O que nos leva a gostar de uma cidade? Será a longa teia de amizades construída com o passar do tempo? Ou a beleza registrada na convivência com seus habitantes? Paris sem os nossos amigos tem seu encanto diminuído. Pode agradar ao passante, mas não aos interessados no cálido abraço a nos redimir das horas vazias. Cada um constrói uma espécie de reserva de afeto e a distribui aos mais próximos. Para isso é preciso tempo, convivência e intenção poética de nutrir-se do que nos cerca. Ou talvez um pouco mais: a capacidade de reconhecer só ser possível minimizar a solidão que nos ronda quando aprendemos a amar o nosso destino com todas as suas vicissitudes. Pouco importa se estamos imersos nos mil ruídos de uma cidade ou no silêncio maduro de um acanhado sítio. É a significação dada ao lugar, como numa espécie de mágica inaugurando a alegria e o sentimento da gratidão.
Inúmeras vezes me perguntei: quais são as razões para gostar tanto desse lugar em que me reconheço desde sempre? Percorri pouco outras terras, porém o suficiente para descobrir o quanto sou um ser atrelado às minhas raízes. Aprendi com Fernando Pessoa: “A melhor maneira de viajar é sentir.” Vou mapeando os lugares que habitam minha alma. Filtro-os pela sensibilidade, compondo variadas paisagens. Gosto da ideia de transformá-las em catedrais, guardando-as na memória. Pensando nisso, elejo um pequeno pedaço de chão como meu espaço preferido. Chama-se Nossa Senhora da Rocca, montanha cercada de horizontes, tendo em seu centro uma igreja secular que mais parece uma miniatura esculpida por um artista talentoso. Tão próxima de minha chácara, é um alento sabê-la a um palmo de distância. Desde a infância ouvia a mãe e as tias rezando para alcançar as bênçãos pela intercessão dessa madona encontrada por antigos habitantes da região.
Não são raras as vezes em que percorro a pé esse trajeto desde a minha casa. Caminho como se estivesse praticando um ritual de purificação, tal é a força que extraio ao simplesmente encostar a mão na velha porta de madeira dando acesso a esse templo de devoção e louvor. Um bosque de árvores nativas a protege, vestindo-a com a sombra de suas ramagens. Aqui e ali, o canto de um pássaro, a presença pacata de uma vaca pastando no ar tépido de uma tarde qualquer. Uma nascente de água cristalina mata a minha sede durante a caminhada que antecede a contemplação de algo tão simples e tão intenso. Rezo sem palavras, apenas ampliando a consciência de ser um homem afortunado. Suspendo as expectativas, entregando-me à gratuidade de existir.
Na ausência de outros seres humanos, transformo esse passeio em uma longa conversa comigo mesmo. Volto a ser aquele menino ingênuo, crente em milagres obtidos pela fé. Por um instante suspendo a razão e sou puro instinto. Sentado na grama, perto do campanário, fecho os olhos e me imagino no paraíso. E é nele que permaneço, sob o azul dessa tarde de junho.