Foi em novembro do ano passado que o diagnóstico revelado por um neurologista fez com que Carlos Fernandes Sobrinho, 68 anos, começasse a ter conversas regulares com uma psicóloga. Entre tantas pautas, o paciente de esclerose lateral amiotrófica, doença degenerativa que ataca o sistema nervoso e compromete os músculos e as funções físicas, passou a revisar sua vida a fim de descobrir nela o que mais importava, e em que momentos pôde realmente se dedicar às pessoas que ama.
Numa dessas sessões recordou do nascimento do primeiro neto, Thiago, hoje com nove anos. Na época, fez para o menino um caderno de recortes em que compilava os principais acontecimentos daquele 25 de janeiro de 2012. A notícia do nascimento do neto o fez correr para o computador e imprimir tudo sobre o que importava ao mundo naquele dia em que, para ele, nada mais importava. Voltando para o presente, lamentou não ter feito o mesmo quando nasceu a segunda neta, Rafaela, hoje com três anos.
– Quando a Rafaela nasceu eu já estava aposentado e morava num sítio, com pouco acesso à internet, sem impressora. A ideia acabou ficando de lado – conta o morador do bairro Rio Branco, em Caxias do Sul.
Provocado pela psicóloga a repetir a iniciativa, no último domingo a entrega de um caderno com o noticiário de 21 de março de 2018 em Caxias, no Brasil e no mundo emocionou a família durante a festinha de aniversário de Rafaela.
– É o melhor presente que eles poderiam receber. Os brinquedos vão, mas isso fica. Eu adoraria ter essa lembrança carinhosa do que acontecia no dia em que eu nasci – comenta Jamile Fernandes, 37, filha de Carlos e mãe de Thiago e Rafaela.
Escrevente aposentado do cartório do fórum de Santa Maria, mesmo ofício que a filha exerce em Caxias, Carlos conta que a leitura o transformou em alguém sempre disposto a aprender. Entre as lembranças físicas da juventude mantém um álbum de figurinhas de meados dos anos 1950, com centenas de personagens históricos que instigaram sua curiosidade e o fizeram querer saber cada vez mais. É esse amor pelo conhecimento que procura transmitir à próxima geração.
– A pessoa que lê dificilmente vai ser enrolada. Sempre vai ter um contraponto para dar. Mesmo que discorde das ideias do outro, vai ter sua própria resposta baseada naquilo que leu – defende o avô, que só chora ao falar sobre os netos, mas nunca sobre a doença que já limita seus movimentos de braços e pernas.
Embora a mais nova só venha a ter noção do gesto do avô daqui alguns anos, o menino já é a prova de que a “contaminação” pelas palavras funcionou. Apaixonado por histórias de super-heróis, Thiago coleciona gibis e desbrava os primeiros livros de aventura. E só desgruda das páginas quando é para ficar grudado ao avô.
– Gostar de ler foi o melhor presente, porque me ajuda nos estudos e também me fez querer ficar mais perto, para poder fazer o meu vô feliz – resume o menino.