2019 foi um ano excelente para as cooperativas gaúchas: faturamento recorde de R$ 48,9 bilhões, conforme balanço divulgado pela Organização das Cooperativas do Rio Grande do Sul (Ocergs). Um incremento de 1,4% em relação ao período anterior. Mas aí 2020 começou e logo trouxe dois tormentos: a estiagem e a covid-19. No agronegócio, por exemplo, o Estado perdeu R$ 15 bilhões nas lavouras de soja e milho, o que representa 40% do faturamento das cooperativas do segmento. Em grande parte das vinícolas, embora não existam números consolidados, a pandemia fez cair a venda de espumantes e sucos de uva, conforme a Federação das Cooperativas Vinícolas do RS (Fecovinho).
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Enquanto alguns setores foram mais impactados, outros têm apresentado bom desempenho neste período de crise sanitária, caso das cooperativas de crédito. A Sicredi Pioneira, primeira cooperativa de crédito brasileira, nascida em Nova Petrópolis há 117 anos, nunca recebeu tantas aplicações como nos últimos dois meses. A estimativa é de um crescimento de R$ 200 milhões em depósitos neste período. Desde o início das medidas de distanciamento social, em 16 de março, a cooperativa já abriu mais de 4 mil novas contas.
— Os nossos negócios continuam praticamente iguais, não mudaram por conta da crise. Isso pode ser explicado por uma coisa muito simples: as cooperativas de crédito, diferente dos bancos, têm atuação local. Elas são da localidade. A Sicredi Pioneira que atua em Caxias tem a sede em Nova Petrópolis, e isso faz com que a gente conheça no detalhe como as cidades funcionam, quais as dificuldades das pessoas. Nas últimas crises, as cooperativas sempre avançaram no mercado. Neste momento, as pessoas continuam com os bancos, mas a taxa de confiança é infinitamente menor — diz Solon Stapassola Stahl, diretor-executivo da Sicredi Pioneira.
Passada a pandemia, a tendência, segundo o presidente do Sistema Ocergs-Sescoop/RS, Vergílio Perius, é de que as cooperativas de crédito cresçam ainda mais. O Sescoop é o Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo. Hoje, cerca de 4% da população brasileira é associada a alguma instituição financeira, diferente de países como o Canadá, por exemplo, onde 60% são ligadas a uma cooperativa de crédito.
— O mundo inteiro, quando entra em crise, a primeira pergunta que se faz é: “onde levo o meu dinheiro?” Eu levo onde sou dono. Onde sou dono? Em uma cooperativa de crédito. Lá tenho acesso, informações, conselho fiscal atuante, a qualquer momento posso sair e entrar. Então tem uma tendência muito grande pós-pandemia de crescer muito. Os depósitos a prazo já aumentaram 13%. Mas nos bancos privados não chega a dois dígitos, menos de 9% — destaca Perius.
Investimento de R$ 109 milhões
Além de buscar fazer a travessia de forma sustentável, as cooperativas, dentro da lógica da cooperação, têm demonstrado preocupação com a sociedade. Na pandemia, já destinaram R$ 26 milhões em doações. Foram R$ 14,7 milhões para a área de saúde, com aquisições de respiradores, testes para detecção do coronavírus, suprimentos de combate e proteção e compra de equipamentos de proteção individual (EPIs), como máscaras, luvas e álcool gel. Foram investidos R$ 9 milhões na ampliação da rede própria de atendimento e medidas internas de combate ao vírus e R$ 2,1 milhões na doação de alimentos.
Outros benefícios somam R$ 83 milhões e integram a linha de ações das cooperativas frente à retração econômica e dificuldades impostas pela pandemia: adiantamento de R$ 37 milhões de sobras aos associados, R$ 21,3 milhões em benefícios financeiros e novas linhas de crédito, R$ 4,3 milhões em assistência técnica, R$ 5,1 milhões em redução de encargos do Sescoop e uma projeção de R$ 15,1 milhões de custo financeiro na absorção de contas de energia elétrica que terão atraso. Os números foram divulgados pelo presidente da Ocergs em live da Federasul na semana passada (veja mais no quadro).
NO RS
Segundo Perius, oito cooperativas no Estado estão em liquidação. Não há notícia de encerramento de atividades por causa da pandemia.
Alternativa viável na concessão de crédito para os pequenos negócios
Uma pesquisa realizada pelo Sebrae entre o fim de abril e o início de maio apontou que as cooperativas financeiras mantêm uma taxa de sucesso de mais de 30% na concessão de crédito para os pequenos negócios durante a pandemia do coronavírus. O índice é quase três vezes maior do que o registrado nos bancos privados (11,8%) e nos públicos (9,5%).
