Um avô italiano da região do Vêneto, um mestrado em Cultura e Regionalidade e uma viagem profissional à Itália para recontar a saída dos imigrantes, 140 anos depois, tendo o porto de Gênova como ponto de partida já me habilitavam com relativa propriedade a discorrer em assuntos sobre a italianidade. A imersão em atividades da vindima, tão presente no modo de vida das pessoas do nosso entorno, no entanto, ampliou ainda mais a minha percepção sobre a importância do trabalho familiar e das raízes como definidores de uma região. Mais do que isso, percebi que vale a pena se programar e sair de casa para desfrutar os encantos que cercam a colheita das uvas. Como boa parte das atividades é realizada ao ar livre e sem aglomerações, a região tem atraído visitantes que querem aliar os prazeres de natureza, gastronomia e vinhos.
Na semana passada, visitei vinícolas, restaurantes e pequenos negócios em Bento Gonçalves, Garibaldi e Pinto Bandeira, que entre os meses de janeiro e março, incrementam a programação de recepção aos turistas. Boa parte da graça das experiências está na atmosfera familiar que envolve tanto a produção de uvas, quanto a interação com os visitantes. Desta forma, é possível sentir todas as etapas da criação, seja pela lida na parreira, pelo sotaque dos agricultores que remetem à herança dos meus antepassados. Compartilhar o "saber fazer" não é só um atrativo turístico, é uma forma autêntica de mostrar o que permaneceu. Quem não tem no imaginário o vinho sendo produzido a partir da pisa da uva? Embora uma visita as vinícolas mostre uma sofisticada técnica de produção da bebida, que passa por tanques de inox com acompanhamento de acidez e dulçor, ainda é possível brincar de fazer vinho como antigamente.
A Cristofoli Vinhos de Família, situada no distrito de Faria Lemos, em Bento Gonçalves, oferece uma série de experiências lúdicas, como a que desfrutei. Depois do encontro no jardim da vinícola para visita e explicações sobre o funcionamento, o pequeno grupo, cujo uso de máscaras é obrigatório, foi levado de trator ao alto de um parreiral, para a atividade mais esperada. Um acordeonista — titular das apresentações da Maria Fumaça — entoa canções italianas, que vão de Tarantella a Bella, Ciao, enquanto os visitantes tiram seus calçados para, um por vez, pisarem em cachos de uvas. A sensação é única: sentir os grãos da uva híbrida Courdec se desfazendo, ver o líquido se espalhando pelos pés e tentar manter o equilíbrio ensaiando passinhos de dança para entrar na festa proposta para o momento. Ao sair do mastel (a tina de madeira utilizada para a atividade) carimbei meus pés 33 pintados de suco de uva em um pano de algodão cru, souvenir da atividade. E esse é só um pedacinho do universo oferecido.
Ali, na Rota das Cantinas Históricas do município, é possível brindar o entardecer entre videias e até jantar sob parreirais. Mas como há alta procura nesta época, considerada alta temporada na Serra, antes de escolher o destino, é fundamental reservar o passeio com antecedência, sob pena de perder a viagem. Consultar sites e redes sociais de casa atração é uma boa pedida, porque na maioria deles já existe um canal digital para atrair clientes.
Da quarta geração da família fundadora, Bruna Cristofoli, gestora do negócio, explica que o enoturismo no local começou há cerca de 10 anos, pelo fato de a vinícola estar situada na beira da estrada:
— As pessoas viam a placa e paravam para conhecer. Aos poucos, fomos nos profissionalizando. Uma das experiências favoritas das pessoas é o edredom nos parreiras, piquenique realizado no meio do vinhedo com uma seleção de comidinhas regionais preparadas pela família e combinada com vinhos e espumantes — explica.
Mas para quem pensa que enoturismo é uma atividade recente, na Vinícola Aurora _ que completa 90 anos em 14 de fevereiro e tem 1,1 mil famílias associadas em 20 localidades _ abriu um espaço para receber visitantes em 1967, por uma demanda que surgiu do interesse daqueles que visitavam a Fenavinho. Nos anos 1980, uma pequena pipa entre os tanques de armazenamento e fermentação tornou-se ponto de degustação e hoje funciona como uma espécie de museu dos primórdios da experiência.
Em ano sem pandemia, a Aurora recebe 210 mil visitantes por ano. Os grupos, no entanto, foram reduzidos e processos de degustação passaram por adaptações — como manter garrafas longe do alcance dos visitantes e exigir que as taças fique nas mãos de quem vai participar da atividade. A passagem pelo período turbulento no início do ano passado, com a sensação de que seria muito ruim para o setor, deu esperança de uma melhora no setor em 2021. O diretor superintendente, Hermínio Ficagna, destaca que houve um crescimento de 26% em relação a 2019:
— Tivemos um ano excepcional, mas ainda está longe do que deve ser.
