Com a conjugação de vendas em lojas físicas ou pela internet, o comércio volta a respirar. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram crescimento lento do comércio varejista no Brasil. Em relação ao patamar pré-pandemia, de fevereiro de 2020, a alta nas vendas foi de 3,9% em maio (e 1,2% no varejo ampliado, que inclui veículos e material de construção). Além disso, em 2022, o acumulado nacional é de 1,8%, apesar de maio ter o menor crescimento, de 0,1%. A mesma pesquisa aponta crescimento de 3,1% no Rio Grande do Sul.
O presidente do Sindicato do Comércio Varejista (Sindilojas) de Caxias do Sul, Rossano Fernando Boff, analisa que houve a sazonalidade a nível nacional, mas alerta que os dados não parecem se refletir na realidade de Caxias do Sul.
Na segunda maior cidade do Estado, o setor tem crescimento de 9,4% nos cinco primeiros meses do ano, conforme relatório da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias (CIC) e Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL). Para Boff, a perspectiva é de que a economia do comércio caxiense estabilize, até mesmo pela variação do preço dos combustíveis.
— Estamos otimistas. Se continuar assim, o ano vai ter um bom fechamento — avalia Boff.
Os dados positivos trazem confiança, mas Boff analisa que o comércio ainda está em recuperação. Nos dois primeiros meses de 2020, antes da restrição de atividades presenciais na cidade, o setor estava em crescimento, o que fez com que lojas planejassem grandes vendas. Com o fechamento nas semanas seguintes, muitos estoques ficaram parados e causaram endividamentos.
— O 2021 foi satisfatório. Foi um ano de colocar muito estoque para fora. O inverno foi bom. Mas, a cicatriz e aquela ferida financeira nas empresas continuam. A recuperação é a médio e longo prazo. Não se recupera a retração de dois anos em seis meses, isso é impossível. A gente ainda acredita que em 2022, talvez início de 2023, o comércio tomará um fôlego, se esse crescimento continuar. Precisa de um ano ou dois, no mínimo, para se restabelecer e respirar com tranquilidade — avalia o presidente do Sindilojas.
Conforme os dados nacionais do IBGE, há setores que aparecem ainda abaixo do patamar pré-pandemia, como de vestuário (-4,5) e móveis e eletrodomésticos (-13,9). Do outro lado, em maio, apresentam resultados positivos os artigos farmacêuticos (22,4) e materiais de construção (7,5%). Confira os números no quadro ao lado.
Outro aspecto importante a destacar é o índice da pesquisa MCC-ENET (indicador que faz acompanhamento do desempenho do comércio varejista online brasileiro). A análise aponta que as vendas pela internet continuam em crescimento no Brasil. Em comparação ao primeiro trimestre de 2021, e-commerce registrou alta de 12,59% neste ano. É um cenário que ganhou força em razão das restrições da pandemia e segue avançando.
Mudança de comportamento
Além das vendas e dos faturamentos, há outras formas de as empresas ainda sentirem o impacto dos últimos dois anos — o que pode ser permanente. Em diferentes setores, surge uma nova relação entre consumidores e lojistas. O distanciamento social, por exemplo, trouxe mudanças no comportamento, que segue se adaptando aos novos tempos. Na Rock Tintas, há quase 47 anos no mercado, a proprietária Cíntia Montemezzo, 45 anos, conta que muitos clientes aderiram ao formato "faça você mesmo". Ou seja, não contratam pintores e assumem a mão de obra. Com isso, a loja viu crescer a venda para pessoas físicas, ao passo que a comercialização para empresas teve queda.
O comércio de material de construção ficou aberto no período das restrições por ser fornecedor de estrutura para serviços de saúde.
— É difícil uma pessoa que não fez uma mudança em casa na pandemia, né? Mesmo que tenha diminuído a venda para esse público em 2022, percebemos que o hábito de cuidar melhor da casa deve permanecer — compara Cíntia, filha de Roque Montemezzo, fundador da loja.
Essa mudança no comportamento levou a loja a investir em produtos que facilitem a pintura para quem não é profissional da área. Outra novidade foram as vendas online, que cresceram entre 35% e 38% durante a pandemia, e mantiveram incremento de 30% neste ano.
