A chegada de um novo ano traz consigo as incertezas de como a economia se comportará para consumidores, empresários e setores fundamentais para a Serra gaúcha. Do metalmecânico ao comércio, a confiança para investir, comprar e girar a engrenagem de 2023 está intimamente ligada às decisões do novo governo que acabou de assumir.
O ambiente político conturbado influencia na forma de consumo de quem prefere segurar o dinheiro e acompanhar o futuro da economia. Para prever o que virá e quais atitudes serão tomadas pelos setores, é preciso também fazer um balanço do que se viveu. Entre a guerra na Ucrânia, desabastecimento de matéria-prima e preços elevados de insumos, a cadeia produtiva sofreu com o alto valor de transporte e logística.
Por outro lado, e sob muita influência do vácuo deixado pela pandemia de covid-19, setores como a indústria bateram recordes em negócios. As exportações, por exemplo cresceram 12,3% e somaram US$ 20,29 bilhões em 2022, segundo a balança comercial do Ministério da Economia. Já o comércio viveu a retomada após o período em que as restrições sanitárias criaram um dos maiores desafios para as vendas.
E para tentar prever o que pode ocorrer em 2023 e quais serão os desafios a serem enfrentados, nada melhor que ouvir quem acompanha de perto os fatos que podem influenciar nos índices econômicos. Ao Pioneiro, líderes de entidades empresariais trouxeram as projeções baseadas na experiência de lidar com uma economia cíclica.
Para que o comportamento do consumidor e os índices de 2023 sejam projetados, o comércio olha pelo retrovisor. E através dos obstáculos que percorreu durante o ano que passou prevê o que vem pela frente. Em meio à expectativa de como a questão tributária será tratada pelo governo Lula, o Sindilojas comemora a procura do consumidor pelas lojas físicas dos cinco municípios que a entidade abrange.
O setor viveu no Natal o ápice das vendas de 2022 e, segundo o Sindilojas de Caxias do Sul, presenciou a preferência do consumidor local pelas lojas físicas. Um estudo realizado pela entidade em outubro apontou que 70% dos caxienses ainda prefere a compra in loco e presencial. Alertados pela pandemia de covid-19, que fez aumentar as compras online em todo o planeta, comerciantes de lojas físicas da Serra investiram em presença digital.
— Em outro dado da pesquisa, 65% dos ouvidos confirmaram pesquisar na internet antes de sair para as compras, então o empresário enxerga que precisa estar nos meios digitais e acaba reforçando os pontos físicos — contou o presidente do Sindilojas Caxias, Rossano Boff.
Agora a esperança do comércio se volta, segundo Boff, no olhar mais carinhoso do Estado com empresários e investidores. Para ele, o que o setor precisa neste ano é de estabilidade econômica para gerar confiança.
— Somos quem arrecada os tributos e os grandes geradores de emprego e renda. A partir do momento que se aumenta os tributos, o empresário segura investimentos e a geração de emprego é travada. É preciso aliviar a carga tributária e deixar empresários mais confiantes — afirmou.
As decisões dos entes públicos quanto à economia do país serão, segundo o empresário, fundamentais para que algo surja na bola de cristal, que é tentar prever o comportamento do consumidor e sua relação com o comércio.
O Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul e Região (Simecs) ainda não fechou o balanço de 2022, mas o presidente Paulo Spanholi acredita que o setor pode ter crescido até 12% no ano que passou. O resultado surpreendente pode motivar uma desaceleração em 2023, já prevista e encarada por Spanholi com naturalidade.
— Superar o ano que passou será muito difícil, porque houve um crescimento muito grande pós-pandemia, de um vácuo que se formou durante esse período de crise. Acredito que teremos um ano de dificuldades em função desse excesso de demanda visto em 2022 — afirmou.
No entanto a projeção não assusta quem tem a experiência de ter passado por tantos momentos econômicos. E é no otimismo e confiança no trabalho desempenhado que o representante do Simecs se apoia para imaginar o que está por vir. Além disso, prefere deixar os rumores políticos de lado e acreditar no potencial do país.
