Em 2021, o empresário caxiense Felipe Vaccari fez uma viagem ao centro da floresta Amazônica. Seu destino, a Aldeia Sagrada Yawanawá, em um ponto isolado do Acre. Essa jornada, mais do que física, de autoconhecimento, diz Vaccari, ampliou sua percepção da vida. Dois anos depois, o empresário, bacharel em Engenharia Mecânica e estudante de Engenharia Ambiental e Sanitária, voltou para a mesma aldeia, levando consigo uma equipe multidisciplinar.
Recentemente, Vaccari criou a empresa Engiture, derivado das palavras engineering e nature, a empresa é de engenharia com foco em desenvolvimento sustentável, principalmente em geração de energia renovável, conservação e tratamento de água. E como início da operação ele resolveu implantar um projeto na Aldeia Sagrada Yawanawá.
— O projeto se trata de um complexo de energia renovável com capacidade para alimentar toda comunidade, além do projeto de educação e arte que anda em paralelo com as crianças da aldeia. Eu conheci essa aldeia em uma jornada de autoconhecimento em 2021 e a escolha foi, na verdade, uma retribuição pelo que eu recebi naquele momento, marcando o início deste projeto que se estenderá por outras aldeias Yawanawá e outros povos nativos brasileiros — explica Vaccari, direto da Aldeia Sagrada, de onde ainda cuida pessoalmente da instalação do complexo de energia.
Como ele mesmo revela, além da preocupação ambiental, o projeto pretende estabelecer pontes culturais com as crianças da aldeia. Para isso, conta com a parceria do artista visual e grafiteiro caxiense Fábio Panone Lopes (Flop) que foi ministrar oficinas de mão dupla. Ou seja, foi ensinar a arte do grafismo para a gurizada da aldeia, ao mesmo tempo em que recebeu deles preciosas lições sobre o simbolismo do grafismo indígena.
E para fechar a equipe multidisciplinar, Vaccari levou profissionais do audiovisual para registrar cenas de um documentário que vai narrar essa expedição. A equipe conta com o diretor Andrei Castanha e os diretores de fotografia Gabriela Demore e Antonio Valiente.
Longa jornada
Vaccari revela que a Aldeia Sagrada Yawanawá é extremamente isolada. Partindo de Caxias do Sul, eles tiveram de ir a Porto Alegre para a primeira escala, com destino a Brasília. Na Capital Federal, tomaram o voo para Rio Branco, no Acre. Depois, a equipe embarcou no terceiro voo, dessa vez, para Cruzeiro do Sul. Deste ponto, eles encararam a estrada por mais de três horas a bordo de uma caminhonete até chegarem a ponte de São Vicente, no município de Tarauacá. A partir da ponte, viajaram por mais 10 horas de barco até a aldeia, isolada, no coração da floresta Amazônica.
Nessa imersão iniciada em 2021, que segundo Vaccari, mudou a sua vida, ele passou a conhecer melhor a realidade e, também, as necessidades dos povos ancestrais.
— Em geral as pessoas constroem um romance no que diz respeito à vida dos indígenas nativos brasileiros. Eles são seres humanos como nós, têm necessidades básicas de alimentação, iluminação, refrigeração para manter os alimentos, conexão de internet por satélite para se comunicar e uma série de coisas que são comuns em nossa vida, mas que no meio da floresta precisam de sistemas independentes de alto valor para funcionarem. O cacique, Biraci Brasil Yawanawá, tem todo entendimento dessa necessidade e recebeu muito bem o projeto, tal como todo povo — argumenta Vaccari.
Entre os dilemas enfrentados pelos indígenas e ribeirinhos, está a contaminação da água por Mercúrio.
— Além do projeto de energia, buscaremos uma evolução a partir deste para alavancar recursos e agregar o tratamento de água. Hoje, uma das maiores causas de doenças e mortes em aldeias isoladas é a contaminação da água pelo Mercúrio, causada pelo garimpo ilegal de ouro e seus subprodutos químicos que contaminam a água, peixes e plantas consumidos pelos ribeirinhos, como é o caso dos Yanomami, que foi muito noticiado recentemente — completa.
Diálogo cultural
Há quem encare com olhares atravessados essa aproximação entre indígenas e os “homens-brancos”, principalmente, quando diz respeito às expressões artísticas e culturais. Em recente entrevista, Ailton Krenak, ativista do movimento socioambiental e de defesa dos direitos indígenas, disse o que pensa sobre o tema “apropriação cultural”.
— Acho que não ofende ninguém. Se todo problema que tivéssemos fossem as pessoas no Carnaval se vestirem de índio podíamos soltar fogos. Nós estamos sendo assassinados e vou ligar para quem está fantasiado de índio? Tem inclusive o bloco Cacique de Ramos (no Rio de Janeiro), que é histórico e tem total liberdade para se fantasiar de índio quando quiser. É uma besteira ficarmos discutindo isso. Era bom discutir isso na Suíça, onde não tem problemas.
O artista visual caxiense Fábio Panone Lopes (Flop) participou desta expedição na Aldeia Sagrada, onde ficou por 10 dias. Ele foi ministrar oficina de arte e grafite para as crianças indígenas Yawanawá.
— É uma vivência fora do nosso padrão. Eles são ligados na medicina e no espiritismo da floresta. Foi uma troca de muita sinergia. Meu trabalho sempre foi ligado aos povos ancestrais e originários. E participar, pela primeira vez, de uma vivência espiritual como essa abriu muitas portas e caminhos — explica Fábio.
Entre as atividades na aldeia, Fábio orientou as crianças e, juntos, pintaram uma oca onde ensaiam seus cânticos. Além disso, o artista grafitou com temática da natureza um caixa de metal onde fica o sistema de energia renovável.
— A nossa ideia é continuar essa vivência em outros momentos e aprender cada vez mais. Porque não estávamos lá pra ensinar e, sim, pra aprender. É uma troca de verdade. Até porque, eles são os maiores sábios desse planeta — defende.
Nessa primeira etapa, como parte da expedição, a empresa Engiture entregou 210 materiais escolares para as crianças indígenas em um projeto de educação infantil. Como semente de um retorno futuro à aldeia, o grafiteiro está produzindo uma nova série de esculturas. Parte da renda com as vendas será revertida para a compra de mais kits para a gurizada da Aldeia Sagrada Yawanawá. Ou seja, a partir dessa semeadura vão brotar árvores como símbolo dessa relação baseada em troca de experiências, com respeito à tradição e sabedoria do indígenas.