Menos de um mês após o início da pandemia e das medidas de restrições econômicas, empresas brasileiras já pediam socorro. É claro que o perfil de negócio, o seu porte e o segmento ao qual pertence uma empresa influenciam para a capacidade de sustentabilidade financeira. Ainda assim, em boa parte dos casos, o apuro decorreu também de equívocos de gestão administrativa.
Leia mais
O Futuro da Economia
O futuro da economia: o Estado é do tamanho da urgência
O futuro da economia: a tendência é aproximar pessoas
Culturalmente, o dono de negócio brasileiro confia em seu instinto criativo e empreendedor e às vezes esquece que uma empresa também depende de acompanhamento e reorganização constantes.
Para a 13ª matéria da série Futuro da Economia, abordamos o tema Gestão do Negócio. Sobre o assunto, foram entrevistados o analista de soluções do Sebrae, Saulo Morschel e o COO da Sirros IoT, Diego Schlindwein. A Sirros IoT é uma empresa especializada em sistemas de controle smart manufacturing e consultoria tecnológica. COO é a sigla inglesa para "chief operating officer", cujo significado é diretor de operações, ou chefe executivo de operações, na prática, o braço direito do CEO, ou presidente da corporação.
Enquanto Morschel destacou os aprendizados que poderão ser extraídos do período traumático de enfrentamento à pandemia, especialmente para fortalecer noções de estratégias para micro e pequenas empresas, Schlindwein exaltou que a experienciação forçada de muitos donos de negócio com a tecnologia pode reverter uma cultura até então resistente de adesão à modernização de processos.
Confira a seguir as entrevistas com os dois especialistas.
"A digitalização é possível em todos os processos"
Diego Schlindwein: COO da Sirros IoT
PROVAÇÃO TECNOLÓGICA
"Cada vez mais vemos que indústrias que não passam por processo de digitalização estão ficando cada vez mais para trás. Antigamente, uma empresa nova surgir e ocupar seu espaço era muito difícil. Hoje não, pode surgir qualquer empresa, até uma startup, então cada vez mais as indústrias estão mais em busca de diferenciação, e isso passa muito por produtividade, ter um parque mais eficiente, o que demanda se apropriar de informações por meio da modernização dos processos. Na pandemia, muitas empresas diminuíram pessoas que estavam no parque industrial e foram simplesmente forçadas a passar por esse processo de automação. Assim, muitos tiveram que inovar muito rápido em alguns processos. Portanto, já durante a pandemia a digitalização ganhou muita força, foi quando se viu muito os benefícios dela, tanto que as empresas que já estavam digitalizadas antes da pandemia o impacto (econômico) foi muito menor."
DIGITALIZAÇÃO ALÉM DA PRODUÇÃO
"Com a tecnologia, há uma gama de automação de processos que não se imagina. A digitalização é possível em todos os processos, RH, produção, marketing... Todas as áreas das empresas têm possibilidade de utilizar algum tipo de tecnologia para se digitalizar. E pode ser bastante simples, até acesso remoto de casa que muitos estão operando atualmente, isso já pode ser considerado início de uma digitalização. De certa forma, a pandemia forçou essa abertura, a empresa teve que se abrir, pois não tinha opção, e isso vai se manter, se girou uma chave que vai favorecer muito a digitalização das empresas, abriu muito a cabeça da gestão de como isso facilita o trabalho como um todo. Esperar um mês para fazer o fechamento de uma empresa, isso não cabe mais. Na pandemia, se tivesse que tomar uma decisão de 30 dias atrás já não serve para nada, ou já estou atrasado, enquanto meu concorrente pode estar fazendo esse acompanhamento dia a dia."
CAMINHO SEM VOLTA
"As empresas brasileiras ficaram um pouco atrás dos outros mercados, mas hoje elas percebem que não adianta, tem de digitalizar, aumentar a eficiência produtiva. Cada vez mais empresas estão oferecendo tecnologia, e de forma mais barata. E isso tende a baratear e se democratizar. O próprio uso do e-commerce não deixa de ser uma tecnologia, uma digitalização. E a gente viu diversos pequenos e microempresários sendo salvos por causa do e-commerce. Eles foram obrigados a entrar num outro canal que achavam difícil, complexo, e quando veio a pandemia se obrigaram a aderir. E se consegue hoje manter um e-commerce com o valor que se paga um plano de telefonia praticamente. E isso é só a pontinha do iceberg, se (o empresário) for para o mundo virtual, vai começar a perceber que pode ter o controle da empresa online. Tem empresas que oferecem para pequeno empreendedor um algoritmo de inteligência artificial que sugere para ele quais as compras que ele deve fazer para não ter estoque demais e o foco do produto são conveniências. Então, são pequenos empresários que podem ter um algoritmo que controla o estoque para ele e por um custo extremamente acessível. Ele pode se digitalizar sem entender muito e sem perceber."
