Há algumas décadas, quem ousasse falar que haveria carros elétricos trafegando pelas ruas de uma cidade como Caxias do Sul seria tachado de maluco. Porque cenas como essa seriam apenas fruto do enredo de um filme de ficção científica. No entanto, há mais de 15 anos, alguns visionários, desde as pequenas às grandes empresas, já desenhavam seus projetos, tentando encaixar a visão de mundo futurista à realidade baseada em muita pesquisa, criatividade, dedicação e trabalho. Antes de a palavra inovação fazer parte da linguagem de hoje, já havia, mesmo aqui em Caxias, quem se dedicasse a pensar em novas soluções de mobilidade eletrificada, híbrida ou a hidrogênio.
Um desses visionários é Alexandre Waltrick, atual proprietário da Scooter Center, que vende motocicletas, bicicletas e patinetes em modelos elétricos. Nessa reportagem, vamos contar a história da Zoom Car, empresa que ele criou para a fabricação de pequenos veículos elétricos, como carros de golfe, e usados também dentro das fábricas ou na agricultura. Vamos abordar ainda quais os produtos e lançamentos que empresas como Randon, Marcopolo, Agrale e FNM estão projetando para o mercado. E vamos contar tudo sobre o Audi e-tron, o carro elétrico mais vendido no Brasil, em 2020. Foi uma concessionária de Caxias do Sul, aliás, que comercializou a primeira unidade entregue no Estado.
A tendência mundial na fabricação e aquisição de veículos não-poluentes parece que chegou no Brasil para ficar. A Associação Brasileira do Veículo Elétrico diz que 19 mil veículos elétricos foram emplacados no Brasil em 2020. O resultado é 60% maior do que em 2019 e três vezes superior a 2018, demonstrando que o crescimento realmente acompanha a tendência mundial. As vendas excluem ônibus, caminhões e outros veículos como motocicletas e e-bikes.
Em 2020, o Instituto Big Data realizou uma pesquisa importante que aponta a tendência de comportamento de consumo do brasileiro. Foram entrevistadas 2 mil pessoas com mais de 16 anos, por telefone, em março do ano passado. Ao longo de três anos, entre 2017 e 2020, conforme monitoramento do instituto, aumentou de 46% para 71% o número de brasileiros que consideram a possibilidade de seu próximo carro ser elétrico. Enquanto que 91% defenderam que houvesse ônibus elétricos em maior quantidade circulando em sua cidade.
Os mesmos entrevistados foram ainda questionados a respeito de sua percepção quanto à qualidade do ar em suas cidades. Do total, 42% consideraram regular; 29%, ruim/péssima; e 28%, boa/ótima. Quando perguntados sobre a principal causa da poluição, 42% apontaram os carros; 19%, as indústrias; 18%, os ônibus; e 11%, os caminhões. Aliás, a poluição é um dos desafios globais para as próximas décadas. Diversos acordos têm sido traçados e assinados ao longo das últimas décadas visando a urgente melhora da qualidade do ar.
Segundo dados da World Resources Institute (WRI Brasil), estima-se que a poluição do ar nas principais regiões metropolitanas e capitais do Brasil esteja ligada a cerca de 20,5 mil mortes ao ano em decorrência de doenças cardiovasculares e respiratórias e seja responsável, ainda, por 5,2% das internações de crianças e 8,3% de adultos (por doenças respiratórias). Ou seja, em termos comerciais, o desafio da redução da poluição global passa por uma tendência de consumo mais interessada na mobilidade por meio de veículos não poluentes, como os elétricos. Em termos de compra, o preço pode ser o fator decisivo.
Waltrick, o visionário
Há histórias que inspiram, apesar dos seus desfechos nem sempre serem os melhores. Em meados de 2000, o empresário Alexandre Waltrick fundou a empresa Zoom Car, que revendia veículos elétricos de pequeno porte, como aqueles usados em campos de golfe fabricados pela companhia americana Club Car. Os consumidores eram condomínios, aeroportos, empresas de logística e grandes fábricas, porque se tratam de veículos pequenos e versáteis. Um dos entraves desde aquele tempo é o custo de importação.
– O país ainda não se modernizou para a importação desses veículos. O veículo paga 35% de IPI e mais 18% de imposto de importação, que repercute no preço final muito alto – revela.
Para driblar a inviabilidade do negócio, Waltrick passou a investir na fabricação das peças para reposição e kits para transformação de um modelo de passageiros para carga ou para aumentar o tamanho dos veículos.
