, Restaurantes, Bares, Parques, Museus e Similares da Região das Hortênsias (Sindtur), cerca de 84% dos hotéis da região foram ocupados somente para o feriado de Tiradentes. Conforme contou à reportagem a executiva da entidade, Lisa Gottschalk, os dados são positivos principalmente para um feriado. A estimativa total de ocupação nos hotéis durante toda a temporada de inverno ainda está sendo contabilizada, porque, conforme a executiva, a maioria dos visitantes está fazendo as reservas mais perto do dia de viajar e não com tanta antecedência.
A viagem das amigas nordestinas até chegar à cidade, passando por conexões de aeroportos e transfers de ônibus, durou em torno de sete horas. O planejamento para organizar as férias para que pudessem viajar no mesmo período, as economias guardadas e a preparação de quais atividades fazer durante uma semana começaram a cerca de oito meses. A vontade de visitar a cidade cresceu gradativamente, entre conversas com conhecidos que já haviam se aventurado em Gramado e compartilhado com elas a experiência do passeio.
— Temos vários amigos em comum que já vieram para cá e todo mundo diz: "vocês vão se apaixonar, é vir uma vez e querer voltar várias vezes". Durante a viagem, teve uma hora que a gente pensou "Meu Deus, é muito longe", fizemos conexão de Fortaleza até São Paulo, mais ou menos 3h20min, e de São Paulo a Porto Alegre, isso deu mais 1h10min. De Porto Alegre pegamos um transfer até aqui, que durou mais 2h. Foi um sacrifício, uma Via Sacra quase, deu para rezar muitos terços (risos) — conta a fisioterapeuta Raissa Alves.
O cansaço sentido após as quase sete horas de viagem foi deixado entre a troca de avião pelo ônibus. Em uma sexta-feira com os termômetros marcando 14ºC, as amigas desembarcaram em Gramado. Em frente à Paróquia São Pedro, os chuviscos gelados não foram incômodos para as três darem início aos registros da viagem.
Desde que chegaram, as amigas de infância se surpreenderam, principalmente, com a receptividade, respeito e aconchego com os quais foram recebidas pelos moradores e comerciantes da cidade.
— O pessoal aqui é muito receptivo e trata todo mundo superbem. É bem diferente de outros estados que a gente já conheceu, onde foram meio parciais quando falamos que éramos do Nordeste. Aqui não, aqui a gente gostou bastante de como receberam a gente. Fora o ambiente em si que é lindo — descreve a analista de RH Divania Costa.
O ambiente mencionado por Divania é um dos principais atrativos para quem vem de fora do Estado. Por todos os lados que se olhe, a cidade convida os visitantes a conhecer e experimentar algo novo. Fábricas e lojas de chocolate, parques temáticos, pizzarias com apresentações, hamburguerias com imersão a um mundo de fantasia, lagos, cascatas de água, museus de cera. E se o inverno é a temporada preferida dos turistas, a cidade parece provocar. Um espaço de 16 mil metros quadrados tem neve o suficiente para aqueles que nunca conheceram os flocos de água congelada se aventurarem no esqui.
Conforme informou a Secretaria de Turismo de Gramado à reportagem, no ano passado 1,9 milhão de visitantes estiveram no município no período de inverno. Se os 2,3 milhões esperados para este ano se confirmarem, a cidade terá recebido 21% a mais de turistas nesta temporada. O cálculo de 2022 foi feito por meio dos dados de entradas nos pedágios, coletados pela Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR).
De acordo com o secretário de turismo do Estado, Vilson Covatti, a expectativa maior de turistas para o inverno deste ano é significativa e mostra a confiança que o público de fora tem nos pontos turísticos do Rio Grande do Sul. Conforme o secretário, o Estado visa a propiciar, principalmente, experiências turísticas seguras e saudáveis.
— Pesquisas realizadas em Gramado em 2020 mostraram que mais de 93% do público consultado confia na marca da cidade, ou seja, existe percepção de seriedade e ética na gestão turística. A adoção de políticas públicas estaduais que buscaram minimizar o contágio pela covid-19, colocando as pessoas e os valores humanos no centro da estratégia, também foi decisiva para a construção da reputação do Rio Grande do Sul como destino seguro — afirma Covatti.
A segurança mencionada pelo secretário é um dos atrativos que trouxe para o município a família da psicopedagoga Thereza Cristina, de 61 anos, e a servidora pública Michele Silva, 38. A família saiu de Brasília, no Distrito Federal, e viajou cerca de 2,1 mil quilômetros até Gramado.
