Transitar pela via errada é um jeito certo do estilista João Pimenta tentar encontrar um conceito e um caminho de pensar e fazer moda masculina no Brasil. Em meio à mistura de referências que a cultura brasileira oferece, cria peças com bordados, rendas e babados para homens em nome da aproximação dos gêneros.
Há 20 anos atuando na moda brasileira, o mineiro vendeu tecidos nas Casas Pernambucanas, desenhou para noivas, circulou por mercados alternativos até chegar ao principal line up do setor. Pensa e defende uma indústria consciente, que vá além do fast fashion. Trabalha com o conceito de workwear, mas diferencia com inventividade os uniformes do cotidiano. A experiência tem sido desenvolvida também com a marca gaúcha West Coast.
O designer de 49 anos foi um dos articuladores do desfile do Laboratório Fantasma, do rapper Emicida, na última SPFW. Também saúda o potencial do Sul no ambiente da moda brasileira e prepara projeto com uma empresa da Serra. A entrevista que segue foi concedida quando ele participou do júri do Prêmio UCS/Sultextil.
Como você concebe roupa para o homem contemporâneo?
O mercado de roupa masculina me atraiu justamente por uma falta de gente olhando para ele. Tinha uma loja na qual fazia roupas femininas e percebi que os meninos entravam nela para procurar coisas que lhes servisse, coisas que pudessem vesti-los. Achei que aí tinha um caminho para percorrer. Comecei a fazer um masculino que não fosse tão duro. Que não fosse aquilo que as pessoas normalmente pensam, que tenha que ser quadrado, com as cores x, com estampas que não podem. Comecei a abrir este leque para o masculino. Meu desejo é mais de linguagem do que de produto. Sei que é estranho falar isso depois de 20 anos fazendo roupa. Eu acredito muito na linguagem que a moda pode propor. Ela pode transformar as coisas. Localizo no meu trabalho mais uma vontade de comunicação, do que mesmo de fazer produtos para as pessoas.
Que linguagem persegue?
Desde o início, eu lido com esta dualidade do masculino e o feminino, o pobre e o rico. São os dois contrapontos que me atraem, que eu gosto de discutir. E essa questão de gênero hoje é muito bem vinda. Ela vem num momento legal em que as pessoas estão precisando relaxar quanto à esta questão. Quando isso vai para grandes magazines – por exemplo, a C&A tratando desse assunto – é muito interessante, pois, para a sociedade é um tema mais fácil de lidar. Hoje você vê a sexualidade muito mais exposta até na tevê. A moda tem também esta função colaborativa com a sociedade, de fazer com que as pessoas aceitem mais o outro. Essa questão do gênero não vai ser o que fique para sempre. Mas, hoje, isso serve também para discutir as questões da sexualidade. A moda tem, afora a linguagem, a questão estética. Ela cativa as pessoas. De todos os segmentos, a moda é a que mais tem força para falar de muitos assuntos além da sexualidade.
Quem é o homem contemporâneo na sua concepção?
O homem hoje tem uma liberdade muito grande para experimentar. Antes, o homem achava que roupa definia sexualidade, que cor definia sexualidade. Graças a Deus ele tem percebido que a sexualidade está muito longe disso. Ele está conseguindo desplugar a opção sexual da roupa. Esse é um momento mais feliz, quando a roupa não define nada. A mulher lida de forma mais inteligente com a roupa. Ela se aproveita da moda como uma diversão. Cada dia ela se sente e se veste de um jeito, um dia mais feminina, noutro mais masculina. O homem é mais travado com isso. Mas ultimamente no Brasil, com esta mistura tão grande que a gente tem, está muito mais fácil de abrir estas questões.
Que moda brasileira se tem feito?
Conhecendo os Estados brasileiros, tenho percebido que a moda brasileira é uma grande mistura. Você reconhece rapidamente a moda italiana, a moda francesa, mas não consegue definir rapidamente num shape que alguém esteja vestindo moda brasileira. Somos toda esta mistura que até nos incomoda, que a gente acha que é suja. Somos este eclético. A gente não tem uma única linha de raciocínio como os outros países. Somos e seremos sempre essa mistura de um monte de coisas.
