Somente uma em cada quatro empregadas domésticas é formalizada no Brasil. A categoria também raramente possui organização trabalhista ou sindical, o que reduz a média salarial (aos pisos regionais) e impede acesso a benefícios. Com a pandemia, tudo se tornou ainda mais difícil. Além de não poderem reivindicar por benefícios trabalhistas em razão da condição de informalidade, o próprio isolamento social inviabiliza o trabalho da maioria, seja pela restrição imposta pelos governos, opção de patrões ou necessidade de confinamento por pertencimento a grupos de risco — cerca de 10% da categoria (composta 93% por mulheres) têm mais de 60 anos, de acordo com a ONG Instituto Doméstica Legal.
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Contudo, um dos efeitos mais prejudiciais foi o esvaziamento da renda: no país, 39% das diaristas foram dispensadas nas primeiras semanas da pandemia e não receberam pagamento, assim como 13% das empregadas mensalistas. Os dados são apontados por pesquisa do Instituto Locomotiva, realizada ainda em abril, em 72 cidades brasileiras.
De acordo com o gerente regional da Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia, Vanius Corte, na Serra o cenário se reproduz. Segundo ele, entre os meses de março, abril e maio foram 42 denúncias de domésticas, sendo 80% acerca da falta de registro e não pagamento correto das verbas rescisórias.
— Recebemos muitas denúncias, principalmente nas primeiras semanas, e especialmente de pessoas que haviam sido mandadas embora e (os empregadores) não pagaram nada, mas aí quando vamos verificar, não havia contrato de trabalho formalizado, pois eram tratadas como diarista. A pessoa normalmente trabalha várias vezes na semana e o empregador combina de pagar por mês, mas trata como diarista, o que está errado, ela seria empregada doméstica. Aí, quando é demitida, acaba que não recebe coisa nenhuma, não tem rescisão a fazer — comenta.
Por não haver organização sindical local, é impossível estimar a quantidade de diaristas ou domésticas em Caxias do Sul. A Agência Inez, que atuava no mercado doméstico de Caxias intermediando a contratação de serviços, estima que haja entre 15 mil e 20 mil pessoas atuando como diaristas autônomas informais na cidade.
— Muitas famílias dispensaram (agora na pandemia), e era isso. Alguns continuam pagando ou fizeram suspensão de contratos, mas como a maioria não tem contrato formal, foram dispensadas e deu — afirma Vanius.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE apontam que, entre janeiro e abril deste ano, a categoria passou de 3 milhões de trabalhadoras para cerca de 5,5 milhões, já contabilizando os efeitos do coronavírus nas cerca de 700 mil baixas do período.
Vantagens e desvantagens
De acordo com o presidente da ONG Instituto Doméstica Legal, Mario Avelino, domésticas com carteiras de trabalho assinadas tiveram a vantagem de poder usufruir dos auxílios do governo, direito inexistente, entretanto, para a maior parte da categoria:
— No caso da doméstica com carteira assinada, o trabalhador teve opção de fazer a suspensão ou a redução da jornada de trabalho e salário e, com isso, o governo ajuda e o empregador pode manter a empregada. Já o informal, não. Como não pode ser colocada em suspensão, perde-se o benefício do governo e, considerando que apenas 25% da categoria é formalizada, o impacto foi bem grande — ressalta.
Ele salienta que a tendência é de que a diarista tenha maior facilidade de realocação do que a doméstica, considerando que não foi demitida e não demanda encargos trabalhistas, porém, há ressalva.
— Todo emprego doméstico foi afetado, mas a diarista deve ser chamada de volta. Ela perdeu o trabalho, perdeu a renda, mas não foi demitida. O problema vai ser só se o contratante dela também perdeu o emprego e a renda, e isso é bem possível, considerando a alta nas demissões.
Baixa sindicalização
Conforme dados do IBGE de 2018, apenas 3% das empregadas domésticas do país são sindicalizadas. No Rio Grande do Sul, três sindicatos são conhecidos: em Porto Alegre, Pelotas e Santiago. Nos demais municípios e regiões, não há representatividade trabalhista, o que contribui para a formalização reduzida e para a falta de piso próprio da categoria.
Os motivos da falta de sindicalização são diversos.