Na Sicredi Pioneira, 1,7 mil associados solicitaram crédito emergencial desde o início da crise. O valor total de operações liberadas chega a R$ 122 milhões. A cooperativa já teve 8,4 mil pedidos de prorrogação de parcelas, vindos especialmente do comércio varejista e dos setores de turismo e entretenimento, atingidos fortemente – o volume de parcelas prorrogadas é de R$ 98 milhões.
— A gente acredita que, neste momento, o que as pessoas e a economia precisam é tempo: tempo para se recuperar, tempo para retomar um nível mínimo de atividade econômica e, no negócio do crédito, ter o que se chama carência. Então, essa linha emergencial tem a primeira parcela para daqui seis meses ou então, se for setor do turismo, nove meses. Ou seja, estamos dando crédito, mas também fôlego para as pessoas pagarem — explica o diretor-executivo da Sicredi Pioneira, Solon Stapassola Stahl.
Segundo Stahl, há diferentes perfis entre os que buscam crédito agora junto à cooperativa: a empresa que não passa por dificuldades, mas quer fazer caixa; a empresa que está com problemas e precisa de capital de giro; o associado pessoa física que está desempregado; e o associado pessoa física que está vendo oportunidade de empreender neste momento.
DATA
No sábado, dia 4 de julho comemorou-se o Dia Mundial do Cooperativismo.
Agroindústrias familiares estão operando no limite
Há mais de três meses sem fornecer para seu principal mercado, a rede de ensino, a Cooperativa de Agricultores e Agroindústrias Familiares de Caxias do Sul (CAAF), começa a sentir de forma mais intensa as dificuldades. Os produtos para a merenda escolar de colégios públicos de Caxias do Sul e diversas cidades do Estado representavam 70% do faturamento. Cinquenta mil quilos de frutas e verduras deixaram de ser entregues sem as aulas presenciais.
— Se voltasse pelo menos 50% das escolas, já daria um alento, nos tiraria do prejuízo — diz Marcos Regelin, gerente da CAAF.
A feira online criada como alternativa, embora tenha boa adesão, não consegue suprir as perdas. O que tem mantido a cooperativa de pé são os clientes como os quartéis das Forças Armadas de Caxias do Sul, Bento Gonçalves, São Leopoldo, Sapucaia do Sul, Esteio, Porto Alegre, e hospitais da Capital e de Caxias. A expectativa para este ano era de ultrapassar R$ 10 milhões de faturamento. Com a crise, deve ficar em R$ 3,5 milhões.
— A gente já vinha da seca, e agora os associados estão atrasando as contas. A renda baixou — destaca o gerente da CAAF.
Enquanto as aulas não retornam, a cooperativa busca novos mercados e participa de pregões. Mas, conforme Regelin, é possível suportar a situação somente até agosto. Se não mudar, será necessário rever gastos. O custo fixo mensal, com aluguel, folha de pagamento e manutenção da cooperativa, gira entre R$ 130 mil e R$ 140 mil — três demissões já precisaram ser feitas neste período.
— A corda está cada vez mais curta — lamenta Regelin.
A CAAF tem 288 associados.
Nas vinícolas, vendas no 1º semestre reagem e surpreendem
O susto foi grande no início, e os reflexos logo foram sentidos pelas cooperativas vinícolas da região. Abril registrou queda nas vendas, especialmente de sucos de uva e espumantes. Mas uma retomada já começou a ser percebida em maio. A Cooperativa Vinícola Nova Aliança, de Flores da Cunha, é um exemplo desse movimento. Perdeu em algumas linhas de espumantes, mas ganhou com o vinho. Diante do cenário, a estimativa é de fechar o semestre com faturamento igual ao do mesmo período do ano passado: R$ 100 milhões.
— Neste período em casa, as pessoas consomem mais vinho, e nós ganhamos com isso. Vamos trabalhar para que não se perca esse hábito – afirma Fernando Matana, diretor comercial da Nova Aliança, acrescentando que 90% da produção da vinícola tem o varejo como destino.
Para o executivo da Federação das Cooperativas Vinícolas do RS (Fecovinho), Helio Marchioro, o desempenho do setor irá depender do comportamento do mercado. A intensificação do e-commerce neste período e das telentregas feitas por adegas podem e devem continuar no pós-pandemia e auxiliar ainda mais as vinícolas.
— A cooperativa que levar no empate até o final do ano é uma vitória — pondera.
Já na Cooperativa Vinícola Aurora, os números são extremamente positivos, apesar da crise. As vendas no primeiro semestre cresceram mais de 80% nos vinhos finos, 52% nos de mesa e 70% no espumante moscatel. Apenas a comercialização de espumantes brut teve queda: 8% no período. Ou seja, a queda nas vendas em abril, considerada normal diante do fato de que o consumidor foi tomado de surpresa pelo cenário negativo, não afetou o desempenho da cooperativa.
