Que atire a primeira pedra quem nunca se atrapalhou com o contracheque das férias. Dois dias antes do merecido descanso, a folha extra vem gorda: estão lá o adiantamento dos dias em que o trabalhador estará afastado mais um terço de bônus para curtir a praia com a família. Baita negócio? Nem tanto.
Uma das maiores confusões que esse direito previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) traz ao empregado é levá-lo a acreditar que a "bolada" é um agrado do patrão para ser torrado nos quiosques e restaurantes. A realidade é outra: o que foi pago como adiantamento desfalcará o contracheque no mês seguinte, enquanto as contas de sempre chegarão sem piedade logo adiante. O bônus, mesmo, é apenas o adicional de um terço. Quem não faz a diferenciação pode se complicar.
A gestora de empresas Lisandra De Bona, 43 anos, faz parte da reduzida parcela de trabalhadores que consegue planejar suas contas na ponta do lápis. Ou melhor, nos campos de uma planilha de Excel. Desde 2005, ela detalha os gastos mensais em um programa do computador e nada escapa de seu controle. Nem mesmo a compra de uma caneta ou do ticket do estacionamento rotativo.
Por conta disso, Lisandra não tem surpresas e nem sustos com os saldos de seus contracheques. O dinheiro que chega antes devido às férias, por exemplo, já tem destino certo.
— Antecipo todos os pagamentos com descontos e reservo parte do salário para o retorno. Isso é sagrado — ensina.
Com formação em Jornalismo, Pedagogia Empresarial e Gestão Estratégica de Pessoas, Lisandra aprendeu desde criança a lidar com o controle de gastos.
— Minha mãe controlava todas as despesas da casa e estipulava limites que não podiam ser ultrapassados — lembra.
Hoje, motivada pela formação em Pedagogia Empresarial, ela se dedica a passar os mesmos ensinamentos para a filha, Letícia, 12 anos.
— Fico tranquila quando entrego a ela meu cartão de crédito para ir ao cinema, por exemplo.
Ela também garante que não é pão-dura.
— Primo pela qualidade de vida e não abro mão do sonho de conhecer o mundo.
"São só 15 minutos por dia"
Qual o segredo para adquirir este tipo de comportamento para uma pessoa desorganizada, por exemplo?
— Ter foco e clareza sobre como planejar os objetivos de vida — resume Lisandra.
Em sua planilha no computador, ela separa as despesas por áreas: domiciliar (custos fixos mensais com a casa), individuais (esporte, lazer, cultura, saúde, beleza, etc), variáveis (animais, educação, vestuário, calçados, voluntariado, carro), viagens (onde entra o maior custo), extras (imprevistos — se não acontecerem, os recursos vão para um fundo de reserva).
Sua maior paixão é viajar. Por isso, o foco está neste objetivo. O cartão de crédito é utilizado para conquistar milhas que possam ser utilizadas nas passagens. Outro ponto destacado por ela é reunir todos os recibos que possam contribuir para a restituição do Imposto de Renda. Nada escapa. Duas caixas reúnem todos os comprovantes de suas despesas. Quando precisa estão lá, disponíveis. (Ivanete Marzzaro)
Tem que reservar para o mês
O educador financeiro Jó Adriano Cruz orienta:
— É importante saber quanto do adiantamento se poderá gastar nas férias e quanto terá de ser reservado para o mês seguinte. Isso é fundamental para o descanso não virar um pesadelo.
Sua recomendação é que, assim que receba o adiantamento, o trabalhador guarde uma fatia na poupança, para não confundir com o orçamento do dia a dia. Dessa forma, no mês seguinte, quando o contracheque vier magro, poderá usar a aplicação.
Outra sugestão do educador Jó Adriano é aproveitar alguma reserva financeira para ter férias mais confortáveis. Quem guarda um pouco a cada mês pensando no descanso costuma chegar ao verão com o bolso mais cheio, sem cair na tentação de mexer no adiantamento. Nesses casos, o adicional de um terço pode ser até um luxo para gastar na beira da praia ou fazer passeios mais caros com a família.
— Quem não fez esse planejamento e não dispõe de dinheiro para férias mais glamourosas pode procurar programas alternativos mais em conta, como atividades culturais e recreativas de baixo custo ou passeios mais curtos por cidades próximas — aponta Jó Adriano. (Com Erik Farina/GaúchaZH)