Um dos maiores talentos artísticos nascidos em Caxias do Sul, a atriz, escritora e professora de Artes Cênicas Ítala Nandi foi homenageada na noite de quinta-feira, durante o 50º Festival de Cinema de Gramado. Conhecida principalmente por papeis em telenovelas como “Pantanal” e “Que Rei Sou Eu?”, sua trajetória vai muito além. Libertária, como se define, protagonizou o primeiro nu frontal no teatro brasileiro, em 1969 (espetáculo Na Selva das Cidades, com o Grupo Oficina), e também a primeira mulher gaúcha a dirigir um longa-metragem, em 1981 (In Vino Veritas)
Em plena atividade, priorizando o ensino de Artes Cênicas na escola que mantém com o filho, Giuliano, no Rio de Janeiro, Ítala recebeu a reportagem no saguão do hotel onde está hospedada em Gramado, horas antes de receber os merecidos aplausos no Palácio dos Festivais. Confira a entrevista a seguir:
Tu iniciaste nossa conversa falando que o clima está parecido com o da tua infância no interior de Caxias do Sul. Que lembranças tem daquela época e do início da tua trajetória como atriz?
Minha vida começa na granja do meu pai, na 9ª Légua. Ele foi um imigrante italiano, que veio através de um convênio entre os dois países para criar o cooperativismo no Brasil. Foi um dos criadores da Cooperativa Vinícola Garibaldi. Eu cresci brincando debaixo das pereiras, das videiras, sem jamais imaginar que fosse seguir essa história. Meu pai, muito menos. Ele queria que eu fosse administrar a cantina dele. Só que Dionísio veio à tona e me levou para outra área.
Fiz teatro amador na Aliança Francesa (em Caxias), depois fui para Porto Alegre, onde fui casada e morei com Fernando Peixoto (escritor, 1937-2012). Lá, ele e o P.F. Gastal (Paulo Fontoura, crítico de cinema, 1922-1996), querido amigo, desejavam muito, já naquele ano de 1961, criar um festival de cinema em Gramado. Eram visionários, que já viam em Gramado uma vocação turística. E todas aquelas conversas ocorriam no nosso apartamento, enquanto eu só ficava calada, aprendendo. Eu era a colona de Caxias, convivendo com pessoas estupidamente inteligentes. Até que voei para o mundo.
Que lembranças você acha que virão à cabeça no momento da premiação?
Do quanto o festival está ligado à minha vida. O primeiro festival ocorreu em 1972, ano do nascimento do meu filho, Giuliano, que também está completando 50 anos. Lembro de esar com ele, que tinha três meses de vida, enquanto era apresentado Roleta Russa, filme do André Faria, pai do meu filho, que ganhou o prêmio de Melhor Fotografia. Talvez eu seja a única sobrevivente daquelas vivências todas (fica pensativa).
O que motiva agora é o mesmo que motivava naqueles primeiros anos?
Agora tenho uma motivação que também é educacional. Sou doutora em Artes Cênicas, com notório saber dado pela UFRJ. Tenho um desejo muito grande de restabelecer a área educacional no Brasil. Não sou apenas uma atriz, sou também uma educadora. Penso que nós devemos oferecer aos jovens uma nova formação, muito mais moderna, e o cinema é perfeito para isso, assim como o teatro. A televisão, ao meu ver, cria outra coisa, que é popularidade. O cinema e o teatro, estes sim, estão no caminho da educação. O futuro é a cultura.
A transgressão sempre esteve muito presente na tua vida…
Sou uma libertária. Acho que essa é a palavra. Não gosto de falar em feminismo, em machismo, nada disso. Sou como Simone de Beauvoir, Cora Coralina, Clarice Lispector. São mulheres que me inspiram. Os direitos humanos são uma merda, porque são corruptos. Só existem para quem tem grana. O que vale são os valores humanos: de não violência, que eu desejo mais do que tudo, e de paz. Existe uma grande diferença entre essas duas coisas: a não violência é uma atitude externa, a paz é uma sensação interna. Quero que as pessoas estejam tranquilas. Desejo a verdade, ações corretas, e, acima de tudo, amor. Essa é a grande palavra do momento. Quando a Leila Diniz e eu gritávamos pela liberdade sexual, era outro momento. Hoje as pessoas transam com quem elas querem, e a pílula ajudou muito as mulheres a se libertarem. Mas cadê o amor? As duas grandes buscas de hoje são essas: o amor e a não violência.
Você está com 80 anos, no mesmo ano de Gil, de Caetano, de Milton…
E nós estávamos todos juntos no Teatro Oficina, em São Paulo. Foi onde formei minha vida, vendo Caetano compor Alegria, Alegria na arquibancada do teatro…quando montamos (a peça) Inimigos, o Chico fez a música. Fomos namorados. Todos eles são de 1942, assim como eu. Foi um ano privilegiado do século passado. Eu mesma me pergunto como chegamos todos aos 80 anos com tanta vitalidade. Acho que tinha muito a ver com o que a gente pensava. A gente acreditava muito na alegria.
Finalmente, qual o significado desta homenagem feita pelo festival?
Fico muito emocionada. Uma colona lá da 9ª Légua ultrapassar o mundo, eu acredito que dê um estímulo para que muitos outros façam isso. É possível. A pessoa só tem de lutar.