Como você trabalha o conceito workwear, da reelaboração da “moda uniforme”?Tem muitas questões em torno da ideia do uniforme, mas duas em especial. A primeira é a questão da durabilidade. Hoje, as pessoas não querem mais uma roupa que se use uma vez e se jogue fora. E tem de novo esta questão de gênero, quando você discute de fato o que seria possível no fato de homem e mulher vestirem a mesma roupa. Isso também está no uniforme, na possibilidade de misturar as pessoas.
Como foi a experiência do desfile-manifesto do Laboratório Fantasma na São Paulo Fashion Week?
O Evandro Fióti e o Emicida têm esta questão da comunidade, querem representar a comunidade. E uma marca que sai de onde eles saíram sendo apresentada dentro da São Paulo Fashion Week, para eles, simboliza esta representatividade, este “nós chegamos lá também”. Para mim isso também foi importante. Também venho de uma família humilde. E eles quiseram deixar isso muito claro que saindo da favela, sendo negro, a gente também pode chegar a um evento do potencial da São Paulo Fashion Week. Isso tem um valor muito grande.
Era um desfile mais de conceito ou de roupas?
O desejo deles também era fazer roupa para um nicho de pessoas que pediam isso. Então, é um público que eles já têm e eles queriam fazer também uma roupa que atingisse a todas as pessoas. Tinha também a questão do plus size. Tem esse olhar para todo mundo. Tudo o que levou a esse desfile do Laboratório é consistente. Nada é vazio. Mas, claro, é dúbio pois isso foi mostrado num lugar de elite. Eu imaginava desde o começo que isso iria dividir as pessoas. Mas até me surpreendeu a quantidade de pessoas que gostaram do trabalho. Mas esse questionamento sobre o preço. É impossível fazer roupa barata no Brasil. Ou você é zero de qualidade, ou... No começo, a ideia era de ter um preço mais baixo. É mais baixo do que todas as outras marcas, mas não o suficiente para uma pessoa da comunidade vestir. Algumas peças sim, outras não.
Qual o nó na cadeira de produção de moda de qualidade no Brasil?
O maior problema é a mão de obra. Ou você tem uma mão de obra cara ou barata. Isso divide muito o mercado, complica mais.
Qual a sua opinião sobre o fast fashion?
Eu rezo todos os dias para que ele acabe. Se a ideia do acesso ao design funcionasse seria perfeito. Mas essa não qualidade gera mais poluição, mais lixo para o planeta. O fast fashion acaba desfigurando uma roupa, que você vai usar poucas vezes. Você acha que está economizando, mas na verdade vai estar pagando mais por que ela não tem durabilidade. Tem que achar uma forma das pessoas terem acesso à moda, mas não produzindo em toneladas e isso chega ao mercado e, em um mês, chega outro tanto. E hoje, com esta questão do see now, buy now o fast fashion fica mais apertado. As marcas terão que produzir mais rapidamente, o que complica ainda mais. Tem que achar uma forma das pessoas terem acesso à moda, mas não produzindo em toneladas e isso chega ao mercado e, em um mês, chega outro tanto.
Como você define sua moda?
Espero ser experimental para sempre. Antigamente isso me incomodava muito, de estar sempre em maturação, em experimento. Hoje acho importante experimentar, testar, e andar pela via errada. O novo só pode vir do não definido, do não estabelecido. Hoje, tenho um trabalho que gosto muito, de alfaiataria, que aprendi desmontando roupas.
Como tem sido seu trabalho em parceria com a West Cost, de Ivoti?
Tínhamos trabalho focado no workwear, mas abrimos o leque para moda, trabalhando com lavagens e elastanos. A coleção nova está bacana, e a marca está apostando na modernização, tem uma mente bem aberta.
E o projeto que está desenvolvendo na Serra?
Esse é o meu segredo no momento (risos). Já vim para cá outras vezes, estive em Farroupilha (spoiler!), e tem muita coisa de moda acontecendo, uma indústria muito forte aqui. A moda brasileira é muito forte aqui no Sul embora o Sul não veja isso.
Você está pondo os pés na Serra (spolier!)?
Sim.
Trajetória - João Pimenta começou a trabalhar aos 18 anos vendendo tecidos nas Casas Pernam-bucanas. Aos 19, foi trabalhar na tradicional Rua das Noivas, em São Paulo. Depois, fez os Mercado Mundo Mix. Em 2003, ingressou na Casa dos Criadores e desfila na São Paulo Fashion Week desde 2010.