Quem são esses homens e mulheres que se movem pela cidade? O que pensam, veem, ouvem, sentem? Que cheiro tem a cidade, suas esquinas, suas ruas? O que comem essas pessoas, para onde vão com tanta pressa, de que forma fazem amor? Sabem da existência umas das outras? Observo a cidade e o seu deslocar-se. Desloco-me também. As calçadas são corredores de passagem do anonimato. Entre tantos e todos somos mais um. Milhares de gentes cruzam o asfalto que rasga a cidade em quadras, pedaços. Passamos uns pelos outros, às vezes nos vemos, nos aproximamos, mas nem sempre nos reconhecemos, para tão rapidamente, nos afastarmos. Dançamos uma dança da ilusão de que por sermos muitos seremos menos solitários. A cidade é um corpo vivo e nu, cheio de marcas. Marcas deixadas pelo tempo, pela memória, pelos sonhos. Cicatrizes de recortes, aterros, remodelações, violências. Pisamos num chão soterrado de histórias de pessoas que jamais imaginaram que o futuro seria esse nosso presente. Somos parte de um rizoma que resiste à marcha e ao peso dos corpos que atravessam gerações.
Andamos pelo espaço da cidade e desloucamos no reconhecimento dos lugares. Emprestamos nossos afetos ao concreto. Há prédios em que se trata a dor e os que realizam a despedida. Há os que vendem sonhos, desejos, ilusões e os em que se pode matar a fome. Há os que abrigam quem matou e quem foi morto. Há ainda os em que se pode fazer sexo e os em que se pode dormir quando não há um lar. Há espaços de reza, de descanso, de espera. E há os lugares para apenas se estar sem pensar, como diria Alberto Caeiro, poeta heterônimo de Fernando Pessoa, afinal, que metafísica há naquelas árvores?
O que sei, é que a cidade sobreviverá a nossa morte. Sempre sobreviveu. Testemunhou a infância, as conquistas e o adeus final de tantos. Consola-me pensar que um dia, anonimamente, seremos parte desta paisagem, o registro em uma foto de data marcada, quiça uma lembrança boa para alguém. Talvez, um motivo de reflexão pela passagem de seu aniversário, de alguma outra cronista, ainda desconhecida, num tempo em que nem eu mais estarei aqui.