- Esse era o Bruno Segalla.
É com essa frase que o escritor Luiz Carlos Ponzi encerra muitas das frases em que recorda a amizade com o artista plástico, político e líder sindical caxiense que na última sexta-feira, 7 de outubro, completaria seu 100º aniversário (morreu em 2001, aos 78 anos).
Foi próximo ao apartamento em que vive na Avenida Júlio de Castilhos, no centro de Caxias, que Ponzi e Segalla se conheceram e se tornaram amigos. No extinto, porém clássico, Bar 13. Era o lugar onde os interessados na vida política do país solucionavam todos os problemas do país e do mundo em longos e entusiasmados debates.
- Pra mim ele foi um dos mais importantes, no entanto é um dos mais desconhecidos entre os ilustres caxienses. Se tu fores a qualquer lugar na rua, poucas pessoas vão saber dizer quem foi Bruno Segalla, o que é um crime - comenta Ponzi, que atualmente trabalha em uma biografia do artista plástico ao lado do escritor Uili Bergamin.
Mesmo quem não sabe quem foi Bruno Segalla depara com seu legado artístico espalhado por Caxias do Sul: a estátua Instinto Primeiro (homenagem a Gigia Bandeira), na Praça Dante Alighieri; o busto do amigo Dr. Henrique Ordovás Filho, no centro cultural que leva o mesmo nome; a estátua do Padre Eugênio Angelo Giordani, em frente à Igreja de São Pelegrino; a escultura Direitos Humanos, que adorna a Câmara Municipal, entre tantas outras. Também é de Segalla a concepção do Monumento Jesus do Terceiro Milênio, imagem do cristo meditativo que contempla a cidade do alto dos Pavilhões da Festa da Uva. O projeto ocupou o último ano de vida do artista, como recorda a filha Bianca Segalla, 54:
- Ele já estava internado no hospital quando recebeu a notícia de que o projeto havia sido viabilizado e sairia do papel. Morreu um mês depois, mas morreu feliz com essa última conquista.
Bianca lembra com carinho e saudade do pai, especialmente do tempo em que acompanhava seu trabalho no atelier. Recorda que ele chegava a trabalhar 16 horas por dia quando estava inspirado. Era alguém que via arte em tudo, principalmente nas coisas mais simples.
- Às vezes a família estava toda reunida e, de repente, ele pegava um guardanapo e começava a desenhar qualquer coisa que tivesse chamado a sua atenção. Acho que o tema que mais o inspirou como artista foram as mulheres e a maternidade, mas ele também gostava muito de homenagear seus ídolos, como o Ayrton Senna. Como pai, lembro da pessoa que sempre incentivou os filhos a estudar e a serem independentes. Como pessoa pública, o que ele realizou no Sindicato dos Metalúrgicos, em prol de uma vida melhor para as pessoas mais desfavorecidas, seus colegas de chão de fábrica, é algo maravilhoso - destaca a filha.
ARTE, SINDICALISMO E POLÍTICA
É impossível dissociar essas três palavras ao se falar da vida de Bruno Segalla. E essas três facetas são melhor compreendidas quando se volta o filme até o início da vida profissional na Metalúrgica Abramo Eberle, onde entrou aos 14 anos como varredor do setor de gravações. Foi na antiga metalúrgica onde trabalhou por mais de 40 anos que Segalla se interessou pela arte, vindo com os anos a se tornar o principal criador das medalhas e das renomadas pratarias da empresa. Também foi com colegas que aprendeu a gostar de literatura.
- Ele leu tudo do Jorge Amado, com quem tinha muita identificação por ser (o escritor baiano) também um comunista. Também gostava muito de ler os clássicos russos - recorda Luiz Carlos Ponzi, que é autor do livro Bar 13: lazer, política e história.
Em 1957, quando era vereador de Caxias pelo Partido Socialista Progressista (eleito no ano anterior), Segalla assumiu a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul, sendo reeleito para quatro mandatos consecutivos, até 1963. Também em 1963 liderou a primeira grande greve do setor, mobilizando oito mil trabalhadores. Inimigo do regime militar, foi preso duas vezes, a primeira em 1964 - junto com amigos como o médico Dr. Henrique Ordovás Filho e o advogado Percy Vargas de Abreu e Lima - e a segunda em 1975, quando foi levado para Porto Alegre e ficou 15 dias numa cela solitária. O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias, o ex-deputado federal Assis Melo, considera Segalla uma de suas maiores referências, e também um dos nomes mais reverenciados pelos sindicalistas na cidade.