GESTÃO COLABORATIVA
"A gente fala muito de gestão aberta, que é quando a empresa deixa de fazer tudo sozinha e de se fechar no mundo dela e começa a receber parceiros, startups, empresas, para conversar, trocar ideia, desenvolver produtos juntas. As empresas percebem que é uma vantagem competitiva, pois ela desenvolve uma tecnologia às vezes em 90 dias, o que demoraria três anos para fazer sozinha. Pode ser feita uma gestão a quatro mãos, o fornecedor sugerir as melhores opções para sua empresa baseado nas informações que você repassa para ele. Acredito muito na gestão colaborativa e aberta para o futuro. Tem muitos pequenos empresários que trabalham sozinhos, ficam muito imersos dentro do seu próprio negócio e às vezes não consegue nem levantar a cabeça para olhar ao redor. Para ele um grande aliado vai ser sim o parceiro ou parceiros tecnológicos que ele escolher."
"Vão ser decisões mais planejadas e pensadas"
Saulo Morschel: Analista de soluções do Sebrae RS
PLANEJAMENTO E CONTROLE
"A pandemia deixou grandes aprendizados sobre ter controle, por mais simples que seja, mas ter uma organização. Ter um fluxo de caixa organizado, conhecer os próprios custos e a necessidade de capital de giro. Tendo um fluxo de caixa, você pode ter previsão de quanto precisa vender para que seu negócio fique ativo e até onde pode ir ou se precisará de capital externo para aportar recursos, o quanto tem de fôlego. Então, mesmo controles financeiros mais básicos, como fluxo de caixa, quanto a pagar, quanto a receber, ajudam nisso. Com um planejamento financeiro bem estruturado, é possível ter uma gestão do que se precisa ter em caixa para suportar um momento semelhante ao que vivenciamos."
CAUTELA EM INVESTIMENTOS
"Muito mais cauteloso. Vão ser decisões mais planejadas e pensadas. Se se abria mão de fazer planejamento e se partia direto para a ação, isso acredito que vai mudar. Mesmo com recursos à disposição, haverá muito mais reflexão se esse recurso será investido. Os movimentos serão muito mais planejados, sem ser uma decisão tanto na emoção. Precisa ter fluxo de caixa organizado para se ter um horizonte. Oquêi, farei investimento, mas em quanto tempo terei retorno? E esse retorno valerá esse investimento?"
ADAPTAÇÕES E AJUSTES
"Modelos da forma que operavam antes da pandemia precisarão ser reinventados, pois, além da mudança de hábitos de consumo, há coisas que vieram para ficar, que a pandemia acelerou de uma maneira que não voltará mais. Acredito que muitos negócios precisarão mudar seu modelo e forma de atuar para se manter competitivos. Nisso, os pequenos negócios têm maior vantagem em poder se readaptar ou redirecionar seu produto. Por muitas vezes terem estrutura mais enxuta, uma forma de operação mais dinâmica, eles conseguem se adaptar muito mais fácil que grandes empresas, que têm dificuldade maior de fazer a virada de chave. É uma vantagem que pode ser aproveitada também. Mas a cada mudança, o empresário tem de entender que precisará fazer ajustes. Por isso é preciso estar muito atento aos indicadores, estar em constante acompanhamento e entender que muitas vezes é preciso uma série de ajustes para adequar, mesmo que só uma mudança nos processos, verificar se aquilo que ele está ajustando realmente está sendo percebido pelo cliente como valor e diferencial."
TECNOLOGIA COMO FACILITADORA
"Contar com aliados, ferramentas que vão facilitar o dia a dia e trazer ganho de tempo. Desde controle de estoque até sistema de vendas, agora neste momento se tem muitas ferramentas gratuitas ou com acesso facilitado. Isso tudo pode facilitar muito o dia a dia e fazer com que o empresário tenha tempo em se dedicar em outros aspectos relevantes para o negócio. Tem coisas que não têm volta, o uso da tecnologia para ganhar velocidade e tempo se tornou um aliado."
EMPREENDER POR NECESSIDADE
"Existe o empreendedorismo por oportunidade, que é quando vislumbra uma oportunidade de negócio, estuda a área e se verifica que é um bom investimento. Mas muitas pessoas acabam tendo o empreendedorismo como uma única saída, uma necessidade para ter uma fonte de renda, especialmente em situações de desemprego, como deve ser o caso. Nos últimos anos, a gente vinha invertendo muito o gráfico, os negócios por oportunidade tinham superado os por necessidade em número. Mas, em momentos de crise, empreendedorismo por necessidade acaba tomando uma proporção muito maior. É o modelo em que a pessoa nem sempre planeja, e aí piora a preocupação com a gestão, porque geralmente não há estudo do mercado, público-alvo, fornecedores. Muitas vezes não tem uma preparação. Mas é possível, sim, ser um negócio gerado por necessidade, mas que seja conduzido de forma próxima e controlada."