— Realmente, se considerarmos o mix de produtos da Aurora comercializados no semestre, obtivemos um crescimento fantástico, encerrando os primeiros seis meses com alta de 25% nas vendas, comparado com o mesmo período de 2019. Também nos surpreendemos de forma positiva com o resultado das exportações: tivemos um aumento de cerca de mais de 50% em valor no semestre em relação aos primeiros seis meses de 2019, com a retomada da atividade em alguns países como a China, Reino Unido e também alguns destinos da América do Sul — acrescenta o diretor superintendente da Aurora, Hermínio Ficagna.
Na pandemia
Cooperativas gaúchas fizeram doações no valor de R$ 26 milhões
> 9 milhões foram para ampliação da rede própria de atendimento e medidas internas de combate ao vírus.
> 2,1 milhões foram doações de alimentos.
> 14,7 milhões foram para a área da saúde.
E mais R$ 83 milhões
> 15,1 milhões de custo financeiro — Conta covid.
> 5,1 milhões de redução de encargos.
> 4,3 milhões de assistência técnica.
> 21,3 milhões em benefícios financeiros e novas linhas de crédito.
> 37 milhões em adiantamento de sobras.
Fonte: Ocergs
O que dizem
"Cooperativa é uma coisa, cooperação é outra. E aí sim, a cooperação é uma ferramenta espetacular para, neste momento, a gente sair da crise. Quando falo de cooperação, as empresas podem cooperar entre elas. Cooperar, colaborar vai fazer toda a diferença. Nesse momento, a gente não pode olhar para a loja do lado como concorrente. Olhar para a loja do lado como alguém que pode colaborar na busca de uma solução." Solon Stapassola Stahl, diretor-executivo da Sicredi Pioneira
"O cooperativismo tem uma identidade socioeconômica que está de acordo com o que o futuro espera da sociedade. É uma estratégia que se adequa às necessidades do futuro. Promove desenvolvimento local, autogestão das pessoas, diminui a dependência do patrão, a relação de poder diminui. Quanto mais cooperativismo, melhor. Quanto mais individualismo, pior." Helio Marchioro, executivo da Fecovinho
"A soma das forças de trabalho em condições frágeis facilita e potencializa a chance de driblar as adversidades do mercado, tanto pela quantidade de pessoas envolvidas no processo de produção como também pela barganha de descontos ou outros benefícios que são oferecidos a este molde de gestão. Em tempos de concorrência forte, o cooperativismo se mostra como uma grande alternativa para amenizar custos, trocar serviços, comprar em grande escala, entre outros. O sistema cooperativo sempre foi um excelente modelo de negócios, e a tendência é de que seja ainda mais valorizado devido ao seu poder de sustentabilidade." Rogerio Bruno Sauthier, presidente da Cooperativa Santa Clara
"Atendemos aos interesses das pessoas envolvidas nos negócios da cooperativa, então primeiro atuamos no sentido de preservar a saúde delas, com todos os protocolos, e junto com isso a preservação dos empregos, pois nossa preocupação é o cuidado com as pessoas. Não adianta sermos viáveis economicamente e não preservar as pessoas, não cuidar da saúde, não cuidar do meio ambiente. Nós pensamos pelo bem de todos que estão envolvidos com os negócios da cooperativa, por isso trabalhamos para que os sócios permaneçam nas suas atividades com qualidade de vida e bom rendimento pelo que produzem. Assim cuidamos da saúde, das pessoas, dos empregos e da sociedade ao fazer o que é correto." Alexandre Angonezi, diretor administrativo da Cooperativa Vinícola Garibaldi
"As bases do cooperativismo são solidariedade, ajuda mútua, trabalho coletivo e muita organização e gestão, que são preceitos fundamentais para enfrentarmos este período de dificuldade. No cooperativismo, está alicerçada a alavanca para a retomada do crescimento. Hoje, a produção, a geração de renda e emprego advinda do cooperativismo mantêm a economia em crescimento e sustentável. No mundo, a produção primária está concentrada nas cooperativas. O cooperativismo tem duplo efeito: além de melhorar a renda, contribuir com a geração de emprego exerce papel fundamental, que é a função social. Com muita organização, responsabilidade social e foco na gestão, atento à agilidade e inovação tecnológica, contribui e nos dá mais oportunidade para buscar novas formas de comercialização e de relacionamento com o cliente." Hermínio Ficagna, diretor superintendente da Cooperativa Vinícola Aurora
"O cooperativismo vai ajudar no setor habitacional para construir casas populares. Se o governo financiar os materiais, se ajudar na infraestrutura de imóveis com água, luz, esgoto e calçamento, podemos fazer um grande crescimento das cooperativas habitacionais. França, Alemanha, Portugal saíram da crise em 2003 absorvendo mão de obra das cooperativas." Vergílio Perius, presidente da Ocergs