Criativos e criadores que seguem passos firmes para, no melhor sentido, inventar moda. Uma indústria que movimenta profissionais em diferentes funções e que se renova com o surgimento de novos nomes. Ou ainda, um polo que ensina, produz matéria-prima e que quer estar cada vez mais inserido no calendário internacional. Esse é o mercado da moda que alinhava o futuro a partir de Caxias do Sul.
Todos os anos, entre 10 e 15 novos estilistas são formados pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), que mantém um curso com mais de três décadas na cidade. Ao todo, cerca de dois mil profissionais foram formados desde então pela instituição. O perfil dos novos designers de moda, segundo o coordenador do curso, professor Renan Isoton, é de quem quer ter a sua própria marca, empreender e imprimir na roupa novos conceitos.
— Boa parte do alunos são absorvidos pelas confecções da nossa região, que é muito importante. Mas o empreendedorismo vem crescendo muito. A gente vê muitos negócios surgindo, ainda no campo das ideias, mas que podemos contribuir. Mas é um empreender em assuntos ligados ao atual momento, como sustentabilidade, moda personalizada, é pensar no hoje e no futuro — diz ele, que observa ainda um mercado a ser explorado no figurino pensado para as produções cinematográficas.
A gente consegue casar o que é forte na região, que é a tradição, mas sem deixar de mostrar coisas novas.
RENAN ISOTON
coordenador do curso de Moda da UCS
Isoton cita também a Festa da Uva como referência. O tradicional concurso que elegeu o trio da edição de 2024, em agosto desse ano, contou com a assinatura de 13 costureiras e estilistas diferentes da cidade. A vencedora, Lizandra Mello Chinalli, vestiu um traje clássico, mas com elementos inovadores, assinado pela designer de moda Rafaela Costamilan, egressa da UCS e estreante como estilista.
Ele lembra também do estilista Fabrício Bracco, que assinou o vestido da então candidata Bruna Mallmann, no concurso de 2021. Para a confecção do traje dela foram usadas matérias-primas naturais, como seda orgânica com linho, tingido com cascas de pinhão e bordado com formas das grimpas das araucárias e das videiras. Esse exemplo é o que Isoton chama de seguir a tradição, sem deixar de inovar e se atualizar com temas contemporâneos.
— A criatividade vem de uma pesquisa aprofundada sobre o tema que estão trabalhando, associada também com a inovação. A gente consegue casar o que é forte na região, que é a tradição, mas sem deixar de mostrar coisas novas. Novos designers que vem de uma formação atrelada a essas características e levam para um evento tão tradicional como a Festa da Uva a sua visão — defende Isoton.
Do alternativo ao clássico
Novos nomes têm surgido no cenário da moda, como é o caso dos caxienses Guilherme Biondo e Martina Cambruzzi, que, juntos, são responsáveis por duas marcas em Caxias do Sul. Ele se dedica a coleções de vestuário masculino, alternativo, com traços do punk tec, enquanto ela é referência em moda clássica feminina, com vestidos e saias de alta costura. Ambos dividem um espaço de produção e geram entre sete e nove vagas de trabalho direta e indireta, entre costureiras, modelistas e outras funções necessárias.
Biondo é designer, assina o esboço das camisetas e Martina, formada pelo Istituto Marangoni, de Milão, na Itália, dá o toque final no desenho. Recentemente, ele testou técnicas de Inteligência Artificial para criar estampas para depois customizá-las. Para Biondo, o discurso é tão ou mais importante que as roupas que constrói. A produção é limitada, com poucas peças, priorizando a qualidade e não a quantidade.
É ser contra o popular fast fashion, que, na visão dele, não valoriza as mãos e o suor de quem pensa a moda para muito além do estilo e da personalidade de quem veste.
— Demorei um ano para estruturar a minha marca, pensar no conceito, identidade visual e conseguir chegar no mercado. Não ganhei nenhum real até agora, mas é um caminho que se conquista aos poucos, com muito trabalho — conta ele, durante uma videochamada com Martina e a reportagem, enquanto o casal estava em São Paulo para prospectar novos fornecedores.
