Antes de ser incorporado pelo marketing, persona era um termo restrito à filosofia e à psicologia, utilizado para se referir à forma como nos apresentamos ao mundo. Quando o diretor do recém-formado Núcleo de Turismo de Experiência da Câmara da Indústria e Comércio (CIC) de Caxias do Sul, Leonel Lorensi, afirma à reportagem que a cidade "precisa criar uma 'persona' de turismo", suas palavras têm muito a ver com o conceito trabalhado por filósofos e psicólogos: que cidade Caxias quer ser aos olhos do turista?
— Quando se pensa em cidades como Canela, Gramado, Bento Gonçalves, já estão associadas a elas muitas ideias do que fazer. Caxias do Sul tem uma vasta oferta de cervejarias, enoturismo, alimentação vegana, sítios de aventura, mas isso ainda está um pouco escondido. Dar essa cara turística para a cidade é um objetivo de longo prazo. No curto prazo, somos empreendedores abrindo um novo canal de turismo a fim de melhorar os resultados dos nossos negócios — explica.
O inverno, estação que se inicia hoje, é visto como uma oportunidade para Caxias mostrar o que Lorensi chama de uma forma "menos nostálgica e mais comercial" de se vender turisticamente. Essa ideia une os 18 estabelecimentos que integram a Rota Sabor & Aventura, proposta inicial do núcleo capitaneado pela CIC e desenvolvida em parceria com Sebrae, Sicredi e Secretaria Municipal de Turismo. Com o roteiro, os empreendedores querem surfar na onda de um modelo de turismo que tende a crescer nos próximos meses, como já se pôde perceber nos últimos finais de semana: viagens curtas e breves, com passeios seguros e que ofereçam a experiência mais atraente que se possa ter em meio à pandemia.
— O que motivou a CIC e os demais parceiros foi justamente a pandemia. Se os ônibus não estão vindo, casais e pequenos grupos de amigos estão. Ao mesmo tempo, o próprio público local está ávido por sair de casa e se reencontrar com a sua própria cidade — comenta Lorensi.
Cristiane Biazus, sócia da Carême Café e Pâtisserie, que desde 2018 aposta nos cafés especiais e em doces artesanais como diferencial na área central de Caxias, é uma das empreendedoras que aderiu ao roteiro. Ela corrobora a percepção de Lorensi sobre o inverno deste ano ser uma estação de reencontros.
— A gente tem recebido muitos grupos pequenos de amigos que não se viam há muito tempo, e que na primeira oportunidade de se encontrar combinam um café. São clientes que ficam mais tempo do que o normal, colocando os assuntos em dia. Também me chama a atenção que estamos recebendo bastante visitantes que moram ou têm casa em Gramado, e que viram em Caxias uma opção para dar uma escapada nos finais de semana de muito movimento por lá — comenta.
Assim como outras fontes desta reportagem, Cristiane espera ter um inverno muito mais rentável do que o do ano passado, quando os decretos eram mais restritivos. Com as portas fechadas para o público e atendimento restrito ao delivery e ao take away, teve de fazer demissões para manter o negócio de pé. A equipe, no entanto, já voltou a ter o mesmo tamanho de antes da pandemia, podendo vir a crescer. A aposta é seguir na busca pelo diferencial, especialmente com cafés estilizados, como uma variação com a tradicional grappa (ou graspa, bebida alcoólica feita do bagaço da uva) e doces elaborados para cada estação. Para o inverno, a pedida é o éclair recheado com creme de café que promete aquecer corações de caxienses e visitantes.
— O éclair é o nosso carro-chefe, por ser um doce versátil, que permite experimentar variações, é muito leve. Bom para comer sem culpa (risos). O frio chama as pessoas para um café, e estamos sentindo esse momento melhor até do que o pré-pandemia. Vale lembrar que, no ano passado, houve poucas semanas de frio mais intenso, o que para nós não é bom. Quanto mais frio, maior o movimento — avalia.
