"Que seria de mim, meu Deus
Sem a fé em Antônio
(...)
Que seria de mim, meu Deus
Sem a fé em Antônio"
Questiona a voz imponente e marcante de Maria Bethânia em uma das composições mais famosas do baiano J. Velloso. O refrão, carregado por um ritmo envolvente, reflete o grande apreço ao religioso. De Pádua, de Lisboa, da Serra ou da Bahia, a devoção por Antônio transpõe os limites geográficos e o eleva como um dos santos mais populares, queridos e plurais da igreja católica.
Nascido Fernando, em Lisboa, Portugal, em 1195, Antônio não mudou apenas de nome ao encontrar sua devoção religiosa. De origem nobre, se aproximou do povo, pregou em diferentes países e, mesmo hoje, 791 anos depois de sua morte, segue movimentando uma legião de devotos. Na região, Bento Gonçalves tem programação alusiva na data que homenageia o santo, 13 de junho.
Tinha um carinho especial pelas pessoas e isso fez dele e continua fazendo um santo querido e louvado por muita gente
PADRE VOLMIR COMPARIN
Titular da Paróquia Santo Antônio
— Dizem que na canonização dele, que ocorreu apenas 11 meses após a morte, já tinham contabilizado 53 milagres, mostrando que ao longo da vida Santo Antônio esteve unido a Jesus Cristo e pôde ajudar famílias, doentes, pobres, angustiados... Foi um homem muito humilde e de paz, ficou marcado como um grande evangelizador. Tinha um carinho especial pelas pessoas e isso fez dele e continua fazendo um santo querido e louvado por muita gente — destaca o padre Volmir Comparin, titular da Paróquia Santo Antônio de Bento Gonçalves.
Como a vida de muitas personalidades reconhecidas, seja no meio religioso ou não, o que é lenda e o que é real se misturam e ganham nuances com a passagem dos anos na biografia de Santo Antônio. Assim, ele ganhou a fama de casamenteiro, a reverência de protetor dos pobres e a crença de ajudar a encontrar as coisas perdidas. Quem recorre a ele, garante encontrar conforto e por que não um amor, se assim desejar?
— Ele ficou com uma fama tão grande como um santo do povo, milagreiro, que passou-se associar a ele diversos feitos. Aí entra no lendário, com fatos que podem ser reais ou não. Por exemplo, o que faz dele ser o protetor dos casamentos e dos namoros é porque, na época, havia um decreto que tinha que ser pago um dote para se fazer os casamentos. E para os mais pobres era difícil casar, porque não se tinha aquele dinheiro. Então conta-se que ele foi interceder junto aos poderosos para revogar aquela lei e virou sendo protetor dos casamentos, dos relacionamentos — explica o jornalista Nivaldo Pereira roteirista do documentário Antônio Santo do Povo, exibido pela RBS TV em 2008.
O documentário gravado na Bahia, na Itália e na Serra gaúcha explora a devoção ao santo português em diferentes culturas e crenças. Para Nivaldo, a figura carismática, de vestes simples e com o menino Jesus no colo, ganha o status de o santo mais popular católico. Tamanha é a proximidade com seus devotos, que há quem se sinta à vontade para aplicar alguns ritos populares. Basta dar uma breve pesquisada na internet para conhecer as inúmeras simpatias ligadas ao religioso.
Ele vira esse santo popularíssimo e as pessoas passam a ter uma relação de intimidade: é o 'Toninho', o 'Antônio'
NIVALDO PEREIRA
Jornalista
— Ele vira esse santo popularíssimo e as pessoas passam a ter uma relação de intimidade: é o 'Toninho', o 'Antônio'. E aí entra no profano, essa coisa de fazer simpatia, de pendurar a imagem e só tirar quando conseguir a graça. E quando chega agora, no mês de junho, que tem a trezena (13 dias de oração que antecedem a data em homenagem ao santo), vamos ver várias festas, simpatias, homenagens. Ele é o cara! — avalia o jornalista.