— Quem se aventurou a comprar pelo online, gostou e continua. Mandamos fotos, mandamos simulações, fazemos a venda e mandamos entregar — relata Cíntia.
Neste ano, a loja conseguiu retomar o faturamento de 2019, após passar por queda de aproximadamente 15% durante o auge da pandemia. A negociação com empresas ainda segue como importante para a loja.
A experiência da compra também é importante. A loja física não vai morrer. As pessoas ainda querem. 'Se estou triste, vou na loja', sabe? As pessoas ainda querem essa experiência
FABRICIA MACHADO
Lojista
— O setor do material de construção, dentro do varejo, foi o que menos sofreu. Outros setores como vestuários, calçados, tiveram impacto muito grande. Nós não em virtude dessa mudança, dessa iniciativa dos consumidores e dessa necessidade — observa Cíntia.
Do online para loja física
Quem iniciou a trajetória já no mercado online foi a grife de moda e de artigos de luxo Sociéte des Poetes, lançada em abril do ano passado. Por ser uma marca nova, o empreendimento da garibaldense Elenir Sebben teve vendas dentro do esperado no modelo online.
Mas, na última quinta-feira (14), a grife iniciou uma colaboração com a loja Ateliê Donna, no bairro São Pelegrino, para vendas físicas. A Sociéte des Poetes, assim, fez o movimento contrário do considerado "tradicional". Uma razão para isso é um costume que permanece presente entre os consumidores: a possibilidade do toque e de experimentar as peças.
O diretor criativo da grife, o designer Sergio Lopes, 57, percebeu que a marca precisava do teste após uma viagem dele a Foz do Iguaçu (PR), quando amigas pediram que levasse as roupas para provarem. Na ocasião, as cerca de 20 peças que foram na mala foram vendidas. O sentimento voltou a se mostrar correto na estreia da Sociéte des Poetes em espaço físico, quando as vendas, em um lançamento para cerca de 40 pessoas, surpreenderam os envolvidos. O designer observa que o público-alvo da marca, que é feminino, tem relutância em comprar online. Além disso, são clientes que podem comprar pela "empolgação" ao experimentarem ou colocarem a mão em uma peça.
— Tem pessoas que compram na internet aquilo que elas já conhecem, principalmente roupa. Qualquer produto. Se tu conhece e tu já provou, tu compra. Se tu não conhece e for acessível, tu compra. Se precisar desembolsar um valor maior e não ter a experiência e nenhum amigo teu consumiu, tu reluta e muito — observa Lopes.
O designer também nota que, no Brasil, compradores acima de 50 anos também possuem dificuldade de lidar com compras na internet, por mais que os sites sejam montados cada vez mais com o objetivo de facilitar a aquisição.
— Eu acho que a gente tinha que fazer uma experiência do físico, pelo menos para passar esse desejo das pessoas de sentir, provar e ter esse conhecimento para depois reforçar o online. Talvez seja uma resposta para essas coisas de venda online mais lentas — pondera o designer.
A importância da loja física também é avaliada por Fabricia Machado, proprietária do Ateliê Donna. A lojista sente que os consumidores procuram a experiência do atendimento. Mesmo na pandemia, e ainda hoje, clientes se adaptaram ao atendimento online, feito por aplicativo de conversa. Na troca de mensagens, os consumidores continuam conversando com os vendedores e podem ainda receber imagens e vídeos dos produtos.
— A experiência da compra também é importante. A loja física não vai morrer. As pessoas ainda querem. "Se estou triste, vou na loja", sabe? As pessoas ainda querem essa experiência — descreve a lojista, analisando que o gaúcho é um consumidor que gosta de estar aproveitando também o ambiente.
Antes da pandemia, Fabricia já utilizava o formato online. Até por isso, o negócio não sentiu o impacto no período, conseguindo manter toda a equipe, de quatro pessoas. Hoje, o modelo de venda é uma fatia importante da loja.