Surfar na estação
A adaptação da oferta ao inverno também foi a saída que Leonel Lorensi encontrou para alavancar seu negócio. O proprietário da cervejaria Felsen quer fisgar o público com cervejas produzidas especialmente para o consumo nos dias e nas noites mais frias, com variações cheias de personalidade de estilos como a bock, da Alemanha, e a stout, irlandesa:
— A cultura que se criou no Brasil da cerveja gelada tem muito a ver com anestesiar o paladar para o consumidor não sentir o gosto ruim das cervejas industriais, que são feitas com muita mistura química. A cerveja artesanal, pela qualidade, está fazendo mudar essa cultura e permitindo degustar cervejas saborosas e que não dependem da temperatura. Isso ajuda a explicar a febre das cervejarias artesanais, que só em Caxias são mais de 20, e nos permite surfar também na onda do inverno.
A versatilidade do pinhão
Apesar de ter tido uma das safras mais festejadas dos últimos anos, pelo segundo ano consecutivo a fartura do pinhão não pôde ser celebrada com a tradicional festa anual em São Francisco de Paula, devido à pandemia. A solução encontrada pela Secretaria de Turismo para movimentar o setor gastronômico e atrair e reter turistas foi criar o Roteiro do Pinhão, que se iniciou no último dia 11 e seguirá até 11 de julho.
Restaurantes, cafeterias e bares foram convidados a criar refeições, lanches e sobremesas com pinhão para incluir em seus seus cardápios, exclusivamente para o período do evento. Assim, surgiram desde bolo e waffle até risoto e bolinho frito, entre outras iguarias que mostram a versatilidade da semente da araucária. Se em algumas cozinhas já era praxe utilizar o pinhão durante a safra, para bares temáticos como o Taylor's Pub, voltado para a culinária tex-mex, criar um taco recheado com paçoca de pinhão foi a oportunidade de pensar "fora da caixa" para oferecer uma experiência diferenciada aos visitantes.
— Algo muito legal sobre o roteiro é proporcionar que os negócios locais sejam mais vistos, principalmente pela mídia que a prefeitura consegue alcançar. Espero que essa iniciativa prossiga quando a festa poder voltar a ser presencial, porque os estabelecimentos locais às vezes não têm condições de pagar por um estande no evento e deixam de desfrutar do movimento maior na cidade nesse período — destaca o proprietário do Taylor's, Ramiro Rombaldi.
O bom movimento de turistas, associado à divulgação nas redes sociais (afinal, tem algo mais fotogênico do que uma comida gostosa?), fez a ideia render bons feedbacks logo no primeiro fim de semana:
— Atendemos sexta, sábado e domingo e, nos três dias, vendemos o prato com pinhão não só para turistas, mas para as pessoas da cidade. O evento está só começando, mas a ideia já está aprovada — avalia Ramiro.
Sai de cena o pijama, entra a malha
Quando fala sobre a expectativa de retomada de um dos setores que simbolizam o turismo e fazem girar a economia de Nova Petrópolis, Márcio André Kny mostra ter talento para cronista do cotidiano, pela simplicidade com que resume algumas questões.
— As pessoas ficaram um ano trabalhando em casa, de pijama, agora que estão podendo sair de casa precisam renovar o guarda-roupas. O cliente é o cidadão comum, não é um alien. Ele consome de acordo com a necessidade — analisa a respeito do vigoroso incremento de 200% que projeta nas vendas da sua malharia em relação ao crítico inverno de 2020.
Proprietário da Mr. Kny, que tem três lojas na cidade, Márcio preside a Associação de Malharias de Nova Petrópolis e Picada Café. O setor se mobilizou para receber o inverno com a primeira Tricofest, que acabou sendo cancelada, assim como o tradicional Festimalha, por conta das restrições de circulação.
— Achamos mais prudente não realizar este ano, principalmente pela regra que permitia uma pessoa a cada oito metros quadrados no estande. Ou seja: um vendedor e um cliente. Para um evento visitado por famílias inteiras, não funciona — explica.
Menos mal, contudo, que as expectativas de venda são favoráveis. A chegada do frio, ainda no outono, podendo receber os clientes, incrementou as vendas e trouxe otimismo para as mais de 40 malharias da cidade. Sentimento que se reflete em todo o setor turístico:
— Temos a felicidade de contar com o incentivo da prefeitura, que tem o entendimento de que, quando um visitante chega a Nova Petrópolis para comprar uma malha, todos os setores se beneficiam: o restaurante, o bar, a pousada. Ninguém sai da sua cidade para vir fazer apenas uma coisa.