— Tem uma questão de confiança, mas já passei por diversas crises e nunca olhei muito pra governo. A economia é cíclica. Claro que ficamos um pouco preocupados, o país está cada vez mais politizado e cobra dos seus governantes, mas não há governo perfeito e o importante é pensar em trabalhar. Nosso país tem uma força muito grande — disse.
Além disso, o Simecs aposta na profissionalização de jovens para manter o pleno emprego atual e preencher as vagas que seguem em aberto na indústria. O desafio em 2023 será realizar tal capacitação em uma via de mão dupla, que emprega o jovem e o tira da vulnerabilidade social. Para isso, a parceria com o Senai, segundo Spanholi, é fundamental e continuada.
— É um trabalho que temos que fazer continuamente. A única saída que temos é pensar que também temos essa responsabilidade junto à sociedade. Não podemos esperar só dos governos, que às vezes nos decepcionam ao não gerar tudo o que esperamos — disse.
Presidente da Câmara Industria e Comércio de Caxias do Sul (CIC Caxias), Celestino Loro trata as expectativas para 2023 com "um otimismo conservador". Que 2022 foi um ano de consolidação pós-pandemia e que a maioria dos setores retomou seus lucros, Loro não tem dúvidas e até celebra que o desafio colocado no primeiro semestre foi superado. Agora, é a apreensão com o novo governo que pode atrapalhar os investimentos.
— Acredito que não vamos experimentar grandes crescimentos, mas devemos crescer, sim — projetou.
Perto de viver a normalidade de custos e entregas de matérias-primas, o representante da CIC lembra do desafio da indústria metalmecânica com o desabastecimento de componentes e alta nos preços do aço e polímeros.
— Atingiu diretamente todo mundo, o prestador de serviço do transporte, por exemplo precisou repassar nos preços, afetou a cadeia de maneira geral e esperamos que para o próximo ano tenhamos no mínimo estabilidade — afirmou.
O primeiro semestre, para Loro será de precaução, e tal perspectiva é embasada no Índice de Confiança da Indústria. O indicador medido pela Confederação Nacional da Industria está há três meses consecutivos em queda. Na última medição, chegou ao menor nível anual ao atingir 50,8 pontos e estar à beira da desconfiança. Níveis parecidos só foram percebidos em acontecimentos como no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e no auge da pandemia de covid-19.
Importante para ler o sentimento empresarial, de acordo com Loro, a confiança é para ele fundamental na tomada de decisões empresariais.
— A economia funciona por confiança, quando não há, não existe investimento e não tem desenvolvimento. É um pouco do cenário que vivemos nesta troca de governo. Não muda completamente o rumo das coisas, mas o empresariado espera para tomar decisões — disse.
A preocupação do presidente da CIC é que as famílias deixem de realizar investimentos e comprar bens por não ter a segurança de se descapitalizar. O efeito dominó causado pelo pé no freio do consumidor pode atingir a todos caso não haja garantias que a economia seja blindada pelo governo.
— Já tivemos um governo Lula em 2003 que respeitou o mercado e já tivemos um governo do PT depois disso que desrespeitou regras e as consequências pagamos até hoje. A pergunta que deve ser respondida é qual a linha que será seguida — questionou.
Entre as diretrizes que devem ser acompanhadas de perto pelo empresariado estão as políticas de cobrança de impostos e quanto a carga tributária pode pesar na cadeia produtiva. Aumentar tributos que, para Loro, já têm custos que beiram o limite do praticável, é política impensável.
— Vemos uma ânsia por gastar e discursos que defendem a suspensão de programas de privatizações, ou seja, vamos continuar com o Estado inchado. São os direcionamentos e as tomadas de decisões que darão credibilidade para o empresário seguir — comentou.
Índices de confiança são monitorados de perto também pelo presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Caxias do Sul, Eduardo Colombo. Mas é no indicador que mede a febre do consumidor que Colombo prefere se agarrar. Logo após o Natal, a Fundação Getulio Vargas (FGV) divulgou que a confiança do consumidor subiu para 88 pontos em dezembro após duas quedas consecutivas. Dessa forma, o índice alcançou o melhor patamar desde o início da pandemias.