Antes de estudar moda na Itália, Martina foi costureira e bordadeira no ateliê do estilista Carlos Bacchi — um dos nomes mais tradicionais da alta costura em Caxias do Sul. Ali, aperfeiçoou a arte, o que serviu de combustível para a jovem planejar, um dia, ter uma marca com o seu próprio nome. Agora, a sua função é mais estratégica: além de desenhar as peças, supervisiona a produção, pensa na estratégia de comercialização e cuida das partes burocráticas.
— Eu sou apaixonada pela engenharia de como fazer, de buscar a perfeição na costura. Isso me fascina e a moda permite esse sentimento. Se eu pudesse, ficava somente na produção, mas ter a minha marca também exige entender outras áreas. Estamos agora mudando o meu e-commerce, migrando para outra plataforma, buscando melhorar o desempenho — explica.
Serra gaúcha da moda
- No viés da economia, Caxias do Sul vai realizar o 2º Concerto de Moda da Serra Gaúcha, evento criado para fomentar a moda regional. Se a primeira edição focou nas marcas locais, agora o evento se abre para a região.
- A programação é idealizada pela Prefeitura de Caxias do Sul, por meio da Secretaria do Turismo, em parceria com a iniciativa privada, representada pelo Fitemavest (Sindicato das Indústrias de Fiação, Tecelagem e Malharias da Região Nordeste do Rio Grande do Sul), com apoio do Sebrae e de diversas marcas do segmento da moda.
- O 2º Concerto de Moda da Serra Gaúcha ocorre nos dias 9, 10 e 11 de novembro, em locais variados na área central da cidade, incluindo atividades na Rua Sinimbu.
Costurar para gerar renda e realizar sonhos
Seja para criar a própria roupa, um acessório ou utilizar a técnica como uma fonte de renda, espaços que formam novos costureiros e modelistas atraem diferentes perfis em Caxias do Sul. É o caso da motorista de aplicativo Viviane Tessari, 52 anos, que dedica três horas por dia para aprender a modelar — uma técnica que cria uma peça de roupa no papel (molde) antes de se tornar uma peça física. Processo acompanhado de muito desenho, cálculo e dedicação, ensinado em um dos quatro cursos oferecidos pelo Banco do Vestuário, uma iniciativa liderada pela prefeitura de Caxias com apoio da UCS e empresas privadas.
— Fiz o curso de corte e costura e agora quero me aprimorar na modelagem, porque logo me aposento e estou procurando alternativas para seguir trabalhando. Aprender não ocupa lugar e me arrependo de não ter procurado o curso antes. É gratificante ver algo sendo criado pelas tuas mãos. Quero seguir fazendo bonecas de alto padrão, com roupas perfeitas, e para isso eu preciso saber modelar e costurar perfeitamente — conta Viviane, concentrada nos traços e réguas.
O processo ensinado no curso de Viviane no Banco do Vestuário é a produção de uma base com diferentes funções, que permita fazer uma camisa, camiseta, jaqueta, entre outras peças. No dia da visita da reportagem, as alunas se dedicavam ao molde de uma blusa. Antes, aprenderam a modelar calças e saias. Com os moldes, eliminam as chances de erros e favorecem o aproveitamento dos materiais.
— Quem vem ao curso é porque quer trabalhar mais em casa, empreender, e algumas poucas querem trabalhar na indústria. Ensinamos também a importância de formalizar o negócio, saber cuidar de uma marca própria — destaca a professora Sara Boeira, que leciona no Banco do Vestuário há 10 anos.
A sustentabilidade é um dos pilares do banco, que transforma retalhos doados pela comunidade e pela indústria têxtil em peças produzidas pelos alunos e destinadas a projetos assistenciais. Para a professora Sara, é importante que o consumidor tenha consciência de onde vêm as roupas que veste e do processo de confecção.
