A pandemia forçou com que abraços precisassem esperar, assim como encontros e eventos. Durante um ano e meio, o mundo se adaptou às comemorações apenas com familiares – preferencialmente da mesma casa – e virtuais, onde as salas de videochamadas estiveram no auge.
Passado um ano do último decreto estadual quanto à liberação de eventos, prestadores de serviço desse ramo em Caxias do Sul já percebem que estão vivendo um bom momento. Não apenas de recuperação financeira, mas também de esperança de que dias melhores estão por vir.
Presidente do Convention & Visitors Bureau – entidade sem fins lucrativos que busca a captação de eventos para Caxias do Sul, promovendo, assim, também o turismo na região –, Ângelo Tonet avalia que está, sim, ocorrendo uma retomada significativa de eventos, embora ainda não hajam números que quantifiquem o setor neste momento de pós-pandemia.
– Está tendo uma retomada significativa de eventos. O pessoal está com vontade de sair, de fazer alguma coisa. Aqui em Caxias do Sul, a gente tem brigado muito para ter um centro de eventos. Já foi feito um projeto para um espaço com capacidade de mais de mil pessoas. Como hoje não temos espaço com essa capacidade, não conseguimos atender eventos com esse número – acrescenta Tonet.
Presidente da Associação Gaúcha de Empresas e Profissionais de Eventos (Agepes), Rejane Tavares assumiu a entidade há um mês. Proprietária de uma loja de artigos de decoração, Rejane confirma, por experiência própria, que o movimento no setor está intenso. Ela revela que a Agepes planeja fazer um levantamento para buscar os dados de movimentação do setor.
Neste ano, por exemplo, a Festa da Uva foi o primeiro evento comunitário realizado ainda na pandemia, com todos os protocolos sanitários. Somados os números de público dos seis desfiles (52 mil), dos shows nacionais (44,5 mil) e dos Jogos Coloniais (15,5 mil), a festa atraiu mais de 350 mil pessoas durante as três semanas, entre 18 de fevereiro e 6 de março.
“Temos muita demanda. O pessoal estava sedento”
Fabricante de acessórios festivos, como taças, champanheiras e baldes de gelo, a Boccati calcula que as vendas de taças em 2022 tiveram um aumento de 30% em relação a 2019. Uma das referências em material de plástico sofisticado, a empresa tem tido, como clientes fortes, festas noturnas, eventos corporativos e wine gardens.
– Temos muita demanda. O pessoal estava carente, sedento por eventos. Tanto evento interno, que aí é taça de vidro, quanto também externo, que aí é de acrílico – exemplifica o diretor da Boccati, Julio D’Agostini.
E engana-se quem pensa que as taças procuradas são apenas para vinhos e espumantes. D’Agostini diz que, durante a pandemia, uma outra bebida que ganhou espaço foi o gin, fazendo com que, consequentemente, as taças para drinks desta bebida também sejam mais procuradas. A produção diária da empresa, conforme o diretor, é de 7 mil taças, dos mais diversos tipos.
A Boccati também desfruta da volta à normalidade em sua adega, onde recebe eventos sociais e empresariais, como cursos de degustação de vinhos, circuitos enogastronômicos e workshops, entre outros.
Mercopar terá número recorde de expositores
A Mercopar, uma das maiores feiras de indústria e inovação da América Latina, foi realizada no ano passado com todas as precauções individuais, como a obrigatoriedade do uso de máscaras e o distanciamento mínimo entre o público.
Já neste ano de pós-restrições na pandemia, o evento retorna com toda a força. Na 31ª edição, entre 18 e 21 de outubro, em Caxias do Sul, a Mercopar terá um número recorde de 470 expositores confirmados – 35% a mais do que o número de 2021.
Além disso, terá um crescimento de 60% de área útil e um dia a mais de programação, uma iniciativa com foco na geração de negócios. Será ocupado um terceiro pavilhão, totalizando 32 mil metros quadrados.
Promovida pelo Sebrae RS e Fiergs, a Mercopar 2022 será a maior edição em três décadas de atuação ininterrupta. O evento abriga espaços temáticos responsáveis pela geração de negócios e promoção de conteúdo de segmentos como metalmecânico, tecnologia da informação, energia e meio ambiente, borracha, automação industrial, plástico, eletroeletrônico, movimentação e armazenagem.