Pensando na experiência, Fabricia, realizará novos encontros temáticos sobre os cinco sentidos e a moda. A ideia partiu de Sergio Lopes, que no lançamento da venda física de A Sociéte des Poetes tratou sobre o olfato. As reuniões contarão com coleções vendidas no Ateliê Donna e estilistas convidados, e devem ocorrer a cada 20 dias.
Sonho reinventado
Com a pandemia, uma família tomou a decisão de reinventar o próprio negócio. Ismael e Vanderleia Ventura, ao lado dos filhos Ismael Júnior e Vinícius, transformaram a Casa dos Colchões, um negócio de mais de 20 anos, em Ventura Colchões, para dar uma personalidade ao empreendimento. Com duas unidades em Caxias, e totalmente administrada pela família, a loja sente a retomada, com a possibilidade de concretizar os planos traçados na mudança de marca. Já na pandemia, os empreendedores conseguiram colher bons resultados, frutos do atendimento online.
— O pessoal ficou muito tempo em casa que decidiu que tinha que trocar colchão, que o travesseiro não estava muito bom. Com o atendimento online, não paramos — afirma Ismael Júnior, 24.
Assim como em outros setores, as vendas pela internet cresceram. Mas, os proprietários destacam que, hoje, o cliente passa na loja para ver o produto, para apenas depois concluir a compra.
— Às vezes, eles têm que vir até a loja para deitar no colchão, e depois fechar a compra por WhatsApp — conta Ismael Júnior.
Outra mudança com a pandemia é que a loja ficou totalmente familiar. Com a saída de três colaboradores da Ventura Colchões, mas não por necessidade, como contam os proprietários, a família assumiu as funções de venda e até de frete, quando necessário, além de administrar o negócio. No momento, também há planos para contratações.
Unindo forças no setor de eventos
A pesquisa realizada pelo IBGE foca no comércio, mas outro segmento que vive um momento de transformação é o setor de eventos. No mundo inteiro, empresas que prestam esse tipo de serviço foram extremamente impactadas. Em Caxias, empreendedores do ramo uniram forças para enfrentar a nova realidade. Fábio Oliveira, da Progressiva Som e Luz; Éder Maldaner, da VIP Som e Luz; Samuel Antoniazzi, da Wide Audiovisual; e Saimon Bittencourt colaboram para formar o Aero Estúdio Digital.
Oliveira, 51, relata que ficou dois meses sem qualquer rendimento na pandemia. Para manter a equipe de seis funcionários e pagar as contas, o empresário aderiu a programa de auxílio do governo e adquiriu empréstimos. Aos poucos, o dono da Progressiva, que está há mais de 20 anos no mercado, encontrou a saída para oferecer o serviço a partir de um estúdio, como se popularizou na época. Quando surgiu o pedido de uma palestra online, o grupo enxergou uma oportunidade que mudou o jogo.
— A demanda foi tão grande e tão aceita no mercado, que quando terminou a pandemia, as empresas pediram para que continuássemos nesse formato. Resolvemos um baita problema das empresas, reduzindo custos, economizando tempo e dando agilidade para isso tudo — destaca Oliveira, lembrando que hoje muitos eventos acontecem no formato híbrido ou com transmissões ao vivo.
No início, os empreendedores formaram uma parceria de dois anos com o Chateau Lacave, utilizando o espaço para as transmissões. Hoje, a colaboração é com a Câmara de Indústria e Comércio (CIC) de Caxias do Sul. Oliveira garante que a pandemia foi apertada financeiramente, mas que foram anos de muito aprendizado, o que dá uma vantagem ao grupo na retomada atual.
— O retorno dos eventos está sendo mais rápido para nós do que para outras empresas por termos mergulhado nesse novo formato — pontua o empresário.
O Aero atende, atualmente, diversas empresas da Serra. A parceria entre os empresários, inclusive, continua. Com a demanda grande, o grupo conseguiu retomar o faturamento de 2019.
— O que está legal são essas cabeças todas trabalhando juntas para entregar um produto final muito superior. Nós enxergamos que estamos no caminho certo. Se continuar do jeito que está, vamos estar diferenciados no mercado — celebra Oliveira.