Na última quinta-feira, o renomado estilista mineiro João Pimenta e a gestora de relações institucionais do movimento Sou de Algodão, Manami Kawaguchi, foram os convidados da aula inaugural do curso de graduação em Moda da UCS.
Antes da aula, que ocorreu no Campus 8, João e Manami conversaram com GZH sobre sua parceria, sobre o papel do algodão para a moda brasileira, especialmente do ponto de vista da sustentabilidade, e sobre os desafios do setor para tornar o algodão brasileiro cada vez mais competitivo. Confira a entrevista:
Almanaque: Quando é firmada a parceria entre o movimento Sou de Algodão e a UCS, o que cada lado ganha?
MANAMI KAWAGUCHI: A Sou de Algodão é uma iniciativa da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), que representa mais de 99 % da produção nacional da fibra. A indústria têxtil nacional consome muito algodão, e a Abrapa tem programas de sustentabilidade e de rastreabilidade para tornar o algodão um produto mais competitivo no mercado. A gente quer mostrar ao consumidor e também ao estudante que logo vai atuar neste mercado, como é essa produção feita através de um programa de certificação socioambiental, o ABR (Algodão Brasileiro Responsável), e também mostrar alternativas para tornar esta moda mais sustentável.
O movimento trabalha com marcas de tecelagem, de fiações, malharias, entre outras, a fim de aproximar esses diferentes públicos justamente para entender que todos fazem parte de uma cadeia produtiva imensa. Isso gera conhecimento e promove o fortalecimento de toda a cadeia para, mais à frente, conseguir atuar também na inovação.
Temos uma indústria que está estagnada neste tema há bastante tempo, muito por falta de incentivo. E o olhar do estudante, que é um papel em branco, com toda a criatividade à solta, é uma aposta para gerar inovação no mercado.
Na mesma medida em que se busca mais sustentabilidade na indústria da moda, é importante levar essa conscientização também como informação ao consumidor?
MANAMI KAWAGUCHI: Acho que por um tempo houve, sim, a promessa de levar ao consumidor uma moda mais sustentável. Mas é difícil mostrar isso de fato, se você não tem como comprovar a origem sustentável. O algodão no Brasil tem certificação socioambiental e somos um dos únicos países no mundo a trazer rastreabilidade de origem, desde 2004.
Com o Sistema Abrapa de Identificação, cada fardo de algodão beneficiado tem uma etiqueta amarela, contendo um código de barras que traz dados como qual a fazenda, qual o produtor responsável, dados do beneficiamento, etc. Isso é algo que traz transparência, mas que se perdia quando entrava na indústria. A partir de 2021, a gente criou um programa de rastreabilidade, que permite comprovar que o algodão presente naquela peça é 100% certificado.
Pelo lado do varejo, é cada vez mais importante conscientizar o consumidor a olhar a etiqueta de composição da peça. Primeiro, porque é norma no Brasil, para qualquer empresa de moda ou têxtil, declarar se a sua peça foi feita no Brasil ou em algum outro país, e qual a composição da peça. O consumidor vai olhar e vai ver quais são as fibras que a compõem e o quanto isso é positivo do ponto de vista socioambiental.
Em relação a outras indústrias que passaram a dar mais visibilidade a seus processos, buscando assim passar uma imagem de mais transparência, o setor da moda largou com atraso?
MANAMI KAWAGUCHI: Acho que a questão da comunicação também tem a ver com o quanto cada um está disposto a se tornar um telhado de vidro. Porque, uma vez que você comunica, você expõe este telhado de vidro. E há um ativismo nas redes sociais e uma crítica tão pesada que, quando você comunica alguma coisa, vem uma crítica fortíssima, que às vezes você não tem estrutura para aguentar.
A gente vê muitas marcas fazendo coisas muito bacanas, mas elas não estão dispostas a mostrar, porque todo mundo tem problema dentro de casa. A moda não é perfeita e talvez nunca vá ser. Mas a gente está trabalhando para tentar melhorar o que a gente tem hoje, porque isso é um olhar para a sustentabilidade e para o futuro. E as marcas não estão dispostas a falar porque já foram muito criticadas. Talvez seja preciso um pouco mais de compreensão por parte dos críticos, principalmente os ativistas ambientais, de tentar conhecer um pouquinho mais dos setores antes de criticar de fato, porque muitas vezes a gente vê as críticas sem fundamento nenhum. E as pessoas que escutam e seguem estes críticos passam a repetir, reforçando estereótipos muito antigos.
João, o que te atraíste no movimento Sou de Algodão para se tornar um parceiro?
JOÃO PIMENTA: Foi uma parceria que iniciou em 2018 e que, para mim, também foi a descoberta de uma fibra. Porque eu trabalhava muito em cima da seda, do poliéster, de outras fibras, e achava que o algodão não era o ideal para o meu trabalho, que é mais de alfaiataria. Mas depois vim descobrir que esta é a melhor fibra para eu trabalhar. Comecei, então, a planejar as minhas roupas no algodão, exatamente porque ele é mais fácil de costurar e também por ter uma boa questão térmica. Hoje trabalho com algodão em tudo: na camisaria, nos ternos, até em cuecas.
Também acho muito importante o lado do consumidor saber quem fez a peça que ele está vestindo. Isso me interessa muito, porque, em um ateliê, a gente acredita que a roupa de alfaiataria, por levar mais tempo para ser feita, fica impregnada com a energia de quem trabalhou em cima. E que energia você vai querer levar para dentro da tua casa?
Quando tu falas a acadêmicos de moda, como hoje (quinta), que pontos tu costumas trazer à conversa?
JOÃO PIMENTA: Eu uso a minha própria história de vida, que vira a história com a moda. Eu venho de uma família muito simples, do interior de Minas Gerais, e demorei muito tempo para acreditar que eu poderia fazer esse trabalho. Porque a gente tem a moda como um ambiente de elite, e atravessei muitas histórias que fui vivendo pra conseguir chegar onde eu cheguei. São essas histórias que eu junto com os meus desfiles. Tenho um clipping de todos os meus desfiles, em que um vai amarrando o outro, e a história deles vai contando esse meu processo, onde eu vou descobrindo a forma de fazer tecido, e tudo isso por deficiência financeira.
A gente acredita que isso acaba sendo um estímulo para o aluno, porque eu contando essas histórias e mostrando até onde eu consegui chegar, tentando ser original, tentando ter brasilidade, tentando fazer essa história de reaproveitamento.
Tudo isso a gente acredita que acaba estimulando, porque esse percurso conta uma história que chega num lugar onde esses meninos têm o desejo de chegar
O algodão é uma matéria-prima espalhada por todas as regiões do Brasil. Também é um desafio da moda, especialmente de quem cria, explorar mais essas raízes locais?
JOÃO PIMENTA: As pessoas falam muitas coisas diferentes sobre o que é a moda brasileira, sendo que a moda brasileira é exatamente essa mistura de muitas coisas. Enquanto em outros países você tem um estilo súper definido, aqui a gente tem de saber lidar com essa diversidade toda e juntar isso para construir uma única coisa. Nossa diversidade de pessoas, de crenças, o nosso folclore, tudo isso é muito estimulante, mas não costumamos enxergar isso. O que percebemos é que ainda vem gente de fora se inspirar no que temos aqui para produzir moda, para a gente mesmo copiar depois.