Roteiro com degustação na torre
Na Miolo, vinícola no Vale dos Vinhedos, que recebeu metade dos visitantes em 2020 que costumava recepcionar até então, as visitas são realizadas desde 1989. Para retomar o fluxo de turistas, foram criadas três notas atividades para 2021.
— O turismo é responsável por 10% do faturamento da Miolo — explica o enólogo e superintendente do Grupo Miolo, Adriano Miolo, que conduziu a visita de lançamento do roteiro.
A primeira das novidades, DOVV (Denominação de Origem Vale dos Vinhedos) Espumante aproveita a torre de 45 metros de altura instalada no interior do terreno como grand finale da experiência que se inicia no vinhedo, passa pelas caves até chegar ao novo espaço que comporta grupos de até 10 pessoas. A degustação é feita com uma vista lindíssima de 360° do Vale dos Vinhedos, e o espaço recebeu bancos, almofadas, tevê a bancadas. São degustados quatro rótulos, todos elaborados com uvas do Vale dos Vinhedos: o Miolo Íride, Miolo Millésime, Miolo Cuvée Brut e Miolo Cuvée Brut Rosé. A experiência também reserva o ícone da vinícola, o Íride Miolo Nature Sur Lie, primeiro espumante da marca com 10 anos de cave.
O roteiro é guiado por um dos enólogos da equipe do enoturismo, começa com visita ao vinhedo modelo, onde são cultivadas mais de 40 variedades de uva. O percurso segue para o interior da vinícola, passando pelos setores onde são elaborados o vinho branco e o vinho base para espumante. A caminho do dégorgement (processo em que o gargalo da garrafa é congelado, a tampa é retirada e as borras expelidas pela própria pressão), o trajeto passa pelas caves subterrâneas, onde os espumantes da marca repousam até atingir o amadurecimento perfeito. Dali, o grupo segue pelo elevador ou pelas escadas até chegar à Torre da Miolo. O passeio custa R$ 90, com voucher de R$ 20 + taça de cristal exclusiva e deve ser agendado pelos telefones (54) 2102-1537 e 2102-1540 ou pelo e-mail visita@miolo.com.br.
Os outros dois roteiros a serem lançados são DOVV Vinhos e Terroirs do Brasil, ainda sem data de início. Para quem quiser uma experiência mais relaxante, a Miolo possui um garden anexo ao complexo da vinícola, onde é possível petiscar e beber ao ar livre, tendo parreiras como pano de fundo. A entrada custa R$ 40 e é revertida em consumação. O local funciona a partir das 11h e é preciso chegar cedo, porque há limite de visitantes.
Os jardins em Pinto Bandeira
Pinto Bandeira é um pequeno município com cerca de 3 mil habitantes que faz limite com Bento, Farroupilha, Nova Roma do Sul e Veranópolis, mas tem uma série de atrações que unem vinho, gastronomia e natureza para receber os visitantes. Está em estruturação da Denominação de Origem (DO) Altos de Pinto Bandeira, cujo produto da futura DO é o espumante fino, elaborado com uvas das variedades Chardonnay, Pinot Noir e Riesling Itálico cultivadas em espaldeira na região que chega a 700 metros de altura. Paralelamente a isso, as vinícolas desenvolvem maneiras de atrair visitantes.
Na Don Giovanni, há de restaurante a pousada (reservas pelo telefone 54 3455-6293) dentro de seu complexo, além de um bosque e uma plantação de girassóis que encantam os visitantes. São 17 hectares de vinhedos com uma produção sustentável, predominantemente biodinâmica. Além de aproveitar os espaços ao ar livre, que tem um trailer com comidinhas e bebidas, é possível comer no restaurante mediante reserva. A visita à vinícola, que abrigou a Dreyer é breve, mas dá um parâmetro da produção sustentável _ a produção de girassóis, por exemplo, queridinha para fotos, é uma forma de atrair abelhas para que elas não interfiram no crescimento da uva. Um dos projetos voltados ao turismo está a construção do restaurante Nature, que terá uma parrilla de dois metros e será comandado pelo chef Rafael Jacobi.
— Nossa previsão é inaugurar em março — diz o diretor, Daniel Panizzi.
Um pouco mais à frente está a Família Geisse, passeio ideal para quem quer tranquilidade e atendimento cuidadoso. Além de vinhos e espumantes das linhas da marca, é possível degustar empanadas, tábuas de frios e outras delícias. Para quem gosta de aventura, é possível conhecer a propriedade a bordo de um 4x4, chamado Terroir Experience, num passeio off-road que percorre trilhas isoladas, com pausas para degustação. Tem duração aproximada de 90 minutos e os preços partem de R$ 200 por pessoa. Para quem prefere emoções menores, há um tour guiado pelo interior da vinícola, onde é possível conhecer todo o processo produtivo e termina com a degustação de quatro rótulos. Custa R$ 100 por pessoas e R$ 30 podem ser usados na loja.
