A crise sanitária mundial criou uma crise econômica devastadora. Somente em abril, foram extintos 860.503 empregos com carteira assinada no Brasil. Em Caxias do Sul, foram 1.691 contratações e 6.789 desligamentos no mês quatro, resultando no saldo negativo de 5.098 postos de trabalho formais.
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Para completar, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou na última semana que o Produto Interno Bruto (PIB) do Rio Grande do Sul caiu 3,3% no primeiro trimestre frente ao mesmo período de 2019 — neste caso, não apenas efeitos iniciais da pandemia, mas impacto da estiagem.
Mas a pandemia não bateu em todas as portas. Há quem tenha, mesmo nesses tempos difíceis, prosperado. São os casos das irmãs Marília e Claudineli Gasparini da Silva, de Vacaria, que ampliaram a loja de vestuário, abriram uma nova unidade voltada ao público infantil e viram o faturamento subir 50%; de Eduardo de Paula Bressan, fabricante de redutores de válvulas, que tem vivido o melhor dos últimos anos em pedidos; e de Luciano Murialdo Spigolon, que já planejava há dois anos abrir uma filial da ferragem da família e ficou ainda mais motivado quando viu as vendas aumentarem nos últimos meses.
— Por que não apostar agora? Talvez seja um dos melhores momentos para investir. Incerteza sempre há, mas o investimento está sempre atrelado ao olhar a longo prazo. É preciso estar atento a tendências, comportamentos. A Ferragem Spigolon, por exemplo, está expandindo um modelo de negócio já testado, já conhecido — aponta Tiago Centenaro Mignoni, coordenador regional do Sebrae na Serra Gaúcha.
As boas condições de financiamento, com isenção de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), e a redução da Taxa Selic são bons motivos para quem pensa em expandir seus negócios, segundo Mignoni. Para isso, é preciso estar minimamente estruturado, o que exige planejamento. É necessário projetar todos os detalhes e testar.
— Tem que fazer conta, tem que buscar entender o negócio, entender de tendências. Talvez não só para esse momento, mas o empresário tem de estar preocupado em atender a uma necessidade. Qual é a dor, qual é a demanda do meu cliente? Fazer o que eu gosto motiva, faz toda a diferença, mas é preciso resolver o problema. Se apaixone pelo problema, não pela solução — ensina.
O cenário completamente atípico também serviu para acelerar processos, exemplo de Everton Susin, da Sulcar Baterias e Serviços Automotivos, que aproveitou a "oportunidade" para a compra de um equipamento para higienização de ar condicionado que ele há tempos desejava; e de Edilson Gomes, que conseguiu fazer a reforma da loja Milon, planejada desde janeiro. E também forçou adaptações, como a dos proprietários da pizzaria Shelter, que precisaram oferecer o serviço de delivery antes mesmo de abrir as portas do espaço físico oficialmente.
Confira essas e outras histórias de quem, mesmo na crise, cresce.
O melhor dos últimos anos
Em março, Eduardo de Paula Bressan não imaginava que três meses depois estaria planejando ampliar o quadro de funcionários. Com a chegada do coronavírus com força no país, ele só pensava em como fazer para não dispensar nenhum colaborador. Mas, para sua surpresa, os pedidos aumentaram neste período, e a Sul Tork, fabricante de redutores para válvulas, instalada no bairro Pioneiro, vive um dos melhores momentos.
— Normalmente, de abril a julho é fraco para nós. São os meses mais parados. Mas, por incrível que pareça, esse é o melhor ano. As vendas aumentaram 50% — comemora.
A alta do dólar e as dificuldades na entrega de produtos importados são apontados por Bressan como fatores que o ajudaram. A Sul Tork ganhou seis novos clientes neste ano, empresas que antes importavam – e com quem Bressan já tinha tentado negociar anteriormente.
Com desempenho tão positivo, a empresa passou a pensar em novidades. Uma nova válvula, de tamanho menor, foi criada para atender a uma antiga demanda. O produto ainda nem foi lançado oficialmente e já tem pedidos. A equipe já trabalha também no desenvolvimento de uma nova linha, com cerca de 10 itens, que deve ser lançada dentro de dois meses:
— Como todo mundo, eu também temia. Somos uma empresa pequena, mas como a coisa começou a andar, começamos até a investir em novos projetos — diz o jovem, que trabalha com o pai, Dorcilio Bressan.
— Posso dizer que não tenho do que reclamar — completa.
Em Caxias: Dados preliminares apontam que 70 empresas de pequeno, médio e grande porte foram abertas em Caxias em março e abril. MEIs e micro foram 1.430 novos.
É na crise que se cresce
Justamente quando as irmãs Marília e Claudineli Gasparini da Silva tinham decidido ampliar a loja em Vacaria e torná-la multimarcas, a pandemia chegou com força. O receio bateu, claro, mas elas resolveram não desistir. O projeto já estava encaminhado e Claudineli, que é veterinária, havia vendido a clínica para se tornar sócia da irmã.
