Fundamental para prevenir doenças e reduzir as fontes de sobrevivência dos fungos que atacam as videiras, o tratamento de inverno terá início nos próximos dias no Rio Grande do Sul. É no mês de julho que os produtores de uva encontram as condições adequadas para a aplicação da calda sulfocálcica e, posteriormente, limpeza das parreiras, que ainda encontram-se em fase de dormência.
A chegada do frio no outono trouxe junto a expectativa de uma safra duas vezes maior do que a passada. A Associação Gaúcha de Vinicultores estima que 600 milhões de kg devam ser colhidos no verão. Para que a produção atinja este montante, além da ajuda do clima, é preciso um tratamento que defenda a planta quando o tempo inverter.
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Com a calda sulfocálcica – mistura feita à base de enxofre e cal virgem –, aumentam as chances de estancar a proliferação de patologias que podem colocar toda a produção em risco e comprometer o solo em futuros replantios. Empregada somente uma vez ao ano, a calda precisa "molhar" os troncos e ramos. A pulverização consome um dia inteiro de trabalho e é mais eficaz com a ajuda de trator.
– O efeito é bem positivo. Notamos um crescimento quatro vezes maior dos nossos associados na procura pela técnica em relação a 2014. O principal objetivo do tratamento é baixar o número de inóculos, que são as estruturas de resistência dos fungos. Assim, se tem um ciclo vegetal melhor – diz Leonardo Reffatti, 28 anos, engenheiro agrônomo da Cooperativa Nova Alivança, que reúne mais de 900 famílias da região de Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Garibaldi, Farroupilha, Flores da Cunha e outras cidades da Serra.
Depois de pulverizada, a videira tem melhores condições de resistir aos fungos que causam manchas, ferrugem, podridão (Glomorella cingulata) e míldio (Plasmopora viticola). Como os invernos brasileiros não apresentam temperaturas tão baixas quanto os do Hemisfério Norte, os fungos encontram aqui um habitat melhor para se fortalecer em comparação a regiões mais frias do planta.
Nas estações chuvosas e abafadas, exemplo de 2015, a uva demora a amadurecer, e aumentam as possibilidades de prejuízos com as enfermidades. O frio, por outro lado, é um agente natural contra as pragas.
– Ainda é cedo, mas eu diria que estamos bem em 2016. No ano passado, era verão em agosto. Tivemos uma das piores safras da nossa história. Em qualidade, porém, a uva não ficou ruim – afirma Darci Dani, diretor-executivo da Agavi.
"A planta precisa ser renovada"
Localizada em um vale na 4ª Légua, zona rural de Caxias do Sul, a propriedade de três hectares da família Canalli sofre com as intempéries climáticas. Abafada em dias quentes e com pouca incidência de geada nos frios, a videira – da variedade Isabel – tem constante risco de ser danificada por fungos. Por isso, a aplicação de calda sulfocálcica é prioridade neste inverno.
Além do compromisso com o consumidor, os Canalli têm responsabilidades também com a Nova Aliança, da qual são membros. A uva, antes de ir para o mercado, é avaliada internamente na cooperativa. Se estiver fora dos padrões pré-determinados, é imposta uma multa. Em caso de reincidência, a família é excluída da sociedade.
– É um trabalho manual, do amanhecer até o anoitecer. Vamos em cada galho. O parreiral é antigo, plantado pelo meu avô, há 60 anos. A planta precisa ser renovada, do contrário, enfraquece e não dá frutos – explica Willian Canalli, 26 anos.
A mãe dele, Eliane Canuto Canalli, 47 anos, auxilia na lida. De acordo com ela, o tratamento e a limpeza influenciam diretamente no açúcar e, consequentemente, no gosto do suco ou do vinho. Eliane procura se informar junto a engenheiros agrônomos sobre técnicas como o tratamento de inverno, e defende ser primordial a qualidade, não a quantidade:
– Não adianta um volume enorme e ruim. Estamos batendo nessa tecla. O preço da uva sempre é muito abaixo do ideal. Se não agregarmos mais valor, vamos desistir e plantar repolho.
Depois da poda, em agosto, tem início a brotação da videira, na segunda quinzena de setembro. No final de outubro, é feita a chamada poda verde, que encaminha a colheita de janeiro e fevereiro. A expectativa da família Canalli é prouzir de 60 a 65 mil kg de uvas. Sem fungos.