Em Gramado, triunfa a tradição
Seja pela mídia ou pelas redes sociais, em algum momento tu já deparaste com a notícia de um novo estabelecimento gastronômico chegando a Gramado, o que provavelmente te fez pensar: "não há o que não tenha em Gramado". E é verdade. Porém, em meio a tantas novidades, convém não menosprezar o poder da tradição: nada foi capaz de rivalizar com o mais tradicional dos chamarizes da Região das Hortênsias: o fondue.
Proprietária de um dos mais tradicionais restaurantes que servem o fondue como carro-chefe do cardápio, o Swiss Cottage, Joseana Wiltgen soube que este ano poderia ser melhor quando, ainda em fevereiro, esgotou as reservas para o Dia dos Namorados. Era só uma questão de os decretos ajudarem para o restaurante poder atender e o público voltar.
— Ano passado, tive que demitir nove dos 15 funcionários, mas já conseguimos readmitir todos. A expectativa é muito boa, pelo que já temos de reservas para os próximos meses. Devido à pandemia, estamos trabalhando apenas com reservas, para não formar filas e ter um atendimento mais controlado. Como o restaurante existe desde 1995, fidelizamos muitos clientes que vêm do Brasil todo e se programam com muita antecedência. Neste momento, contudo, estamos podendo contar mais com o público regional e de Santa Catarina — comenta Joseane.
A popularidade do fondue é tamanha que, apenas na Avenida das Hortênsias, Joseane disputa clientela com pelo menos outras 20 casas que servem o prato de origem suíça. Para não perder o protagonismo, a Swiss Cottage, que serve em média três mil fondues por mês, passou a apostar em opções para o público que tem restrições alimentares:
— Começamos a ver que muitos clientes que acabavam pedindo nossas opções a la carte queriam, na verdade, o fondue, mas eram intolerantes a trigo ou leite. Criamos opções sem trigo e lactose, tudo com muito rigor, passando por diversos testes, e o resultado foi muito positivo. Agora estamos estudando criar uma opção para os veganos, com leite de castanha-do-pará.
As pessoas vão viajar cada vez mais
Entre as poucas certezas que se pode ter para o futuro próximo, em que a pandemia não terá saído totalmente de cena, mas no qual a vacinação avançada permitirá viver com menos restrições, é a de que os cuidados sanitários irão continuar pautando as tomadas de decisões dos turistas. Pensando em oferecer um norte aos empreendedores que dialogam direta ou indiretamente com o turismo, o Sebrae-RS elaborou o "Estudo de Turismo: o novo normal (pós-vacina)", disponível na internet em https://bit.ly/3gAKEzm.
A ampla pesquisa (132 páginas) traça algumas tendências de consumo que já podem ser antecipadas e dá dicas para os negócios se manterem competitivos a fim de atender consumidores mais exigentes e inteirados, que cada vez mais irão buscar equilibrar bem-estar e saúde física e mental. A boa notícia, que permeia o estudo, é: as pessoas irão querer viajar cada vez mais. Confira alguns pontos do levantamento:
Tendências para as próximas viagens
Preferência por lazer ao ar livre
Mais viagens de carro e menos de avião
Mais higiene
Turismo de isolamento
Flexibilidade (de roteiros)
Voucherização (compras com antecedência)
Menos ostentação, mais bem-estar
Principais destinos escolhidos
Grandes cidades: 26%
Parques nacionais: 22%
Cidades turísticas: 26%
Praias: 26%
Montanhas: 30%
Locais afastados das grandes cidades: 22%
Planos de viagem
Celebrar com uma viagem especial: 70%
Passeios com a família: 53%
Viajar com mais frequência: 50%
Programas ao ar livre: 46%
Evitar aglomerações: 40%
Companhia
Sozinho: 20%
Com amigos: 25%
Em casal: 38%
Em família: 44%
Confira o estudo completo: https://bit.ly/3gAKEzm