- Tive a oportunidade de visitar o Segalla mais de uma vez, e foram momentos inesquecíveis, pelo que ele representa. A trajetória dele na metalurgia, no sindicalismo e na política, a coerência com o que acreditava, são motivos que nos fazem reverenciá-lo. Já tivemos no sindicato um concurso literário com o nome dele, também já presenteamos os sócios que completavam 25 anos de filiação com uma medalha com o rosto dele gravado. Ano que vem o Sindicato fará 90 anos e certamente o Segalla será muito lembrado nas comemorações - salienta Assis.
Após sair do Partido Comunista e já aposentado da Eberle, no início dos anos 1980 Bruno Segalla se filiou ao PDT. A aproximação com as ideias e com a figura de Leonel Brizola, de quem se tornou amigo íntimo, o levaram a concorrer a deputado federal, em 1989. Além da amizade, a admiração entre Segalla e o político de Carazinho era mútua, como recorda a neta Patricie Segalla, 52:
- Ele achava o Brizola inteligentíssimo. Foi visitá-lo várias vezes no Rio de Janeiro, recebeu a visita dele no atelier também diversas vezes. Quando o Brizola vinha a Caxias em campanha era recebido com churrasco pelo meu avô. Chego a me arrepiar quando lembro, porque foi uma amizade muito bonita.
Quis o destino que o trabalho na metalurgia, divisor de água na vida de Segalla, também contribuísse para provocar a doença que o mataria. As décadas em contato com resíduos de metal - num tempo em que pouco se dava atenção para os EPIs (equipamento de proteção individual) - provocaram a fibrose pulmonar que vitimou o artista plástico em agosto de 2001.
Com a esposa, Almira da Silva, com quem casou em 1948, Bruno Segalla teve cinco filhos: Sandra (que faleceu em 2006), Ricardo, Bianca, Bruno e Francisco, o França, este morto em um trágico acidente de carro em Lages-SC, aos 25 anos, durante viagem para a praia com amigos.
Oito mil itens preservados
Instalado no segundo piso do Campus 8 da UCS, o Instituto Bruno Segalla reúne mais de 8 mil itens que ajudam a contar a história do artista plástico e militante político. O acervo conta com esculturas e desenhos originais, mobiliário da casa onde Segalla viveu, fotos de família e documentos, e também um dos trabalhos dos quais mais se orgulhava: os alfinetes com figuras esculpidas na cabeça, invisíveis a olho nu. O trabalho foi motivado pela visita de Getúlio Vargas à Festa da Uva, em 1954, e duas das artes microscópicas fazem alusão ao líder político.
Criado em 2005, atualmente o instituto só recebe visitas agendadas. Isso porque, desde 2016, não tem conseguido captar recursos que permitam realizar o Plano Anual de Atividades, aprovado pela Lei Federal de Incentivo à Cultura e que prevê a realização de projetos como o Memória Viva, para visitas em grupo, e o Onde Estou, junto a escolas.
- Atualmente o IBS está aberto a visitas ou a atendimento a pesquisadores, graças ao trabalho voluntário da diretoria, que faz a mediação em visitas guiadas à exposição permanente. Estamos buscando parcerias mantenedoras e/ou patrocinadores via Lei de Incentivo - comenta a presidente do IBS, a produtora cultural Flor Nieto.
Se forem efetivadas as aguardadas parcerias, o IBS poderá voltar a receber visitas regulares, sediar exposições, oferecer oficinas para a formação de novos escultores, entre outras iniciativas. Dessa forma se colocaria novamente à altura do imenso legado que ajuda a preservar, como ressalta a historiadora e coordenadora dos cursos de Artes da UCS, Silvana Boone:
Bruno Segalla foi um artista ímpar no cenário local: crítico, político e ativo, deixou um legado artístico para Caxias do Sul como poucos artistas o fizeram. Mais do que esculpir imagens, ele perpetuou histórias, hoje espalhadas pelos espaços públicos da cidade e também guardadas no IBS.