A expressão "novo normal" provoca reações antagônicas. Alguns a encaram com desprezo, outros, com esperança. Esse "novo normal" é, no final das contas, uma especulação subjetiva de como a sociedade vai se comportar depois que a pandemia passar. Enquanto isso, o mercado precisa aprender a lidar com os dilemas macroeconômicos e tomar posições com rapidez e sensatez.
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Nesta décima segunda reportagem da série Futuro da Economia, o foco de análise está ajustado para o comércio. Produzir é vital, seja no campo ou na indústria, mas sem o comércio não há como servir a população e retroalimentar outros setores da cadeia.
— A respeito da crise, podemos pensar que ela vai ser grande, ou muito grande, mas penso que vai ser desafiadora. Será desafiador sair da crise, mesmo engrenando com dificuldades, mas precisamos sair — argumenta Luiz Carlos Bohn, presidente da Fecomércio.
Empreender é desafiar-se diariamente. No entanto, a partir da crise da pandemia de coronavírus, analistas têm demonstrado com suas teorias que houve uma aceleração de mudanças que estavam em curso. Para além do arsenal tecnológico, de inovações e soluções admiráveis, possíveis a partir do melhor desenvolvimento da inteligência artificial, a tendência é aproximar pessoas.
— Hoje, para um público de jovens, de pessoas de 35 anos para baixo, eles não se consideram mais como consumidores. Sentem-se mais como pessoas que naquele momento escolheram ter uma marca, um produto ou serviço. E escolher a partir de uma série de fatores, como foco na produção local, sustentabilidade e quantos empregos gera — explica Gil Giardelli, professor de inovação e membro da Federação Mundial de Estudos do Futuro, que participa na sexta-feira (31), às 9h, da Live do Café com Ideias, promovida pelo Sindilojas Caxias.
Além de não desejarem ser vistas como consumidores, as pessoas querem viver experiências que parecem ter sido criadas especialmente para elas. É dessa forma que Giardelli ponta para uma série de empresas que têm mudado o posicionamento no mercado.
— As empresas têm de se esforçar é para vender espetáculo, essa é a experiência que as pessoas querem ver atualmente. As pessoas querem se sentir únicas — ensina Giardelli.
Encarada dessa forma, a crise pode revelar janelas de oportunidades. Pelo menos é assim que pensa Bohn, o presidente da Fecomércio. Desde meados de março, ele tem trabalhado a partir da sua casa e, por isso, passou a prestar atenção em detalhes de manutenção da moradia e de conforto que andavam passando batidos. Mas a pandemia o fez observar com mais atenção esses detalhes.
— Ficando 24 horas em casa, percebi coisas que poderia melhorar, algo que precisa ser renovado, ou até mesmo um conforto pessoal. Creio que a venda do conforto vai ocorrer em uma maior intensidade, da mesma forma em que, na área da construção, as pessoas deverão gastar mais, fazendo melhorias e renovações em suas casa — observa.
Leia a seguir, as entrevistas com Luiz Carlos Bohn e Gil Giardelli.
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O que é ou não essencial
"A respeito da crise, podemos pensar que ela vai ser grande, ou muito grande, mas penso que vai ser desafiadora. Será desafiador sair da crise, mesmo engrenando com dificuldades, mas precisamos sair. Podemos dizer que o varejo é o que mais perdeu neste momento. O varejo perdeu mais, porque está na ponta da distribuição. Por exemplo, o comércio é quem vende o que a agropecuária ou a indústria produzem. O comércio como um todo perdeu, porque foi diretamente prejudicado por causa da parada obrigatória. Mas quem mais perdeu foi o comércio tratado como não essencial. Em uma paralisação de duas ou três semanas, podemos dizer o que é ou não essencial. Mas em 120 dias, tudo passa a ser essencial. Em março, a perda foi de 30%, em relação ao ano passado no varejo, tendo por base as notas fiscais geradas. Atualmente, a perda está em 14%. No geral, houve uma pequena recuperação, mas ainda está longe do projetado no início do ano."