Vivenciando a produção de vinhos
Quer experimentar como é fazer um vinho desde o cultivo das videiras mas não conhece nenhum viticultor? As vinícolas da região encontraram uma maneira de satisfazer os interessados. Na Vinícola Miolo, o programa lançado em 2008, permite a qualquer pessoa fazer seu próprio vinho. Destinado a 25 alunos por temporadas, está na sétima turma e tem inscrições abertas. Única experiência do gênero na América Latina, o Winemaker Miolo oportuniza a cada participante viver a rotina de um enólogo, desde a poda seca, passando pela poda verde, até chegar ao encantamento de uma colheita, seguida pelo corte do vinho e formatura. No vinhedo ou na cantina, cada aprendiz passa por práticas e aulas teóricas sempre conduzidas pelo diretor superintendente da Miolo, enólogo Adriano Miolo, juntamente com a equipe técnica da vinícola. As aulas ocorrem presencialmente em quatro encontros de sexta a domingo, com o primeiro entre os dias 13 e 15 de agosto de 2021. O curso custa R$ 19,2 mil e dá direito a 60 garrafas do vinho DOVV com rótulo personalizado. Informações e inscrições podem ser obtidas pelo e-mail winemakers@miolo.com.br ou pelos telefones (54) 2102-1500 e 9 8133-0032.
Já a Cristofoli Vinhos Finos está com inscrições abertas para o programa Making Wine 2021. A iniciativa é uma espécie de reality show da vindima, mostrando da colheita da uva até a produção do vinho. A ideia é mostrar, ao vivo, como a safra é, durante 20 dias em fevereiro. A ideia foi partiu de Artur Tremper Farias, que compartilhará os bastidores da produção de vinhos da Cristofoli, onde participará de todo o trabalho de vinificação ao longo de 20 dias, morando e trabalhando na vinícola. Para se inscrever, é necessário comprar um dos quatro kits que vão de R$ 129 (sem direito a vinhos) a R$ 499 (com vinhos da linha premium). Todos eles dão direito a lives com a enóloga Bruna, um e-book contendo um minicurso sobre vinificação, desconto de 20% em compras no site até junho, conteúdos exclusivos pelo WhatsApp (com uma espécie de plantão de dúvidas para e acesso a safras históricas da vinícola que estão fora do mercado) e o reality, que será exibido nas redes sociais apenas usando a modalidade amigos próximos no Instagram. Mais informações pelo WhatsApp (56) 99924-3971, com Artur, ou AQUI.
Degustação personalizada
Já ouviu falar, mas não sabe do que se tratam perlage, assemblage, terroir, complexidade, adstringência, batonnage e bouchonné ? Sugiro participar de uma das experiências interessantes que participei nas atividades da vindima. Chamada Vinho entre histórias, ela é conduzida pela sommelier Patrícia Binz, nutricionista, professora e diretora de Marketing da Associação Brasileira de Sommelieres — regional do Rio Grande do Sul. Informativo e despretensioso, o encontro se propõe a instruir os participantes sobre o mundo do vinho — como é personalizado, adapta-se ao perfil do cliente, iniciante ou avançado. Vale lembrar que o país tem 26 regiões produtivas em 10 Estados, então há muita cultura dentro de cada garrafa.
Patrícia promove degustação de um jeito didático e descontraído, valorizando a enogastronomia, a minha "aula" foi no delicioso Valle Rustico, em Garibaldi. É impossível não admirar a forma como ela passa o conhecimento e a generosidade com a qual compartilha seus estudos na área. Lá, falou de algumas curiosidades regionais, como o fato de um mesmo vinhedo de uva Sangiovese da Cristofoli Vinhos de Família ser capaz de fazer vinhos distintos: um rosé e um tinto, a partir de colheitas em períodos diferentes de maturação da uva.
Ela ainda oferece outros serviços, como Gestão de Adega (planejamento e administração, orientação e capacitação do serviço do vinho e estratégias de vendas); Harmonização (criação e harmonização entre o vinho e a comida); Content Creator (criação e curadoria de conteúdo para diversas plataformas relacionadas ao mundo do vinho); Wise Wine (aulas, degustações guiadas e experiências conduzidas); Projeto Cave (kit de vinhos às cegas, organização de eventos, desenvolvimento de produtos turísticos ligados ao vinho e roteiros turísticos com aprofundamento técnico). Os serviços realizados pela sommelier podem ser contratados pelo e-mail contato@patriciabinz.com.br ou diretamente pelo telefone (54) 99161-9716.
Provas diferentes
A Vinícola Garibaldi, que integra a Rota dos Espumantes, pretende tornar-se referência na produção de espumantes até 2023. A afirmação é do gerente de marketing da cooperativa, Maiquel Vignatti. A cooperativa tem 420 famílias associadas e oferece experiências dentro da cave da vinícola, na entrada de Garibaldi. Lá é possível fazer degustação às cegas, dentro de uma pipa, e o Trufa & Taça, com degustação e harmonização de vinhos e espumantes com trufas da também garibaldense Devorata.