Seguiram o plano e inauguraram, em maio, as novas instalações da Euphoria: uma nova loja com 220 metros quadrados – a antiga tinha 50. E não pararam por aí. No dia 6 de junho, abriram a filial voltada ao público infantil no espaço onde funcionava a matriz. O investimento nas duas unidades foi de R$ 330 mil.
— Tivemos medo. Era uma aposta muito alta, principalmente para a minha irmã. Mas dizem que é na crise que se cresce — destaca Marília.
E, de fato, a loja cresceu. Neste período, o faturamento subiu 50%. O uso das redes sociais e o envio de roupas para a casa dos clientes para que possam provar sem ir à loja são alguns dos pontos que favorecem o aumento das vendas, segundo Marília.
— Nosso público viaja muito. Sem poder sair, acaba comprando. Além disso, tem um café dentro da loja, o que é bem diferente para Vacaria — conta.
Com a expansão, as irmãs geraram quatro novos empregos e, diante da demanda, estão contratando mais um funcionário.
— Sei que é um momento difícil, tive medo, mas estou me informando muito, assistindo a muitas lives. Me inspirei em muitos empresários. A gente tem de se reinventar — entende Marília.
Em Vacaria: Entre 16 de março, data do primeiro decreto municipal em Vacaria, e 10 de de junho foram emitidas 86 novas inscrições municipais. O número representa uma baixa de cerca de 40% em relação ao mesmo período do ano passado. Os dados são da Secretaria de Desenvolvimento, Tecnologia, Trabalho e Turismo de Vacaria.
Acelerando processos
Em vez de paralisar com a pandemia, Everton Susin, proprietário da Sulcar Baterias e Serviços Automotivos, aproveitou o período para acelerar um processo que já vinha planejando há algum tempo: a compra de um equipamento para higienização de ar condicionado. O serviço já era oferecido, porém, segundo ele, de maneira mais simples. Com o coronavírus, ele resolveu aprimorar a entrega.
— Existia a percepção de necessidade de ampliação. Em função da crise, pensamos: o que vamos fazer para inovar? Foi um acerto — comemora.
A novidade foi, de certa forma, um "presente" para a atual clientela, e acabou sendo também um chamariz para novos fregueses. O retorno tem sido, conforme Susin, muito positivo. Sem o novo equipamento, os reflexos teriam sido muito maiores, acredita:
— Seria muito otimista dizer que não teve impacto. A redução foi pequena, mas teve.
Novidades no shopping
Após 20 anos fazendo crepes em feiras e eventos, Leandro Chisini resolveu expandir o negócio. Quando estava com tudo pronto para abrir um ponto fixo, chegou o coronavírus. Diante de tantas incertezas, preferiu adiar a inauguração, que seria em abril, e esperar para ver como o mercado iria se comportar.
— Paramos e até pensamos se não era hora de voltar atrás. Mas tudo na vida tem começo, meio e fim. E essa pandemia vai passar — acredita Chisini, que abrirá o quiosque Toda Hora Crepes no dia 1º de julho, no Shopping Iguatemi. O investimento é de cerca de R$ 50 mil.
O empresário, que participava de até 40 eventos por ano, pretende retomar as feiras quando a realização for liberada — o que ele imagina que seja possível somente no ano que vem.
Enquanto Chisini planejava o novo negócio, Edilson Gomes aproveitava o período para repaginar a Milon, também no Iguatemi. A boutique de moda infantil passou por uma reforma e foi inaugurada no final de maio. No total, foram investidos R$ 300 mil na modernização do empreendimento que está há nove anos no shopping.
— Já existia o planejamento de reforma desde janeiro. Então, o sentimento da reabertura foi o melhor possível. Temos convicção de que a situação atual vai passar e não mediremos esforços para estarmos cada vez mais fortalecidos — destaca.
80 novas lojas da Criare e Italínea em 2020
Quem também mantém os planos de expansão, apesar da pandemia, é o Grupo Todeschini, de Bento Gonçalves. A Criare, uma das marcas da empresa de móveis planejados, prevê um crescimento de 35% em sua rede com a abertura de 20 novas lojas exclusivas até o final do ano – quatro operações já foram inauguradas, antes da crise iniciar no Brasil. Com isso, passará de 55 para 75 endereços em todas as regiões do país. A expectativa é de um aumento de 12% na receita da companhia.
Pelo menos duas lojas serão abertas em junho, nos estados do Paraná e de Minas Gerais. Mas a maioria dos lançamentos precisou ser adiada para o segundo semestre, segundo o diretor comercial da Criare, Diego Machado. Outros impactos não foram sentidos pela empresa. O faturamento, por exemplo, se manteve.
— Na indústria, não sentimos o impacto porque tínhamos um bom estoque de pedidos — diz.
A Italínea, marca também do Grupo Todeschini, tem previsão de 60 novas lojas em 2020. Quatro já foram abertas em abril e uma em maio, nas cidades de Florianópolis (SC), Taubaté (SP), Praia Grande (SP), Cruzeiro (SP) e Palmas (TO).