Os milagres dos Dalla Costa
Depois de 2009, o mês de junho nunca mais foi o mesmo na casa da família Dalla Costa. Foi durante a trezena de Santo Antônio daquele ano que a arquiteta Lesandra, 44 anos, descobriu que estava a espera do seu primeiro bebê junto com o marido Rogério, 50. A notícia poderia ser mais um episódio feliz no casamento de um jovem casal. Mas não, foi muito além disso. Antonia, a primogênita, hoje com 12, e os três filhos que vieram depois — Antonio, 10, Francisco, 7, e Fernando, 5 —, são tidos como verdadeiros milagres pela família de Bento Gonçalves.
Cinco anos antes, Lesandra havia passado por uma cirurgia durante um tratamento de câncer no intestino. A extensão do procedimento no abdômen fez com que qualquer chance de a arquiteta engravidar fosse totalmente desacreditada pelos médicos. Mesmo assim, o casal nunca desistiu do sonho de ter filhos e inúmeras foram as preces e orações para ter a graça alcançada.
— Todos os médicos diziam que eu não poderia ter filho, nem por inseminação artificial. Seria raríssimo se eu conseguisse. E quando eu recebi o resultado, nem acreditei que estava grávida, porque era uma coisa quase impossível — diz Lesandra.
Sempre em busca de sinais e respostas divinas, a arquiteta recorda-se que à época, meses antes de descobrir a gravidez, ela e o marido estavam em dúvida se assumiriam o compromisso de serem festeiros na tradicional festa de Santo Antônio. Após orarem em casa, como de costume, ela diz que pediu uma resposta se deveria ou não aceitar o convite feito pelo padre Izidoro Bigolin, então titular da paróquia.
— Eu abri a Bíblia em uma página aleatória e comecei a ler. E lá estava escrito 'Irei eu mesmo diante de ti, aplainando montanhas e arrebentando os batentes de bronze para que nenhuma porta fique fechada'. E embaixo ainda estava assim 'Dar-te-ei os tesouros enterrados e as riquezas escondidas'. A nossa resposta para o convite estava ali, liguei para o padre e aceitamos. Mas faltava entender o que eram os tesouros, as riquezas escondidas. E quando eu descobri a gravidez, já no fim da trezena de Santo Antônio, eu e o Rogério começamos a chorar, porque tudo fazia sentido, era uma promessa de Deus para nós. O que mais poderia ser tão valioso quanto um filho? — questiona a arquiteta.
Bastante religioso, o casal recorda que sempre buscou sinais divinos para escolher os nomes dos filhos. E assim, por meio de sonhos, de sugestões de amigos ou por outras manifestações, as quatro crianças acabaram sendo batizadas com nomes relacionados à vida do padroeiro de Bento Gonçalves.
A gente entendeu toda a lógica de Santo Antônio, ele sempre cuidou de tudo, sem nenhuma dúvida de nossa parte
LESANDRA DALLA COSTA
Devota de Santo Antônio
— A gente entendeu toda a lógica de Santo Antônio, ele sempre cuidou de tudo, sem nenhuma dúvida de nossa parte. Primeiro veio a Antonia, depois o Antonio, o Francisco (que remete à ordem franciscana, a qual o santo português se uniu) e o Fernando (nome de batismo do religioso) — evidencia Lesandra.
Hoje, o casal se emociona ao contar a trajetória de bênçãos. Os filhos são incentivados a seguir o caminho da religiosidade, indo à missa e participando das orações em casa, mas sem pressão dos pais, como garante Rogério:
— Nós não forçamos, senão isso acaba distanciando eles. Nós, como pais, temos que dar o modelo, deixar Deus agir e eles, automaticamente, vão se aproximar.
Homenagens na parede
Quem entra pelas portas da borracharia do empresário Adilson Boch, 50, no bairro Borgo, em Bento, já vê de cara, que ali, mais do que um espaço de trabalho, é também um local de homenagens ao padroeiro da cidade. Cuidadosamente posicionados na parede esquerda da loja, acima das pilhas de pneus, estão quadros que emolduram os cartazes festivos produzidos pela Paróquia de Santo Antônio.
O cartaz mais antigo da coleção remete a 1990, quando o papel retangular carregava, além da imagem do santo, a programação do evento daquele ano. Mais do que uma manifestação de fé, os quadros ajudam a contar a história das festas, mostrando como a divulgação foi se transformando ao longo dos anos. O que não mudou, contudo, foi a devoção do borracheiro, despertada ainda na infância.
