Enquanto setores amargam encolhimento de até 90% durante a pandemia, a construção civil "celebra" um recuo menor do que o projetado em Caxias do Sul. Desde a retomada autorizada pela prefeitura, ainda no dia 6 de abril, a demanda por serviços caiu em torno de 30%, segundo o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil de Caxias do Sul (Sinduscon), Rodrigo Postiglione. A queda, entretanto, afirma ele, fica aquém do temido inicialmente e tende a ser recuperada.
— Estamos contentes, de certa forma fomos surpreendidos. Não perdemos mercado durante a pandemia — destaca.
Os fatores para o inesperado mercado aquecido, aponta o presidente do Sinduscon, são diversos. Segundo Postiglione, a própria insegurança das pessoas com o futuro da economia e de suas finanças pessoais acabou sendo uma vantagem para o setor. Um movimento que "conspira a favor" seria o fato de muitas pessoas estarem depositando seu dinheiro na poupança, o que representaria bom sinal para a construção civil, por significar mais recurso disponível para financiamento.
— Muitos saíram da Bolsa de Valores pela volatilidade e onde estão botando de dinheiro? Em poupança. Os juros para financiamentos estão baixos, 4%, 5% ao ano é nada. Além disso, a Caixa está liberando adiantamento de 20% do valor do empreendimento para obras que serão iniciadas. São muitas questões que tornam o cenário favorável para nós — reconhece Postiglione.
De fato, dados do Banco Central informam que, em maio, os depósitos líquidos na caderneta de poupança dos brasileiros totalizaram R$ 37,2 milhões, tratando-se do maior volume registrado em um único mês em toda a série histórica do BC (iniciada em 1995).
— Tem gente querendo pagar (imóveis) à vista, até por estar apreensiva com o futuro, porque depois, mesmo que demore para vender, ainda assim aquilo é da pessoa e é um investimento que ninguém vai tirar dela — acrescenta.
Outro fator que, na percepção de Postiglione, curiosamente teria influenciado para o aumento da demanda foi o próprio isolamento social.
— Ficando em casa, o pessoal começou a perceber que precisava fazer um arremate, uma pintura. Algumas pessoas decidiram ampliar, enfim, estando mais tempo em casa, coisas começaram a incomodar, e isso também nos ajudou.
REFORMAS CRESCEM
O autônomo Vanderlei Luiz Pedrotti, que trabalha com reformas e obras menores, respalda que a demanda tem surpreendido:
— Temos recebido bastante coisa. Aumentou, inclusive. Eu nunca tinha dispensado serviço, mas ultimamente estou tendo que dispensar de tanta coisa que surgiu. Tá me surpreendendo.
Além de serviços de reforma e pequenas obras, Rodrigo Postiglione afirma que projetos de grande porte (de R$ 500 mil a R$ 2 milhões) também são demandas que surgiram em plena crise.
Embora comemore, o presidente do Sinduscon admite que o contingente reduzido de trabalhadores e os próprios impactos iniciais da pandemia forçaram as empresas a realizar ajustes de pessoal, equalizar fluxo de caixa e revisar pagamentos e pendências como forma de amenizar os efeitos negativos.
Canteiros parados existem
Apesar da retomada promissora, não é incomum avistar canteiros de obras parados na cidade atualmente. A situação pode ser justificada pelas próprias restrições de operação da categoria, cujo decreto vigente permite apenas 50% de trabalhadores. O próprio perfil dos operários, segundo Postiglione, também influencia na questão:
— Como teve gente que teve que ficar em casa por pertencer a grupo de risco, tem empresas que não têm como voltar com um, dois (trabalhadores), aí as obras acabam ficando paradas. Além disso, a maioria dos mestres de obra não são mais "guri", são pessoas mais velhas, que estão sendo mantidos em casa — ressalta.
Ainda assim, em meio à demanda acumulada de alguns e reprimida de outros, em razão das circunstância, o presidente do Sinduscon afirma que os 50% liberados estão dando conta da demanda, embora alguns atrasos de finalização de obras possam acontecer.
