A infância enquanto lugar bem distante da ludicidade e saudosismo presentes no senso comum norteia boa parte da obra da artista Verlu Macke. Essa investigação pessoal ganhou forma, primeiramente, em 2018, com a mostra Diário do esquecimento: como revelar e apagar uma infância. Nesta sexta (13), ela abre uma sequência desse trabalho, novamente buscando inspiração em seus primeiros anos de vida. Na exposição Na casa da infância, o desejo de ser o Bambi, em cartaz no Centro de Cultura Ordovás, em Caxias do Sul, a artista confronta o espaço físico onde cresceu, registrando em fotos e vídeos uma visita à casa (hoje desabitada) onde viveu até os cerca de 13 anos, na cidade de Rolante.
— Sou uma artista visual que usa o que tiver de recurso mais adequado para o que está querendo contar ou mostrar. Neste momento, como a casa era um elemento fundamental na exposição, não vi outra forma melhor do que fotografia. Era importante documentar a casa — explica ela.
Nas imagens presentes na exposição, registradas por Éverton Rigatti, Verlu performa ao lado de um pequeno Bambi de brinquedo. O personagem, que já havia habitado uma criação da artista na exposição de 2018, agora retorna para uma participação mais densa. Verlu conta que, mesmo antes de saber ler, teve contato com a história do cervo que acaba perdendo a mãe. Reconhecida pela maioria como uma história triste, a trajetória de Bambi ganhou outro sentido para a artista, quando criança.
— Eu tinha vontade de ser o Bambi, naquela coisa de me livrar da situação toda. Eu usei a história dele para falar disso de uma forma mais poética, mais palpável, mas não deixa de ser um recado de que às vezes a criança também está tentando fugir dessa infância dela, que nem sempre é uma maravilha. O Bambi representa essa possibilidade de fuga — reflete Verlu.
Nessa metáfora sugerida pela artista, o Bambi representa a liberdade buscada desde a infância. A exposição registra essa narrativa de forma a colocar o espectador dentro dos cômodos da casa onde esse anseio se tornou mais latente.
— Acho que um dos trabalhos que mais vai chamar atenção é um lambe, de uma imagem que fiz ajoelhada na cozinha da casa, que era o local onde eu ficava de castigo na infância. Ficava ajoelhada ali nessa mesma posição. O nome da obra é "enquanto pedimos perdão" — lembra a artista.
Além da imagem do Bambi que interage com Verlu nas fotos e vídeos, há ainda uma máscara que sugere o rosto do personagem e que a artista veste em alguns dos registros expostos.
— Eu me travisto de Bambi justamente para tentar coragem, tentar um pouco me transformar nele, tentar ter a liberdade que ele tinha — justifica.
Nessa viagem ao tempo, até mesmo algumas cortinas originais do quarto da artista foram resgatadas e incluídas na exposição. O caminho sugerido pela mostra termina com a enfim saída de Verlu da antiga casa, deixando o passado para trás. Uma libertação que remete a um dos papéis mais importantes da arte, a possibilidade de revisitar e soltar antigas amarras, ou, como sugeria a primeira exposição da artista: "revelar e apagar".
PROGRAME-SE
- O quê: exposição "Na casa da infância, o desejo de ser o Bambi", de Verlu Macke com curadoria de Silvana Boone
- Onde: Galeria de Artes do Centro de Cultura Ordovás.
- Abertura: nesta sexta (13), às 19h, com transmissão ao vivo pela www.radiopinguim.com.br e redes sociais da Rádio Pinguim.
- Visitação presencial: até o dia 5 de setembro (segundas, das 9h às 16h; terças a sextas, das 9h às 22h; e finais de semana, das 16h às 22h).
- Visitação online: até o dia 5 de setembro, pelo UAV DIGITAL.