Comportamento do cliente
"Depois da pandemia, creio que, em termos de comportamento, vamos ter dois desdobramentos. O primeiro, econômico, pessoas com menor renda têm menor potencial de consumo, e naturalmente vai aumentar a concorrência entre as empresas. Pela primeira vez, mais da metade das pessoas em condições de trabalho está desempregada no país, segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). E segundo, falando do comportamental, temos de pensar no aumento que já tem ocorrido de pessoas comprando no meio digital. Antes da pandemia, a compra digital representava entre 7 a 10% do total, e hoje, está em 30%. As pessoas aprenderam a comprar no tranco. Mesmo desconfiadas, fizeram sua primeira compra pela internet e acharam interessante. Por outro lado, acredito que, mesmo depois da pandemia, algumas pessoas vão manter o hábito do uso da máscara, como ocorre na Ásia, e vão se cuidar mais. Por isso, vai ser mais fundamental ainda o uso, pelas empresas, de ferramentas digitais. Não se decreta, de forma alguma, o fim da loja de rua, mas até mesmo os pequenos estabelecimentos terão de se adaptar."
Efeitos cascata
"O home office veio para ficar. Por exemplo, eu estou sentado confortavelmente no meu sofá de casa, descontraído, e fazendo uma entrevista por vídeo. A consequência imediata disso é que as empresas não precisarão de grandes prédios nos grandes centros. Deve ocorrer uma certa desvalorização das metrópoles. Os grandes centros não serão mais tão concorridos, porque as pessoas já estão indo mais alternadamente a esses pontos. A locação imobiliária também deve ser afetada nesses grandes centros. E por consequência, as pequenas cidades e os bairros das metrópoles terão seu comércio reforçado, principalmente por esse consumidor que foi procurar um melhor lugar para viver com bem-estar, ele vai comprar ali na sua região. Outra coisa, nunca estive tanto dentro da minha casa como nessa pandemia. Ficando 24 horas em casa, percebi coisas que poderia melhorar, algo que precisa ser renovado, ou até mesmo um conforto pessoal. Creio que a venda do conforto vai ocorrer em uma maior intensidade, da mesma forma em que, na área da construção, as pessoas deverão gastar mais, fazendo melhorias e renovações em suas casas."
Desafios para o futuro
"Infelizmente, não tem guerra sem perda de soldados. Algumas empresas vão desaparecer e empregos serão sacrificados. Quem vai vencer? Bem, é fato que o comércio eletrônico vai prosperar. Usando da velha Teoria da Evolução, do nosso grande Charles Darwin (biólogo britânico — 1809-1882), quem vence não são os mais fortes e inteligentes, mas quem se adapta melhor às mudanças. Quem conseguir enxergar janelas de oportunidades vai sair dessa crise melhor. Creio que é preciso olhar o seu negócio de fora para dentro, como se você fosse o cliente. Tenho usado com frequência uma frase bacana: "Mar calmo não faz marinheiro bom." Todos que vão superar a crise, vamos nos tornar melhores. Todo mundo quer saber como vai ser depois da pandemia. Vai ser difícil, mas creio que vamos sair dessa mais rápido e com mais tranquilidade do que a gente pensava. Esse Natal, acredito, vai ser tão bom quanto o do ano passado para o comércio."
GIL GIARDELLI, professor de inovação e membro da Federação Mundial de Estudos do Futuro
Contexto das pandemias
"Primeiro, temos de entender o contexto da pandemia. Minha equipe fez um levantamento de 1900 para cá e encontramos 126 endemias e 9 pandemias. Dessas, ainda temos a cólera, que é tratada como uma pandemia. O que se percebe é que, depois de uma pandemia, o comportamento volta a ser muito similar ao que era antes. Nessa pandemia de covid que estamos enfrentando, muito mais do que transformações digitais, tivemos várias empresas que conseguiram fazer a transição do físico para o digital, e essas conseguirão passar melhor por crises. A PUC-RS, por exemplo, trabalha há três anos com aulas online. Enquanto eles mantêm isso há um bom tempo, muitas outras universidades ainda não conseguiram resolver com irão dar aulas online. Outro exemplo, a Magazine Luiza já estava preparada com sua loja virtual, enquanto que a Havan, só tinha loja física."