— O sindicalismo doméstico é algo heroico. Normalmente, é uma lutadora que faz diária para se manter e ainda assume a atividade sindical. Outro aspecto que torna muito pequena a atividade sindical é a própria capacidade de mobilização, não é como se fosse uma categoria que se forma por trabalhadores de uma empresa, a empregada é uma em cada casa — avalia o presidente da ONG Instituto Doméstica Legal.
O gerente regional da Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia, Vanius Corte, explica que há também o entrave da falta de sindicato patronal para contrapor o das trabalhadoras:
— Quando se tem um sindicato, tem de haver a representação dos trabalhadores e dos empregadores, e não existe sindicato dos empregadores domésticos, porque não existe, tecnicamente, um patrão ou empresa. Normalmente, é aquele cidadão que apenas contrata o serviço.
A inexistência de sindicatos patronais é o que inviabiliza, por exemplo, negociações de dissídio da categoria e a obtenção de benefícios trabalhistas.
Incentivo para acordos
Das cerca de 1,4 milhão de domésticas formalizadas, apenas 429 mil haviam sido inseridas em alguns dos benefícios previstos pela Medida Provisória 936 (MP 936), que permite a suspensão do contrato, ou redução de jornada e salário com subsídio do governo federal. Parte da baixa adesão é o fato de muitos empregadores, por não serem empresas efetivamente, desconhecem muitos dos caminhos e procedimentos para usufruir das medidas. Por isso, a ONG Instituto Doméstica Legal promove campanha visando incentivar empregadores que ainda não utilizaram o mecanismo a aderir aos benefícios e assim evitar demissões.
Para ajudar empregadores, a ONG disponibiliza modelos de formulários de acordo e até calculadores para que patrões possam estimar as vantagens financeiras de aderir às medidas. Abaixo, endereços que redirecionam para as páginas que auxiliam empregadores a tirar dúvidas e entender as vantagens de aderir aos acordos permitidos pela MP.
Links úteis
Modelos de acordos: bit.ly/2ByJ4NH
Principais dúvidas e respostas: bit.ly/2YrAWHL
Calculadora de redução de jornada e salário: bit.ly/2NnJn0f
Passo a passo de como informar redução ou suspensão ao Ministério da Economia: bit.ly/2Z0CG9X
Pesquisa
:: Realizada em abril, em 72 cidades do país.
:: 11% das famílias brasileiras contam com o serviço de ao menos uma trabalhadora doméstica.
:: 40% das patroas de diaristas e 13% das mensalistas abriram mão dos serviços.
:: A Classe AB (com renda familiar entre R$ 7,4 mil e R$ 9,7 mil) lidera a dispensa não remunerada de empregadas domésticas.
:: 23% dos empregadores de diaristas e 39% dos de mensalistas afirmaram que elas continuaram trabalhando normalmente, mesmo durante o período de quarentena.
Na pandemia
Diaristas
23% continuavam trabalhando.
39% não estavam trabalhando, mas recebendo auxílio.
39% não estavam trabalhando e nem recebendo pagamento.
Mensalistas
39% estavam trabalhando.
48% não estavam, mas recebendo o pagamento.
13% não estavam trabalhando e nem recebendo pagamento.
Fonte: Locomotiva Instituto de Pesquisa
A categoria
:: Em torno de 5,5 milhões em todo o país.
:: Composta 94% por mulheres.
:: Principal ocupação entre as mulheres negras. Em 2015, cerca de 6 em cada 10 trabalhadores domésticos eram mulheres negras. No mesmo ano, a cada 4 mulheres negras trabalhadoras, 1 era trabalhadora doméstica.
:: 75% informais.
:: Salário: para domésticas formalizadas, o piso é o mínimo regional (R$ 1.237,15 a R$ 1.567,81); para diaristas, em 2019, segundo o IBGE, a média era de R$ 740 mensais).
:: Principais atividades enquadradas: empregada doméstica, faxineira, diarista, babá, cozinheira, lavadeira, passadeira, arrumadeira, acompanhante de idoso, acompanhante de doente, acompanhante de criança à escola etc.
Na pandemia
:: Novembro, dezembro e janeiro: 6.292 milhões de trabalhadores domésticos.
:: Fevereiro, março e abril: 5.565 milhões.
:: Redução de 727 mil postos.
Fontes: IBGE, Instituto Doméstica Legal, Organização Internacional do Trabalho (OIT)