— Essa crise que se iniciou como de saúde e agora é econômica e política veio para acelerar o novo, para repensar conceitos, como a gente conduz a vida, como se relaciona com os clientes. O momento é de oportunidade e de buscar fazer diferente no dia a dia — destaca Machado, também diretor da Italínea.
Mudança de planos
Estava tudo preparado para a inauguração da Shelter Pizza Bar, em 15 de março, no Moinho da Estação. Mas aí o coronavírus chegou e bagunçou os planos. Os proprietários obedeceram à quarentena, mas, no final de abril, quando já estava permitida a abertura de restaurantes, resolveram começar a trabalhar com telentrega. Na verdade, se viram obrigados, já que as contas começaram a chegar.
— Nós íamos ter delivery só no segundo semestre. A gente teve que readaptar tudo. Foi bem difícil porque nunca trabalhamos com delivery. É desgastante. Tem o motoboy, as embalagens, é um processo bem longo — conta Gustavo Gazzola, um dos sócios, também proprietário do bar Zero54.
Mesmo sem a chamada expertise no ramo da telentrega, colocaram a mão na massa e têm entregue, em média, 40 pizzas por dia – o estabelecimento atende de quarta a domingo. O número de pedidos surpreendeu Gazzola:
— Não achei que venderia tanto. Conseguimos salvar parte das contas fixas e deu uma injeção de ânimo. Conseguimos honrar parte dos compromissos e renegociar boa parte.
Com os bons resultados até agora, a intenção é de abrir o espaço fixo na primeira semana de julho. Os três funcionários que acabaram dispensados em março serão recontratados quando a casa abrir as portas.
Primeira filial em julho
Há dois anos, quando desenhou, com consultoria do Sebrae, o plano de negócios para a Ferragem Spigolon, Luciano Murialdo Spigolon não imaginava que no meio do caminho haveria uma crise sanitária mundial. Ficou assustado e teve dúvida se seguiria com o planejamento, que previa a abertura da primeira filial neste ano. Mas durou pouco a incerteza. O aumento entre 35% e 40% no faturamento na matriz, no bairro Desvio Rizzo, nesses meses de pandemia foi o gás que precisava para manter o plano. Na verdade, ele até adiantou a inauguração da loja em Ana Rech de agosto para 4 de julho.
— Sempre acaba tendo dúvida, mas estávamos bem estruturados nesse projeto de expansão. E a surpresa com o movimento acima do normal na loja nos motivou. A gente sabe o risco, mas ele é calculado. No nosso plano de negócios, desenhamos cenários: normal, otimista e pessimista. Se for pessimista, estamos preparados — garante.
O investimento na nova loja é de R$ 250 mil. Quatro empregos serão gerados. A meta é tornar a Ferragem Spigolon líder no segmento em Caxias do Sul. Para isso, além da abertura da primeira filial em julho, Luciano prevê a inauguração de duas novas lojas em 2021 e mais uma em 2022.
Ajuda
Para auxiliar empreendedores com dificuldades neste período, o Sebrae criou serviços específicos. Todos eles estão disponíveis no site sebraeaoseulado.com.br
> Rodada virtual de oportunidades: tem como objetivo aproximar empresas atingidas pelos efeitos da covid-19 com potenciais fornecedores, clientes e parceiros. O evento tem foco em "B2B", que é a geração de negócios entre empresas. Diariamente, é possível analisar o perfil das empresas participantes, identificar oportunidades e iniciar uma negociação.
> Coaching executivo online: atendimento focado em aumentar a capacidade de liderança na adversidade para alcançar melhores resultados no seu negócio.
> Consultorias em gestão online: auxilia na elaboração do plano de negócio (para pensar na sua ideia ou negócio em relação ao mercado, produtos, recursos necessários, modelo de operação, oportunidades de crescimento e riscos existentes) e na modelagem de negócios (para aprimorar a sua ideia e avaliar a estratégia, novos produtos ou serviços).
Dicas aos empreendedores
1) Avalie o impacto
Analisar detalhadamente como os clientes, o setor e os negócios em geral serão impactados a médio e longo prazo pelas restrições impostas, pelos novos hábitos e medos.
2) Desenvolva a estratégia
Refletir sobre como se adaptar ao novo cenário, como avançar nas vendas com baixo contato. Como criar um novo mix de produtos e serviços baseados nos conceitos de baixo contato? Como redirecionar investimentos (cada vez mais escassos) e esforços para as iniciativas certas, alinhadas ao comportamento de consumo?
3) Prepare para agir
Mapear oportunidades, desenvolver um funil para escolher as oportunidades impulsionadas pelo novo comportamento do cliente, desenvolver ações em conjunto com outras empresas (divulgação, compra, vendas, entregas, etc) e analisar possibilidade de fusões ou aquisições de outras pequenas empresas.
4) Faça acontecer
Projete e execute o plano, teste e lance a nova proposta/modelo de negócios. Revise o plano frequentemente, pensando nas pessoas e estrutura necessárias para garantir a entrega de valor aos clientes.
Fonte: Sebrae RS