— O que mais nos chama atenção é a segurança da cidade e a organização, mas principalmente a segurança. No mundo de hoje, as coisas estão meio delicadas e essa questão não está bem resolvida. A gente fica com receio de viajar e vemos que na nossa própria cidade a segurança não é lá essas coisas, mas aqui é um lugar muito seguro, com várias opções, sempre tem coisa nova para a gente fazer e é um lugar lindo — pontua Thereza.
Os atrativos de segurança, culinária, receptividade e opções de lazer estão presentes nas 28 regiões turísticas, que contribuem com 4% do Produto Interno Bruto (PIB) do Rio Grande do Sul, conforme a Secretaria de Turismo. Visando a cativar cada vez mais pessoas de fora, está nos planos do Estado que a contribuição vinda da área se torne maior.
— Pretendemos dobrar a participação do turismo no PIB Gaúcho, que hoje é de 4%. Em dois anos, vamos chegar a 8% com certeza. Ter o poder legislativo como aliado nessa missão nos fortalece e nos une como povo gaúcho e como representantes de um estado único e comprometido com seus visitantes — afirma Covatti.
A magia do frio com o vinho
Mesmo com as diversas atrações turísticas presentes em Gramado e conhecidas em todo o Brasil, o frio foi o atrativo para o casal de comerciantes José Raimundo, 55 anos e Lilian Gomes, 40, que saiu de Feira de Santana, na Bahia, e viajou cerca de 2,9 mil quilômetros até o município gaúcho com um objetivo em mente.
— A gente veio aqui para fazer um filho nesse frio gostoso. Aqui é tudo muito lindo, as pessoas tratam a gente bem e o frio deixa a gente mais coladinho. Só basta vocês que são repórteres trazerem o vinho, que nós fazemos o filho e saímos com um filho aqui de Gramado (risos) — brinca o casal com a equipe de reportagem.
E por falar em vinho, as baixas temperaturas comumente fazem as buscas pela bebida aumentarem na loja Jolimont Vino Bier. Assim como os turistas sentem a receptividade com a qual são recebidos, quem trabalha no município sente prazer em receber os recém-chegados.
— Aqui é uma cidade muito acolhedora, além da tranquilidade. Você pode ir e vir a hora que quiser, pode andar a pé a hora que quiser, isso é muito bom. Eu amo receber as pessoas, porque a gente lida com pessoas de todos os lugares, isso é o mais interessante. A pessoa vem com cultura diferente para conhecer a nossa e essa troca é muito boa — conta a gerente da loja, Ruthe Tamires Eufrasio.
Com garrafas conhecidas e premiadas internacionalmente, as bebidas da marca são produzidas em Gramado e Canela e, além dos dois municípios gaúchos, só são encontrados em outras duas lojas no Brasil, uma em Santa Catarina e outra em São Paulo. A intenção, conforme explica a gerente, é causar, para aqueles que experimentam pela primeira vez, a sensação de que aquele é o gosto da região.
Pensando na receptividade que cativa os visitantes, a abordagem feita pelos lojistas ocorre sutilmente. Aqueles que passam pelo local são convidados a fazer uma degustação e, conforme lembra Ruthe, a partir dali é um caminho sem volta.
— Eles vêm, experimentam e voltam para provar de novo. E é assim que a gente leva o nosso cliente, estamos aqui na loja e às vezes a pessoa está ali na frente, chamamos para experimentar o Jolimont e a partir dali é só Jolimont. Não tem mais volta, é um caminho só de ida, eu sempre digo isso (risos) — afirma a gerente.
Para as amigas de Fortaleza, que no primeiro dia puderam aproveitar principalmente a culinária local, o vinho e a gastronomia estão entre os principais atrativos de Gramado. E não são só elas que pensam assim. Ecoa pelas ruas limpas decoradas com flores coloridas, vozes que conversam e concordam entre si, "que prato delicioso" ou "foi o melhor vinho que já experimentei". Para as três, mesmo que o primeiro dia tenha sido de pouco tempo para conhecer as atrações, elas já adicionaram na bagagem uma certeza para levar para o estado cearense.
— Não dá para conhecer tudo de uma vez só, é muita coisa e muito lugar. A única certeza que temos nesse primeiro dia é que estamos encantadas com tudo e pretendemos voltar mais vezes, com certeza — finaliza a estudante de arquitetura Brenda Falcão.