— As pessoas não têm noção do trabalho que dá para fazer uma peça. Reclamam de mais e não valorizam, acham caro. Tem muito processo por trás e todos deveriam saber como é para valorizar mais. São três semanas de curso para aprender a fazer um blazer, por exemplo, como que tu vai querer comprar um por R$ 50. Não tem como — conta a professora.
Além do curso de modelagem, o banco oferece curso de costura, que é bastante procurado. Durante a oficina, os alunos aprendem sobre o funcionamento das máquinas de costura reta, overloque e galoneira; utilização de instrumentos de costura e operações que são realizadas na máquinas de costura (reta, ângulos, curvas e pesponto). Também terão contato com moldes de corte e montagem de peças de vestuário em série.
Outra oportunidade é a atração de voluntários. A ideia é que eles confeccionem produtos conforme demanda do Banco em um turno, e no turno inverso, possam utilizar a estrutura da unidade para trabalhos particulares.
O Banco do Vestuário fica localizado na Rua Francisco Camatti, nº 772, no bairro Madureira. O telefone para contato é (54) 3901-1457.
“Espaço mutante” na Rua Sinimbu
Desde 2019, o Laboratório Magnabosco formou 180 pessoas capazes de costurar, bordar, diferenciar tecidos e produzir as próprias peças. Os diversos cursos são ministrados no terceiro andar da icônica loja localizada na esquina das ruas Sinimbu com a Dr. Montaury. Um espaço antes administrativo, pouco utilizado e que se tornou um ambiente que explora a criatividade e o desenvolvimento de novos profissionais para atuar na moda.
Já que sou criativa e gosto de estilos únicos, eu mesma posso fazer aquilo que quero vestir
NATALY EUGÊNIO TAVARES
aluna do Laboratório Magnabosco
Com maior demanda, o curso de modelagem no Magnabosco é ministrado pela professora de costura Eliane Godoes, que também atua como designer da loja. Os alunos aprendem desde a manusear diferentes modelos de máquinas, costurar, modelar, escolher tecidos (a maioria deles comercializados na própria loja) e dar a eles um novo propósito.
As capacitações atraem desde o público mais experiente, acima dos 60 anos, até meninos e meninas entre 18 e 25 anos, que desejam atuar na moda profissional.
— Não deixa de ser uma arte e é gratificante ver meninas e mulheres que não sabiam colocar a linha na agulha e que saíram com produções elegantes e com vontade de aprender e fazer mais — conta ela.
Uma das alunas que faz parte desse perfil é a assistente comercial Nataly Eugênio Tavares, 23 anos. Se antes não sabia fazer nada, agora faz os últimos retoques na sua criação. Apaixonada por tons de rosa, ela imprimiu a sua marca em uma saia produzida durante o curso. Escolheu o tecido tweed, que leva uma lã de fio grosso na composição, que pode ser usado no outono e no inverno.
— Pensei na saia e, durante o processo, inclui a parte de cima também. Eu gosto de moda japonesa, sul-coreana e também usei essas referências. Eu olho nas lojas e não encontro roupas assim. Já que sou criativa e gosto de estilos únicos, eu mesma posso fazer aquilo que quero vestir — explica.
Outra aluna, Natália Lopes de Almeida, 20 anos, trabalha como vendedora de eletrônicos e quer, um dia, empreender na moda. Ela desenvolveu um blazer para ser usado como terceira peça e também um vestido clássico — peças diferentes, mas que podem ser usadas como um conjunto.
— Vim crua e agora sei muita coisa, sempre pensando em aprender mais. Comecei a me interessar por moda, desde os primeiros passos até chegar no resultado final. É bastante informação, mas é muito legal aplicar no dia a dia — comenta.
Vim crua e agora sei muita coisa, sempre pensando em aprender mais.
NATÁLIA LOPES DE ALMEIDA
aluna do Laboratório Magnabosco
Além dos cursos, o local também abriga um estúdio de produção fotográfica para locação - iniciativas que representam, atualmente, 2% do faturamento da loja. Na última semana, o ambiente também abrigou um pop-up de lançamento exclusivo na Serra da coleção inverno 2024 da marca italiana Dolce & Gabbana. Mais de R$ 1 milhão em peças, das mais variadas, que vieram em carros blindados.