Relações humanas
"Tem ficando muito claro um conceito de empresa focada no propósito, de as empresas não serem apenas protagonistas comerciais, mas sociais. As empresas que estão conectadas às pessoas estão se mantendo melhor no mercado. Infelizmente, aquelas empresas que queriam crescer mais no lucro e não criaram vantagens para o seu consumidor então tendo muita dificuldade. Hoje, para um público de jovens, de pessoas de 35 anos para baixo, eles não se consideram mais como consumidores. Se sentem mais como pessoas que naquele momento escolheram ter uma marca, um produto ou serviço. E escolher a partir de uma série de fatores, como foco na produção local, sustentabilidade e quantos empregos gera. A Shell mudou a forma como quer ser vista, e estabeleceu assim: somos especialistas em humanologia, agora queremos cuidar das pessoas. As empresas estão percebendo que precisam ter um olhar, digamos, mais humano. Elas veem o lucro, sim. Mas entendem que o lucro tem de estar à disposição da sociedade. Na linha de que, se o mundo não for de todos, não será de ninguém."
Mudança de mentalidade
"Quando tínhamos a economia aquecida, havia empresas realçando apenas a parte comercial, e agora você vê restaurantes montando banco de dados e estabelecendo comunicação por meio do WhatsApp. Ou ainda, algumas enviando um pequeno mimo quando o cliente faz a compra. Mesmo que seja um bilhete escrito: 'obrigado por ter comprado'. Se é passageiro? Eu acho que veio para ficar. Porque nunca colocávamos o consumidor no centro. Vocês aí da Serra, já fui uma vez no circuito do vinho, e acho que sempre trataram bem os turistas. Mas hoje, é importante ter um banco de dados e informar as pessoas dizendo que vocês têm criado processos seguros para receber os turistas. Uma boa experiência, seja no turismo ou no serviço, virou commoditie. Até Gramado, que sempre conseguiu manter uma constância o ano inteiro, com atrações no Natal, no verão ou no inverno. Mas isso é commodities. As empresas têm de se esforçar é para vender espetáculo, essa é a experiência que as pessoas querem ver atualmente. As pessoas querem se sentir únicas."
Sociedade 5.0
"Por um tempo, se falou muito sobre a evolução econômica e sobre a chamada 4ª Revolução Industrial. Então, em uma reunião do G20 (grupo formado pelos ministros de finanças e chefes dos bancos centrais das 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia), realizada em Osaka (Japão, em 2019), o primeiro ministro japonês, Shinzo Abe, disse, que tinha algo errado, porque se tem alta tecnologia de inteligência artificial, internet das coisas, e não se leva isso para toda a sociedade. Ele disse algo assim: se essa é a sociedade da imaginação, da superinteligência, do conhecimento cientifico e da ética no centro de tudo, ele propôs chamar de sociedade 5.0. E disse ainda que, ao se buscar por inovações, não se pode desistir da igualdade. Ou o mundo é de todos, ou não será de absolutamente ninguém. Porque, defende ele, o capitalismo tem suas falhas, mas é o melhor que temos para a sociedade. A pandemia de covid veio para provar que afeta a todos, os ricos, os pobres e os milionários. Chegou a aldeia global. E por isso, está na hora de se implementar a sociedade 5.0."
Programe-se
O quê: Live do Café com Ideias com Gil Giardelli, com o tema “O Varejo na Sociedade 5.0”, com mediação de Lisandra De Bona
Quando: Sexta-feira, dia 31 de julho, às 9h
Como assistir: Transmitida pelo Instagram @sindilojascaxias