– Fomos evoluindo a ponto de fabricarmos esse carro em Caxias. Desenvolvemos um chassis sem solda, moldado e parafusado. Usávamos motor e bateria nacionais e tecnologia caxiense. Comprávamos de fora apenas os kits de carenagem e painel – narra Waltrick.
O empresário conta que as constantes crises econômicas e a necessidade de alto investimento para viabilizar o futuro da companhia fizeram com que ele vendesse a empresa em 2016. Agora é a Tramontina quem fabrica e revende os carros criados e desenvolvidos por Waltrick.
– A ideia era muito interessante, porque era um chassis modular, sem solda e destinado a baixos volumes. Nós fomos a única empresa no Brasil que conseguiu fazer isso, e por mais tempo, porque todas as outras concorrentes já haviam desistido – destaca ele.
Atualmente, o empresário revende motocicletas, bicicletas e patinetes elétricos na loja Scooter Center, no centro de Caxias do Sul. Entre os modelos, são três scooter, em design tradicional, arrojado e clássico, com preços a partir de R$ 9 mil, com autonomia em torno de 40 a 50 quilômetros, com uma bateria que pode ser recarregada em tomadas comuns. Waltrick explica que os modelos de scooter elétricos têm 70% a menos de peças do que um modelo a combustão.
– Um dos desafios do mercado continua sendo a revisão da tributação. Porque lá fora, um modelo desses que vendemos aqui custa 600 dólares. Mas, temos de vender a R$ 10 mil por causa da alta tributação.
Audi e-tron, o carro elétrico mais vendido em 2020
Em meio a uma pandemia, que tem provocado uma crise econômica sem precedentes, o Audi e-tron, que custa mais de R$ 500 mil, foi o carro elétrico mais vendido do Brasil, em 2020. A primeira unidade a ser vendida no Estado foi a partir da Audi Top Car, de Caxias. Até agora a concessionária caxiense já vendeu seis e-trons.
Esse modelo é equipado com dois motores elétricos silenciosos, que combinam para uma potência total de 408 cv com 664 Nm (Newton metro) de torque. Por ter torque instantâneo, completa 0-100 Km/h em 5,7 segundos, com velocidade máxima limitada eletronicamente em 200 Km/h.
– Quando tu encosta no acelerador de um carro elétrico, como o e-tron, imediatamente ele despeja 400 cavalos de potência. É uma aceleração contínua. Eu falo para os meus clientes, brincando: “Acelera até onde tu tem coragem, porque parece que não tem fim” – explica Samuel Affonso, executivo de vendas da Audi Top Car, de Caxias do Sul.
Além de ser movido a eletricidade, esse modelo tem uma série incontável de itens de tecnologia agregados. Por exemplo, há um pacote de itens de segurança que avisa sobre a iminência de uma colisão ou do perigo quando os passageiros estiverem saindo do veículo. Os retrovisores do carro são virtuais e contam com câmeras cujas imagens são processadas digitalmente e exibidas nos monitores internos laterais de 7 polegadas, cujo brilho se ajusta automaticamente. Além disso, o motorista pode optar por módulos de dirigibilidade programados para diferentes condições de terreno, que ajusta inclusive a suspensão do veículo.
Affonso explica que o carro tem o custo dos similares na mesma categoria, mesmo no comparativo com outras marcas. Mas, um dos argumentos de venda é explicar aos clientes que no RS há isenção de IPVA para veículos elétricos.
– Em uma das minhas últimas vendas, fiz os cálculos para o cliente, explicando que, em três anos, ele teria uma economia de mais de R$ 70 mil, em um comparativo com outro carro da Audi, como o Q7. Só de IPVA, por ano, ele iria economizar em torno de 14 mil. Isso que em nem contabilizei o custo com combustível – revela.
O executivo de contas da Audi Top Car reconhece que o veículo é de alto padrão, mas ele estima um aumento nas vendas, porque as pessoas estão, sim, mais preocupadas com o meio ambiente. No entanto, a decisão de compra ainda é financeira, no comparativo entre custos de manutenção e abastecimento.
O Audi e-tron pode ser carregado em tomadas de três pinos, aterradas, como as das residências, mas vai levar quatro dias para a carga total. Se for conectado a uma ligação trifásica de cinco pinos, vai carregar a 11kw/hora, como nas estações de carregamento, e que podem ser adaptadas nas residências. Nesse caso, a carga total estará completa em 8 horas.