Hábitos adquiridos durante a pandemia devem permanecer quando o distanciamento social não for mais necessário. Um deles é a digitalização do consumo. A tendência é de que as pessoas continuem comprando mais pela internet, como mostrou estudo da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), em maio. O levantamento apontou que 70% dos entrevistados (em um universo de 1 mil pessoas) pretende continuar comprando mais online do que antes da covid-19.
— Muitas pessoas que se negavam a utilizar aplicativos ou sites para compra de produtos precisaram consumir digitalmente, aprendendo que existe um mar de opções no mercado e que economizar pode ser muito mais fácil nas buscas online — observa Adnan Jebailey, economista do Instituto de Economia da Associação do Comércio e Indústria de Franca (Acif), em São Paulo.
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Os consumidores pós-pandemia também tendem a realizar em casa serviços antes feitos fora, como cuidados com a beleza (unha, sobrancelha, cabelo) e alimentação, e a preocupar-se mais com o conforto do lar – fruto do home office.
— Uma parte da população vai começar a desenvolver parte das suas tarefas em casa, e com isso vai existir um movimento de buscar adaptar suas casas para a nova realidade — acredita Patrícia Palermo, economista-chefe da Assessoria Econômica do Sistema Fecomércio-RS/Sesc/Senac.
Além das mudanças no comportamento, há um fator crucial: a renda das pessoas irá diminuir, o que impacta diretamente no consumo. Foram 1.487.425 vagas fechadas no país entre março e maio — Caxias do Sul perdeu, no mesmo período, 8,7 mil postos de trabalho.
Confira o que pensa Patrícia Palermo:
HOME OFFICE
"Uma parte significativa das empresas vai optar por ter parte dos funcionários em casa. E aí, talvez não num primeiro momento, porque as pessoas não vão ter renda, mas elas vão querer que suas casas sejam melhores. Isso vai mudar o consumo, por exemplo, de móveis e de outros itens de conforto dentro das casas. No médio prazo, é muito provável que as pessoas enxerguem a necessidade de ter espaços dedicados a esse momento do trabalho. Por exemplo, eu estou em home office desde março. Na minha casa tem um escritório montado, separado do resto da casa. A minha produtividade não fica afetada por estar dentro de casa."
MUDANÇAS
"Acredito que, com o passar do tempo, a gente vai trocar esse gasto que a gente tem, por exemplo, de locomoção. Se vou três vezes por semana trabalhar no escritório, a coisa menos razoável é ter um carro. Talvez seja mais razoável usar outros meios. Outra coisa que acho que vai aflorar depois dessa pandemia são as coisas “self made”, coisas que as pessoas fazem para si mesmas. Teve uma pesquisa bem interessante sobre as coisas que as pessoas mais consultaram nessa pandemia em termos de estética e dizia lá: como fazer a sobrancelha? As pessoas vão aprendendo a fazer. Um dos itens mais vendidos nessa pandemia foi escova rotativa, ou seja, pessoas fazendo escova no seu próprio cabelo. Essa autossuficiência é algo para várias coisas que vem como um legado dessa pandemia."
OPORTUNIDADES
"O negócio que eu tenho se potencializa ou tende a perder com esse novo consumo? Estou no grupo afetado positivamente ou no afetado negativamente? Se sou do grupo afetado positivamente, acredito que tenho que ter ações para despertar isso nas pessoas. Por exemplo: você vende produtos que as pessoas usam em casa. Começa a lembrar para as pessoas como é importante ter conforto em casa. Investe em divulgação, provoca essas questões que podem estar adormecidas. Tem muita gente que está aprendendo a fazer coisas em casa. Como será que me reinsiro nesse processo? Será que não tenho que pensar em um jeito de ir na casa das pessoas? Será que não tenho que ter um contato mais direto com meus consumidores para fazer com que eles entendam que eu vou continuar sendo necessário depois? Quem vai ganhar, precisa potencializar essa entrega. Toda essa parte de escritório, de cadeiras, móveis, isso sempre foi pensado para ambiente corporativo. Será que não é hora de as indústrias começarem a pensar nesse tipo de móveis adaptados à casa das pessoas? Será que não posso ter um tipo de cadeira que eu possa ter dentro das casas que não seja uso exclusivo de escritório? As pessoas têm que começar a entender quais são as oportunidades que estão se abrindo."
CUIDADOS
"Acho que nunca mais seremos os mesmos em termos de cuidados. As pessoas em geral, principalmente as que têm mais acesso à informação, terão mais cuidado ao entrar nas lojas, ao se portar com os outros. A etiqueta respiratória vai mudar. A gente tem que treinar funcionários para atender esse cliente de forma que ele se sinta seguro. Se você não se sentir seguro, não volta. Essa questão da higienização do ambiente vai ter que ser muito mais visível. A gente vai ter que enxergar as coisas não só limpas, mas sendo limpas. Acho que as pessoas vão querer enxergar esse processo. As pessoas têm que estar muito confiantes que elas vão ser bem recebidas, bem atendidas e que não vão correr riscos."
