A crise econômica agravada pela pandemia de covid-19 vem gerando um aumento no endividamento das famílias gaúchas. Os dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência dos Consumidores Gaúchos (PEIC-RS), divulgada pela Fecomercio neste mês, apontou que 96% dos entrevistados tinham algum débito em aberto, sendo que 2,4% não têm condições de quitá-los.
Esses passivos podem virar uma bola de neve, comprometendo praticamente toda a renda do cidadão e impedindo-o de ter um mínimo para sobreviver, o que caracteriza um quadro de superendividamento. Esse cenário é tão preocupante, a ponto de, no ano passado, ser sancionada a lei nº 14.181/21 – atualizando o Código do Consumidor – que dispõe sobre a renegociação dessas dívidas em uma conciliação judicial.
Em Caxias do Sul, uma união de esforços entre o Procon, o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) e o Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG) colocará em prática essa legislação, servindo de suporte à população que se enquadrar no status de superendividamento.
O programa deve iniciar os atendimentos até o final do primeiro semestre, já que a minuta sobre o papel de cada instituição dentro desse processo ainda está sendo alinhada e será finalizada até o final de abril. Essa será a primeira ação do tipo no interior do Rio Grande do Sul — por enquanto, só Porto Alegre tem algo nesse sentido.
— A gente entende que o superendividado é aquele que, com seu rendimento, não conseguirá pagar o seu débito e garantir o mínimo existencial para sua sobrevivência — explica Jair Zauza, diretor do Procon de Caxias do Sul.
De fato, o conceito para o superendividado é algo vago. Sequer a lei determina o quanto da renda deve estar comprometido com dívidas para caracterizar a condição. E ainda existem débitos que não foram enquadrados (veja quadro abaixo).
Segundo Zauza, cerca de 10 pessoas por mês buscam informações para saber se estão nesse contexto, o que mostra que existe demanda para o programa, que vai envolver a FSG com assessoria jurídica, psicológica e econômica, além do Cejusc, que é o responsável pelas audiências de conciliação (previstas em lei).
— Eles (consumidor e advogados cedidos pela FSG) ingressam com um pré-processo para chamar todos os credores dessa pessoa e fazer uma composição, que será realizada pelos mediadores e conciliadores que trabalham no judiciário. O juiz homologa essa composição e vira um título executivo judicial. Isso ajudará as pessoas a terem um mínimo existencial e conseguirem também pagar as suas dívidas — pontua Kelen Toss de Lima, secretária executiva do Cejusc Regional de Caxias.
O consumidor também precisa compreender que a conciliação acaba se tornando mais barata por diversos fatores. Além de manter os valores mais baixos do que seria discutido em um processo, a partir do momento em que o título judicial é determinado, o consumidor volta a ter poder de compra e seu nome sai dos cadastros de devedores.
— Entende-se, pelos requisitos da lei de superendividamento, que a pessoa, por todo o transtorno e dificuldade que passa, precisa de um apoio além do jurídico para poder superar essa dificuldade. Ao invés de ir para um processo judicial que, por regra, é caracterizado por um conflito, essa sistemática proposta vai permitir que o diálogo seja mais aberto, franco, objetivo e realista com seus credores — explica Fábio Scopel Vanin, coordenador do curso de Direito da FSG.
O apoio psicológico e financeiro que será colocado à disposição dos endividados pela FSG ainda não tem uma definição do número de estudantes e professores que vão participar. Esse suporte será de acordo com a demanda.
Como o Cejusc tem abrangência regional, o projeto também será ampliado para os municípios de São Marcos, Flores da Cunha, Antônio Prado, Garibaldi, Carlos Barbosa, Veranópolis, Vacaria e Bom Jesus.
Dívidas que não se enquadram na lei
:: Créditos consignados.
:: Indenizações, pensão alimentícia ou dívidas fiscais (multas, impostos e similares).
:: Dívidas educacionais.
:: Dívidas já judicializadas.
Como acessar o serviço
:: A pessoa precisa procurar o Procon para avaliar se está enquadrada dentro do programa.
:: Comprovando o quadro de superendividamento, o consumidor será encaminhado à FSG, onde receberá atendimentos jurídico, psicológico e tributário.
:: O Escritório Modelo de Advocacia Cidadã (Emac) ingressa com o pré-processo no Cejusc, onde um mediador fará a negociação entre devedor e credores.
:: As condições de subsistência são vagas e não determinadas dentro da lei, cabendo ao mediador determinar o quanto da renda será direcionado ao pagamento das dívidas e quanto ficará ao consumidor.
:: Os credores citados precisarão comparecer à audiência de conciliação, caso contrário, correm o risco de ficar sem ter como receber pagamento. Ou seja, os valores disponíveis pelo devedor serão repartidos entre os credores que estiverem presentes na audiência.
:: Por sua vez, os credores poderão contestar a decisão e terão 15 dias para argumentar. O juiz, então, poderá nomear um administrador para determinar um novo plano de pagamento.
:: Acertada a conciliação entre as partes, o consumidor começará pagar a primeira parcela em até 180 dias e a última não pode ultrapassar o período de cinco anos.