Desde que a crise atingiu em cheio o setor industrial de Caxias do Sul, varrendo milhares de postos de trabalho, é cada vez mais comum encontrar pessoas que aderiram aos aplicativos de transporte.
Números extraoficiais apontam que o número de motoristas dobrou nos últimos dois anos na cidade. Atualmente, cerca de 4 mil optaram pela profissão. Em 2017, seriam 2 mil.
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Neste contingente, um dado preocupa. Profissionais diplomados, com curso superior, aderiram à função para pagar suas contas. As empresas do setor não informam o percentual, mas para quem utiliza esse meio de transporte é comum se deparar com motoristas fazendo faculdade ou já formados no volante do veículo.
Para o professor da FSG Rafael Perini a migração de diplomados para o transporte por aplicativos é reflexo da mudança no desempenho da economia. Sem alternativa de colocação profissional, houve uma invasão em busca de trabalho na área de serviços. Este setor acumula crescimento de 8,6% este ano em Caxias do Sul, segundo dados da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC).
— Muitos tornaram a atividade uma profissão — aponta.
É o caso de Ronaldo de Farias Milech, 45 anos. Formado em Tecnologia de Gestão Ambiental pela Universidade Federal de Pelotas, ele percebeu nesta fatia de mercado um meio para sobreviver. Ele chegou à Serra Gaúcha em 2016, em meio à crise, com a esperança de conseguir um emprego em sua área de formação.
Distribuiu dezenas de currículos. Nos poucos retornos que teve, o salário era baixíssimo. Resolveu se cadastrar em uma empresa de transporte por app.
Tá dando certo. Mesmo morando em Farroupilha, Milech se desloca até Caxias todos os dias. O rendimento líquido mensal pode chegar a R$ 5 mil. No atual cenário econômico, poucas empresas oferecem este salário inicial, mesmo para um tecnólogo ambiental.
A filha, Letícia Kunde Milech, 22, seguiu o mesmo caminho. Cursando Medicina Veterinária, ela investiu no segmento Uber Eats (entrega de comida) e consegue faturar até R$ 200 por dia.
Sem benefícios
É preciso estar ciente, no entanto, que os motoristas de aplicativos não tem a maioria dos benefícios que as empresas asseguram aos seus funcionários com carteira assinada, como férias, FGTS e 13º salário.
— Por isso é preciso se programar — ensina Rafael Perini.
E acrescenta:
— Também existe a visão não tão romântica, em que o capital acaba prevalecendo. As empresas se aproveitam de mão de obra especializada para crescer no mercado, podendo levar à precarização da relação trabalhista. É o caso de gigantes como a Uber, que tem o valor aproximado de US$ 80 bilhões e a 99, avaliada em US$ 1 bilhão — justifica.
"A demanda só tende a crescer"
Ter formação superior e trabalhar como motorista de aplicativo pode ser um bom negócio se o profissional souber administrar. Com uma visão mais aguçada do mercado, podem fazer desta profissão um negócio rentável. Quem garante é o professor da área de negócios da FSG Rafael Perini.
— Os motoristas preparados fazem análise de mercado, planejam, calculam custos, montam empresa, estabelecem metas, definem rotas. Como qualquer outra empresa — alerta o especialista.
Usuário assíduo deste meio de transporte, Perini convive diariamente com quem optou por esta fatia do mercado.
— É possível perceber claramente quem leva a atividade a sério. Estes sobrevivem muito bem com o trabalho e não buscam mais uma recolocação fixa em empresas.
O tecnólogo ambiental Ronaldo Milech está entre os que planejam a atividade. Ele coloca tudo na ponta do lápis: adquiriu um carro mais econômico, fez a conversão para o combustível GNV, atenta para os horários com mais demanda e, quando há jogo no Jaconi, por exemplo, amplia o horário para até 12 horas/dia.
Letícia também administra seus horários de acordo com a demanda. As entregas do Uber Eats (comida) aumentam à noite. Por conta disso, reserva o horário das 19h às 23h para atender aos pedidos.
— Já teve dias que faturei R$ 400 — diz, satisfeita.
O mercado do transporte por aplicativos é um caminho sem volta, segundo o professor Perini. A demanda só tende a crescer. Os jovens preferem à comodidade do Uber a ter um carro e arcar com todas as despesas.
— É mais prático, seguro e, em alguns casos, até mais barato — defende o professor.
Para quem pretende levar a sério, o especialista orienta:
— Faça da atividade um negócio.
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