ATENDIMENTO
"A renda das pessoas vai diminuir, então, todo o diferencial que tu puder ter em termos de atendimento, tu tem que ter, porque quando as pessoas têm menos dinheiro e enxergam que todo mundo tem menos dinheiro, elas se portam diferente na hora de comprar. Elas se sentem mais poderosas. A gente tem que ser muito mais assertivo nas vendas, muito mais dedicado, porque a venda vai ser mais difícil. Em 2004, 2005, a economia estava bombando, em 2010 deu outro pico. Naquela época, o comércio não vendia, ele era comprado. Tu não precisava atender bem o cliente, porque o cliente estava lá a fim de comprar e isso foi se modificando, e acho que a gente vai chegar a um dos momentos mais relevantes disso agora. No RS, no mês de março e abril, foram destruídas 89 mil vagas de trabalho. Esse é um número simplesmente absurdo de gente que foi demitida. Você tem uma escassez de renda na sociedade, e isso acaba mudando o comportamento. Qualquer falha da parte de quem vende já é motivo para não comprar. As pessoas não estão a fim de gastar um dinheiro que elas não sabem se não vai fazer falta ali na frente."
SEM RESISTÊNCIAS
"Grande parte das pessoas não gosta de pensar sobre mudanças. Se adaptar não é uma coisa fácil. Imagina que eu tenho hotel que vive de turismo de negócios e daqui a pouco enxergo que cada vez menos vai ter viagens de negócios. Como eu faço? Como começo a desenhar um negócio diferente para mim? Não é fácil, mas a gente tem que antecipar movimentos para não ser surpreendidos por eles. Não pode ter resistência e, às vezes, o que eu enxergo é uma resistência natural."
Confira o que pensa Adnan Jebailey:
LIÇÕES
"A pandemia deixa um legado importante para a economia: a digitalização do consumo. Muitas pessoas que se negavam a utilizar aplicativos ou sites para compra de produtos precisaram, com o distanciamento social, consumir digitalmente, aprendendo que existe um mar de opções no mercado e que economizar pode ser muito mais fácil nas buscas online. Em relação aos comerciantes, dividir a atenção entre a loja física e a loja virtual será uma obrigação na economia pós-pandemia, buscando pequenas inovações e preços competitivos."
PRIMEIRA NECESSIDADE
"Teremos uma depressão econômica no pós-pandemia, e isso acontecerá devido ao grande número de desempregados e ao fechamento de empresas. Demorará algum tempo para nossa economia voltar a limiares de crescimento. Nesse contexto, o consumo será menor e voltado a produtos de primeira necessidade. A principal mudança será sentida através do comportamento do consumidor que terá menos recurso e mais conhecimento digital. O “pechinchar” ganha novos patamares e o termo inovação é (re)significado para além da tecnologia."
ADAPTAÇÕES
"Estoques menores nesses próximos meses (estoque just-in-time), ingresso em plataformas de marketplace ou aplicativos de delivery, utilização de aplicativos de mensagem (WhatsApp) para aproximação direta com os clientes, diálogo aproximado com o consumidor através de redes sociais, lives e, sobretudo, pequenas inovações, tais como a criação de kits, embalagens, narrativas de vendas. O objetivo é buscar o diferente em meio a centenas de milhares de concorrentes. Escalar o negócio não é mais uma opção, é obrigação."
CONSUMIDOR @
"O consumidor começou a ganhar poder a partir dos Anos 1990, com a aprovação do Código de Defesa do Consumidor, a estabilização monetária alcançada com a criação do Real e o controle da inflação. Esses elementos deram maior força na barganha de descontos e, também, na compra de produtos. Já os anos 2000 foram marcados por uma mudança e lapidação do comportamento do humano (pós-moderno), que busca maior significado do que meramente “valor” no sentido monetário. O lanche virou artesanal, a cerveja também, e os cortes de cabelo ganharam novas formas e diversos produtos (barber shops). A relação de consumo agora será pautada na criação de significado, o consumidor quer se sentir parte. A interação por redes sociais, a gravação de lives ou de stories, com uma conversa personalizada. Como exemplo, poderíamos citar uma pessoa que pede comida por um aplicativo, recebe o produto, tira fotos, marca a lanchonete com o @ e vê seu story republicado pela empresa. Vivemos o momento do consumidor @."
RETOMADA LENTA
"Ainda é cedo para apontarmos um prazo para retomada. Devemos ter uma contração de quase 10% no PIB do ano de 2020. A retomada só será eficaz e rápida com iniciativas sérias do governo federal, que precisa apresentar um projeto econômico tangível. O que é possível dizer é que a retomada econômica acontecerá lentamente e levará alguns anos. Contudo, o foco, no momento, deve ser a retomada das atividades com segurança, que é o primeiro passo para voltarmos a subir as escadas do crescimento econômico. Iniciar, se reinventar e avançar."