Haverá a presença de grandes players da indústria nacional, de Estados como Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, o Distrito Federal, além do próprio Rio Grande do Sul, que tem na Serra gaúcha um dos mais importantes polos do setor.
Em 2021, mesmo com as restrições, a feira movimentou um recorde de R$ 224 milhões – à época, um índice 75% maior que o registrado em 2020. Neste ano, a feira inovou e antecipou as ações do Projeto Comprador – uma de suas principais ferramentas para a geração de vendas. Ao longo dos meses de julho, agosto e setembro, o evento realizou uma série de quatro encontros setoriais – metalmecânico, defesa, plásticos e energia – em ambiente digital, que conectaram 68 grandes companhias nacionais a 407 fornecedores de menor porte em um total de 516 negociações.
Planejamento para subir ao altar volta ao normal
Proprietária de uma loja de locação e venda de roupas sociais – e especialmente, vestidos de noivas –, Bruna Tronca percebeu que a pandemia trouxe mudanças de comportamentos e no planejamento de eventos antes de os noivos subirem ao altar. Com base na experiência com seus clientes, notou que o casamento muito pomposo, o uso do maior vestido de noiva e festanças com muitos convidados ficaram no passado pré-pandemia.
– O pessoal está casando mais durante o dia, fazendo com que mude o estilo do vestido, sem tanto bordado, mais fluido. Até em véspera de feriado, que antes não era tão comum, estão se casando – avalia Bruna, proprietária da Cantinho Noivas & Festas, em Caxias do Sul.
O pessoal está casando mais durante o dia, fazendo com que mude o estilo do vestido, sem tanto bordado, mais fluido
BRUNA TRONCA
Proprietária de loja de roupas de festa
Se o tempo perdido sem abraços e sem festas está sendo recuperado, por outro lado o caixa da loja de Bruna também tem incrementado. Março de 2022 foi um mês melhor do que qualquer mês de 2019, período antes da pandemia. Setembro agora seguiu a mesma linha.
Novo ritmo
– Os próximos (meses) também prometem. Não temos mais aquele receio de ficar no vermelho. Notamos que reduzimos bastante os clientes que tinham adiamentos, temos a ficha de todos e percebemos que o bolo de papel (da fichas) diminuiu – comemora.
Bruna conta que, durante a pandemia, noivos e padrinhos procuravam pelas trajes de festa muitas vezes na mesma semana do evento. Mas, aos poucos, o ritmo pré-pandemia, em que tudo era feito com antecedência, está retornando.
– A gente percebe que as pessoas estão se organizando com mais antecedência. Antes, tínhamos uma demanda imediata. O pessoal vinha faltando uma semana e, agora, já tem um planejamento maior – comenta.
Novos hábitos vieram para ficar
Se para os casamentos o planejamento antecipado voltou a ser como antes da pandemia, para outros setores houve uma mudança de atitude que pode ser definitiva. Para Daniela Deves, decoradora e proprietária da Decorare, é possível que a mudança de comportamento em relação à organização imediata seja permanente.
Antigamente, seus clientes alugavam com dois, três meses de antecedência. Já, durante o auge da pandemia, a reserva algumas vezes chegava até no dia anterior ao evento. Atualmente, o espaçamento aumentou, mas não como antes do covid-19. Agora, é de no máximo um mês.
– Isso foi uma mudança muito grande, principalmente porque tu começava o mês praticamente zerado. Sem previsão de locação nenhuma, porque o pessoal deixava para locar na semana ou uns dias antes, às vezes até no dia – conta Daniela, que investiu em uma sala comercial para melhor atender os clientes, que voltaram com força a partir de maio deste ano.
“Veio um resgate de valorização da vida”
A decoradora e proprietária da Decorado, Rose Cherobin, entende que esta retomada dos eventos é a oportunidade para resgatar o tempo perdido. Hora de poder comemorar datas importantes que passaram em branco durante o um ano e meio de restrições. De não precisar mais reprimir as celebrações.
– As pessoas querem comemorar mais. Veio um resgate de valorização da vida, de valorização dos momentos simples da vida. Estar com amigos, com a família – exemplifica Rose.
