Mais do que provocar cenas de horror e tensão no planeta, a invasão da Rússia na Ucrânia também começa a implicar direta e indiretamente em setores econômicos da Serra mais de 20 dias após o início dos conflitos no Leste Europeu. Mesmo que de forma tímida, a região possui relações comerciais que envolvem exportação de mercadorias produzidas na Serra — negociações impactadas com as sanções econômicas impostas ao país de Vladimir Putin.
Uma das sanções que começam a ter efeitos na região foi a retirada da Rússia do Swift, um serviço global de telecomunicação entre bancos no mundo. Na prática, a medida impede a transferência de dinheiro e paralisa o comércio entre russos e demais países. Impossibilitados de transacionar no Swift, um lado não pode faturar e o outro não pode pagar pelas mercadorias. Diante desse impasse, uma carga com cerca de duas mil lâminas de serras circulares para cortes de metal, que seria entregue no país europeu na semana passada, está parada na empresa Sul Corte Importadora de Ferramentas, de Caxias do Sul.
Segundo o diretor da companhia, Paulo Antônio Spanholi, a exportação de ferramentas para o mercado russo representa 5% do faturamento da empresa caxiense, que está há quase três décadas atuando no segmento. A falta de informações em relação ao pagamento dessa mercadoria fez com que a entrega fosse adiada, o que, segundo o empresário, deve ser liberada somente após a sinalização positiva da transferência dos valores.
— Nosso maior cliente no exterior é um distribuidor russo, que estamos conversando para ver a possibilidade de continuarmos os fornecimentos. Estamos com essa mercadoria aqui aguardando um posicionamento em relação aos pagamentos. Queremos entregar, mas também queremos receber. Na terça-feira da semana passada (dia 9), tivemos um pagamento por meio de um banco russo na Áustria, mas que não fez mais operações desde então. Essa foi a última operação que fizemos com eles — explica Spanholi, que também é presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul e região (Simecs).
Nos próximos dias, uma solução aguardada pelo empresário é a possibilidade de fazer transferências financeiras por meio de instituições bancárias na China, visto que o país asiático tem adotado postura de aliado russo no campo econômico. Outra incerteza, segundo Spanholi, é em relação à interrupção temporária do transporte marítimo em direção à Rússia.
— Essa é mais uma das incertezas porque algumas empresas não estão mais carregando para a Rússia e desviando as suas rotas. Além do pagamento, também vamos precisar ir atrás para saber quais navios ainda estão passando na Rússia. É um jogo de xadrez, mas, tendo o pagamento, vamos buscar alternativas. Via aérea seria muito mais oneroso, mas também há companhias com restrições.
Como representante do Simecs, entidade que representa 3,3 mil empresas da região, Spanholi entende que as sanções econômicas impostas à Rússia deixam o país cada vez mais isolado do restante do planeta, mas que devem demorar a fazer feito no país devido às reservas financeiras. Para a economia local, ele entende que os impactos podem ser maiores com risco de elevação da inflação.
— Putin nunca mais será aceito no cenário internacional e o cerco econômico ao redor da Rússia vai aumentar. Entendo que a Otan (aliança militar ocidental) devesse aumentar o seu orçamento, se organizar e atuar mais nessas regiões. Putin fez a ação na Crimeia e não teve muitas retaliações. Dessa forma, encontra caminho livre para ir adiante, empurrando os países que fizeram parte da União Soviética no passado.
Conforme dados do sistema Fiergs, as empresas da Serra associadas ao Simecs tiveram como resultado de exportações, em 2020, R$ 6 milhões para a Rússia e R$ 1 milhão para a Ucrânia.
Maçãs de Vacaria são impedidas de embarcar
A Rússia é um dos países que mais compra maçãs brasileiras, incluindo a fruta cultivada em Vacaria, nos Campos de Cima da Serra. A Associação Gaúcha de Produtores de Maçã (Agapomi) diz não ter dados de exportação da fruta para o país europeu.
Mesmo assim, há exemplos de impacto do conflito. Segundo Rafael de Oliveira, diretor de uma empresa de representação que opera a exportação da fruta de nove produtores gaúchos e catarinenses, um contêiner carregado com 21 mil quilos de maçã Gala não pôde embarcar na última quarta-feira (2) com destino à São Petersburgo. O envio ocorre por meio do porto de Navegantes, em Santa Catarina, que informou à empresa que estava cancelando todos os envios com rota para a Rússia. Por isso, a carga retornou para Vacaria, provocando prejuízo.
— A mercadoria estava pronta, embalada, exatamente como tem que ser para exportação. Mas vinhamos conversando com o cliente porque estavamos preocupados com essa questão da guerra. Mesmo assim, nos garantiram que os pagamentos seriam feitos da forma combinada, mas o transporte não pôde ser realizado. A Rússia para a maçã é muito importante e estamos sempre em contato para manter esses clientes — afirma.
A fruta representa 21% das exportações dos produtores que ele representa. Ao todo, Oliveira coordena as exportações de nove produtores, sendo seis em Vacaria, um em Caxias do Sul e os demais de Santa Catarina. No ano passado, foram embarcados 100 contêineres com a fruta desses produtores com destino à Rússia — contabilizando duas mil toneladas de maçã. Para este ano, a expectativa dessas empresas era manter o mesmo nível de exportação, mas, com a estiagem, o número ainda é incerto devido à quebra de safra.
Nesse momento, a região está encerrando a colheita da variedade Gala — que ocorre entre janeiro e março — e deve iniciar a retirada da maçã Fuji nos próximos dias.