Que a desconfiança em relação à política econômica a ser adotada pode afetar investimentos, não há dúvidas. No entanto, para ele é preciso ser otimista e incentivar que o trabalhador faça sua parte para atingir os resultados. E crer na projeção do Boletim Focus do Banco Central que prevê deflação de até 5% e redução da taxa de juros para 11,75% é um bom caminho.
— Esse otimismo é um dos principais fatores para estimular a economia. O cenário para 2023 dependerá de qual viés econômico será utilizado pelo novo governo federal, de controle ou aumento dos gastos. — disse.
Construção civil e setor moveleiro esperam 2023 aquecido
O setor moveleiro, através do Sindmóveis, traça um cenário ideal para reaquecer as vendas do mercado interno em 2023. Com expansão do crédito, taxas de juros mais competitivas e redução do desemprego, a presidente da entidade, Gisele Dalla Costa, acredita que o mercado possa manter o cenário que se mostra em uma espécie de reacomodação.
— Acho que vamos falar por um bom tempo ainda da pandemia, porque foi muito atípico e não imaginávamos que iria se prolongar por tanto tempo. As empresas tiveram que se reinventar para atender clientes, por falta de matéria-prima. Neste ano que passou, tivemos menos impacto sobre essa dificuldade e acredito que o mercado irá se reacomodar definitivamente em 2023 — disse Gisele.
Longe de se acomodar, o Sindmóveis entende que mudanças acontecem quase que de forma permanente e está preparado para se readequar conforme as situações surgem.
— São cuidados a serem tomados, claro que não podemos criar grandes expectativas, mas 2023 não deve ser tão difícil. São muitas mudanças, e devemos utilizá-las como forma de oportunidade — reiterou.
Uma das principais apostas do setor para o ano é a realização da Movelsul, que ocorre junto da Fimma (feira de fornecedores da cadeia produtiva de madeira e móveis) e espera receber 500 marcas expositoras entre os dias 28 a 31 de agosto.
Já na construção civil, a expectativa é abranger em 2023 a área da infraestrutura com programas federais como o Minha Casa Verde Amarela. Para isso, o Sinduscon, que representa a categoria, auxilia as empresas a se adequarem à legislação e observa a preocupação das construtoras em inovar com a oferta de tecnologia em novos materiais.
— Precisamos muito de inovação em pré-moldados. Na pausa da pandemia, as empresas se adequaram a essas atividades para quando o mercado voltasse a fluir. Então, temos muitas empresas com projetos aprovados em âmbito de licenciamento — contou Maria Inês Menegotto, que assumiu a entidade neste novo ano.
Mas para que a expectativa das construtoras em crescer até 8% seja cumprida é preciso que a economia esteja aquecida.
— Sabemos que há frentes de governo para que haja geração de renda e dinheiro na rua. A perspectiva é bastante boa, visto que teremos muito trabalho pela frente. A construção civil gera muitos empregos e precisa de muitas outras industrias — projetou Maria Inês.
Investimento para não perder público fidelizado
Se a pandemia trouxe dificuldades para a maioria dos setores, o período de restrições impostas pela covid-19 fez aumentar o consumo de vinhos e espumantes nacionais. E a região que mais produz a bebida no país, como não poderia deixar de ser, surfou nesta onda. No entanto, o recorde de vendas registrado em 2020 e 2021 não foi alcançado no ano que passou. Fato que não preocupa a União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), que entende o ciclo de consumo e prepara investimentos para não perder o público já fidelizado.
— Tivemos um recuo natural na comercialização de vinhos, mas foi o primeiro ano da história em que o espumante foi mais comercializado que o vinho fino. Então, as portas se abriram oficialmente e o cenário para 2023 é muito bacana — contou o presidente da entidade, Daniel Panizzi.
O trabalho deste ano, segundo ele, será de comunicação para que o produto chegue na gôndola e continue sendo escolhido pelo cliente. Para isso, as vinícolas investirão em marketing e também em turismo como forma de atrair visitantes para a região.
— Provamos que temos qualidade, agora temos que comunicar. A tendência é de um enoturismo em pleno crescimento, então podemos esperar investimentos na hotelaria e gastronomia, por exemplo — projetou Panizzi.