— O laboratório é um espaço mutante criado para experimentar as diferentes possibilidades que a moda permite. Seja para apresentar em primeira mão o que vai ser tendência na Europa, capacitar novas pessoas a produzirem a sua própria roupa ou conectar negócios com criatividade e sustentabilidade — destaca o proprietário da loja, Pedro Sehbe.
O Laboratório Magnabosco fica no terceiro andar da loja, localizada na esquina da Rua Sinimbu com a Rua Dr. Montaury. Não há mais turmas previstas para este ano e outras serão abertas no primeiro semestre do ano que vem. Interessados devem fazer contato na página da loja no Instagram: @laboratoriomagnabosco.
Mais cores, peças e menos produção
A mesma Caxias do Sul que ensina a fazer moda, do traço até a costura, e que ainda abre espaço para quem quer empreender no setor, também está inserida em um polo único que produz uma das principais matérias-primas para o setor: a lã natural. Um lugar histórico para a cidade e para a evolução têxtil no Rio Grande do Sul, a Cooperativa Têxtil Galópolis Ltda (Cootegal) é especializada na fabricação de fios e tecidos de lã que viram moda, calçados, decoração, entre outros.
A lã bruta que chega até o único lanifício em atividade no Brasil vem da região da fronteira oeste do Rio Grande do Sul. São 30 toneladas por mês. Até se tornar em um tecido pronto para virar inúmeras peças de roupa ou acessórios, a lã passa por diferentes etapas, máquinas e colaboradores. Essa é uma arte que segue sendo cultivada, gerando emprego e renda para 150 funcionários, 14 associados e abastecendo a indústria têxtil.
— É muito legal ver o teu produto em uma marca, em um desfile. Nós sabemos reconhecer. Exportamos o nosso tecido para o Uruguai, Chile, que nos permite abrir a gama de vendas, ampliando para além do Rio Grande do Sul e São Paulo — explica Fernando Marchioro, presidente da Cootegal.
Atualmente, o lanifício produz tecidos para o inverno de 2024, ou seja, um pouco do que os consumidores vão ver nas vitrines e catálogos para vestir na estação mais fria do próximo ano. Ou seja, sempre pensando um ano antes. Um trabalho de pesquisa de Fernando e também do diretor Sidinei Canuto, que são responsáveis pelos processos de criação e produção da Cootegal.
Tendência 2024
Para o próximo ano, as estampas em xadrez e espinha de peixe ganharão destaque, acompanhadas de tecidos lisos em tons de pêssego, cereja e até fluorescentes — um modelo que deu certo na Europa agora e que será uma aposta para o inverno gaúcho em 2024. Marinho, marrom e preto sempre estão em evidência. A cartela de cores da marca caxiense tem 60 tons diferentes.
Nos últimos anos, Marchioro e Canuto observam mudanças no perfil do consumidor, que deseja peças mais exclusivas e coloridas.
— Se tu pegar 10 anos pra trás, o tecido preto representava 80% das vendas. Hoje, vende 30%. Se percebe que o cliente tem mais informação, está mais preocupado com a moda, tendência, aprendeu a fazer combinações de cores. E nós precisamos adequar a nossa produção a essa realidade — explica Marchioro.
Anos atrás, cada coleção da Cootegal tinha, em média, 30 artigos de vestuário. Atualmente, são cerca de 50 a 100 combinações possíveis. Desafios que se apresentam para o setor.
— Trabalhamos com mais produtos e menos volume. Para a produção, é pior. São lotes menores e, consequentemente, a produtividade diminui. Ao mesmo tempo, trabalhamos com mais exclusividade com o cliente, o que se torna um diferencial importante — explica Canuto.
A Cotegal é considerada também a primeira empresa de Caxias. Atrelado a esse histórico, os empreendimentos de Galópolis serão mobilizados para promoverem a localidade e consolidar o trabalho que vem sendo feito pelo SomosRS, de formatar o produto Galópolis como um roteiro turístico para compor o destino Caxias e Serra.