Veio um resgate de valorização da vida, de valorização dos momentos simples da vida. Estar com amigos, com a família
ROSE CHEROBIN
Proprietária de loja de artigos de decoração
Em março, a decoradora bateu sua primeira meta em um período de dois anos, seguindo um bom ritmo em abril, com um decréscimo em maio e, depois, retornando ao crescimento. Diz que agosto e setembro foram meses maravilhosos financeiramente.
– Ouvi já de vários clientes dizerem: “ah, antes eu fazia festas enormes em espaços de eventos e gastava um monte, porque tinha de convidar muita gente”. Com a pandemia, as pessoas respeitaram o fato de não serem convidadas, de haver um número x para convidar. Com isso, o cliente conseguiu investir mais em uma decoração e até em outros serviços, contratando um chefe de cozinha, comprando bebidas como espumante e vinho – relata.
Formaturas e aniversários adultos são os carros-chefes das festas dos mais velhos. Já no infantil, o protagonista é o chá revelação.
– Chá revelação é o que nos puxa no infantil. A família investe mais, porque, com o decorrer, depois do primeiro aninho, acabam não investindo muito, porque têm outras prioridades, preferem investir em uma recreacionista, num brinquedo, numa casa de festa – conta Rose.
Personalização e investimentos
Para os proprietários da chocolateria Santto Doces, Tailise Reis e Cristiano Ferreira, a pandemia trouxe uma nova e importante preocupação: a saúde.
– O público mudou em relação à alimentação, à saúde. Isso está muito em alta. O pessoal, antes da pandemia, pedia doces e nem se preocupava. Agora não, tem a preocupação com a saúde das pessoas. Tem doce sem glúten, sem lactose. Temos uma nutricionista na família, que trabalha conosco, ela assina e é responsável por essa linha. As pessoas acham que não têm doce saudável, mas existe – conta Tailise.
O casal, que já atingiu o limite de encomendas em muitas datas até o final do ano, percebe que, em relação aos eventos sociais, as casas de festas estão com agenda de quinta a domingo, para atender a demanda.
– Eles querem muito festejar, querem muito fazer a festa. Isso foi muito batalhado e isso é muito bom para nós, porque eles estão vindo com dinheiro para gastar naquele momento. A gente vê que eles estão investindo na festa – acrescenta Tailise.
Ferreira fica mais focado nos clientes corporativos. Aliado na manutenção da renda e da empresa, o setor empresarial cresceu como cliente, na busca para presentear colaboradores e clientes durante a pandemia. A procura foi mantida a ponto de o casal investir em uma impressora de logomarcas e imagens para chocolates.
– A gente nota que a personalização é bem importante para eles. O cliente corporativo quer a sua marca no doce. Quer que o cliente e o colaborador veja que até este detalhe foi pensado. Superar as dificuldades financeiras causadas pela pandemia aumentou a valorização da marca – interpreta Cristiano Ferreira.
Comemorações de segunda a segunda
O movimento na casa de eventos infantis By Ange vem crescendo 40% ao mês desde janeiro deste ano, de acordo com a proprietária Letícia Perini. A possibilidade de promover aniversários presenciais fez com que o local tivesse uma procura diária, com festas de segunda a segunda. Isso fez com que os números no caixa do ano de 2019 fossem superados desde março deste ano. Com o boom vem um novo formato de festa: mais crianças e menos adultos.
– As pessoas convidam os amigos próximos, os parentes, o pessoal mais de casa. Aquela festa com todos os tios, primos. Já aquela festa de um aninho com mais de cem adultos é mais difícil hoje em dia. A festa fica limitada a uns 40 adultos, no máximo, e as crianças. Elas ficam sozinhas na maioria dos eventos e os pais vêm buscar no final – comenta Letícia.
Na visão da proprietária, as festas atualmente ganharam um significado maior:
–Tem aquele desejo reprimido dos pais, a criança também vai alimentando a expectativa. Então, ela já chega falando “tia, eu quero a minha festa assim, eu vou convidar a fulana, a ciclana”, sabe? Tem um desejo maior, é muito mais significativo fazer uma festa hoje em dia do que lá em 2019 – conta.