— Eu lembro que eu tinha uns 4 ou 5 anos de idade e o meu pai foi pra festa de Santo Antônio e me trouxe de presente um balão com o desenho dele. Depois disso, eu ficava ansioso, esperando o dia de ele ir para a festa e me trazer o balão, e foi assim que começou a minha fé — recorda Adilson.
O acervo na parede da borracharia iniciou de forma despretensiosa, décadas depois. Os clientes, reconhecendo a devoção do borracheiro, começaram a contribuir com a coleção, doando cartazes das festas mais antigas. O quadro mais especial e mostrado com orgulho por Adilson é o da 144ª edição, celebrada nesta segunda-feira. O motivo? É que ele e a esposa, Adriane de Assis, 47, carregam a missão de serem festeiros do evento.
— Eu acho que todos os dias a gente tem uma graça alcançada com a ajuda de Santo Antônio. Não precisamos chamá-lo só nos momentos críticos. É só ter fé, parar e pedir que com certeza ele vai ajudar — aconselha Adriane.
Para além dos quadros na parede da borracharia, o casal cultiva a devoção ao santo cumprindo outros ritos diários. O pedido de bênção ao sair e chegar em casa já é tradição na rotina dos dois. Em 2006, a imagem da Serra foi parar no outro lado do mundo, quando o torcedor fiel do Internacional acompanhou o clube na disputa pelo Mundial, no Japão:
— Acho que teve uma ajudinha de Santo Antônio — brinca Adilson, se referindo ao título conquistado pelo time gaúcho.
Sob as bênçãos de Santo Antônio
Foi no recanto do Santuário de Santo Antônio, em Bento, no dia 13 de julho de 2017, que o analista Diego Marodin da Silva, 29, venceu a timidez e pediu em namoro a engenheira ambiental Érica Bellé, 25. Engana-se, porém, quem pensa que o rapaz escolheu o local por estar associado à fama de o santo ser casamenteiro e, assim, ter uma "ajudinha" a mais em sua proposta. Na verdade, o pedido foi feito em frente à imagem de Nossa Senhora de Lourdes, santa pela qual Diego tem muito carinho e que também está posicionada na parte externa da igreja.
O sim ao pedido de namoro, embora todos os esforços do rapaz, não surgiu instantaneamente. Érica lembra que não negou a proposta, mas que acabou dando a resposta somente um mês depois, momento em que se sentiu mais segura para entrar em seu primeiro relacionamento sério — as conversas entre os dois haviam iniciado pouco tempo antes, por meio de uma rede social.
— Na hora eu fiquei muito nervosa. Ao mesmo tempo, eu não conhecia muito bem o Diego, seria o meu primeiro namorado, estava meio assim. E nesse mês que eu demorei pra dar a resposta, ele fez o Emaús, foi para um retiro, isso foi uma coisa muito importante pra mim. Depois disso, eu aceitei — conta a engenheira.
Dois anos depois, já em 2019, o casal foi convidado a ser festeiro jovem na festa do padroeiro de Bento Gonçalves. Algo que, para eles, ajudou a estreitar ainda mais os laços com Santo Antônio e a melhorar a própria relação dos dois.
— A gente passa a participar mais das atividades da paróquia e, como casal, passamos a ter uma relação de mais comunicação — observa Érica.
— A minha relação com Santo Antônio cresceu quando eu fui festeiro. Antes, eu participava pouco da igreja — lembra Diego.
O namoro, que está prestes a completar cinco anos, se fortaleceu e em breve ganhará outro status. O casamento já tem data e local para acontecer: será no dia 24 de setembro, na mesma igreja onde tudo começou, sob as bênçãos e a proteção de Santo Antônio.
Para assistir
:: Documentário: Antônio Santo do Povo, da Spaghetti Filmes.
:: Onde: www.youtube.com/watch?v=mFwJOaw6oVg
Para ouvir
:: Música: Santo Antônio, composição J. Velloso e interpretada por Maria Bethânia.
:: Onde: no YouTube, Spotify ou no DVD Brasileirinho Ao Vivo.
Para participar
:: O quê: 144ª Festa de Santo Antônio, em Bento Gonçalves.
:: Quando: segunda-feira, dia 13. A programação no santuário inicia-se às 6h.