CONSTRUÇÃO NA PANDEMIA
Queda de 30% no período
Rescisões
Março - 122
Abril - 114
Maio - 77
Junho (até 9/06) - 26
Total: 339
Cerca 2 mil acordos firmados (abrange também setor mobiliário).
Para trabalhador, cenário não é favorável
Antes da crise, a construção civil contava com cerca de 4 mil trabalhadores em Caxias. Não há número fechado do quanto esse total foi impactado durante a pandemia, mas as demissões são uma realidade. Entre março e maio, 313 pessoas perderam seus empregos no setor — o número não representa o universo total, uma vez que nem todas as rescisões passam pelo sindicato da categoria. Até o dia 9 de junho (terça-feira), já eram 26 rescisões no mês, de acordo com o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Caxias do Sul. Apesar de ser uma área com maior oscilação de empregados, conforme a secretária-geral da entidade, Ivanete Brombatti, os números já são superiores à média normal de desligamentos.
— Está bem acima, ano passado tínhamos média de 40, 50 rescisões por mês. Só em março tivemos 122 — aponta.
Outros dois aspectos surtem impacto maior no contexto: o alto contingente de trabalhadores sem registro e a predominância de trabalhadores idosos, que, portanto, pertencem ao grupo de risco.
— Pessoal da construção civil é mais velho e acabam ficando com contrato suspenso, o que reduz a renda, que já é baixa. Pior ainda, são muitos que estão sem receber do governo, porque não estão aposentados ou são informais. Então não conseguem receber e ficam com dificuldades para pagar suas contas, ou mesmo pensão atrasada. Vieram muitos casos assim no sindicato — complementa Ivanete.
A avaliação do presidente do Sinduscon, Rodrigo Postiglione, no entanto, diverge:
— Até estamos conseguindo preservar empregos, achávamos que as demissões seriam bem maiores, mas o mercado tem dado uma aquecida, então conseguimos amenizar.
O sindicato dos trabalhadores informa também que, desde o início de vigência da Medida Provisória 936, em torno de 2 mil contratos foram consolidados (suspensão de contratos e redução de jornada) junto à entidade, embora nem todos exclusivos da construção civil.
"Há muita procura", diz presidente da Assimob
Desde 2013, a construção civil registra números negativos em todo o país. Em 2019, o ensaio de recuperação indicava um 2020 promissor. As expectativas foram frustradas com a pandemia.
O revés na projeção afeta não só construtoras, como também imobiliárias, que têm vínculo direto na cadeia setorial. Nesse segmento, as expectativas também são positivas, conforme o presidente da Associação das Imobiliárias de Caxias do Sul (Assimob), Nelson D'Arrigo.
— Estamos notando não uma recuperação, mas, em virtude da queda de juros das aplicações financeiras e nas operações de financiamento da casa própria, o mercado tende a dar uma aquecida, estamos sentindo isso. Mesmo que não se tenha negócios fechando, há muita procura. A possibilidade de recuperação é mais clara do que outros setores, mas isso tudo alicerçado ao crédito — avalia.
Atualmente, Caxias do Sul conta mais de 5 mil imóveis em estoque.
— Para quem tinha comercialização de 2 mil a 2,5 mil imóveis ano, esse número (5 mil) é baixo. A minha empresa (Ello D'Arrigo Negócios Imobiliários), por exemplo chegava a comercializar 150 imóveis por ano. Em 2017 e 2018, caiu para 30. Neste ano, projetávamos aumentar para 70, o que seria uma melhora significativa, embora abaixo da época das vacas gordas. Só que março, abril e maio, a venda caiu para zero. A pandemia fez não existir negócios — lamenta D'Arrigo.
Porém, o empresário também aposta na retomada influenciada pela redução de custo dos empréstimos e o aumento de interesse por financiamentos:
— Investimento em imóveis sempre foi o mais seguro. Tu pode não ter a liquidez, mas tem a segurança da matéria disponível. Tem muita gente procurando, inclusive, mudança de investimento, saindo da aplicação financeira para o imóvel — afirma.