Não é preciso viver no passado para celebrá-lo, tampouco petrificá-lo para preservá-lo. Uma das edificações mais icônicas de Caxias do Sul, a sede da Metalúrgica Abramo Eberle jamais parou no tempo, e por isso sua história é essa mistura de passado, para quem viveu ali seus tempos áureos; presente, para quem circula pelo complexo que atualmente abriga cerca de 20 lojas e um estacionamento; e futuro, para os empreendedores que não deixam o imponente complexo virar um elefante branco no coração da cidade.
Desde o início do mês, o Pátio Eberle abriga a exposição permanente Caminho Histórico Pátio Eberle. São 15 painéis dispostos por corredores entre o estacionamento e o pátio do centro comercial, por onde passam diariamente centenas de pessoas que acessam o complexo que sediou a antiga Metalúrgica Abramo Eberle, e posteriormente também o varejo da empresa.
Trata-se da realização de um compromisso firmado entre a empresa que adquiriu o prédio em 2012, a CGI Investimentos, e o Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural (COMPAHC), que realizou o tombamento da edificação em 2006, a pedido da Secretaria Municipal de Cultura. De alguma forma, segundo o trato, caberia à empresa contar a história daquele lugar. A exposição permanente foi o caminho escolhido:
– Desde o início nós tivemos a preocupação ocupar preservando, entendo que a própria ocupação de um espaço pode ser uma forma de preservar, desde que respeitando suas características. Assumimos também o compromisso de destinar um espaço que contasse a história do prédio. Como fazer isso ficou ao nosso critério: poderia ser um museu, por exemplo. Mas acredito que dessa forma ficou ainda mais interessante, pois nos permite circular pelos próprios ambientes retratados nas imagens – destaca João Luiz Michelin, executivo da GCI.
O projeto tem a curadoria do jornalista especializado em conteúdos de memória Rodrigo Lopes, que na última semana comandou uma visita guiada para apresentar o espaço cultural, cuja visitação é aberta e gratuita, com acessos pelas ruas Sinimbu, Os 18 do Forte e Borges de Medeiros.
– É um símbolo de Caxias cuja história precisa ser descoberta e redescoberta, pois dialoga com o desenvolvimento da cidade e com a memória afetiva de muitas pessoas. Além de ter sido testemunha de eventos históricos, como o desfile da Festa da Uva que marcou a primeira transmissão em cores pela televisão, em 1972, ou o incêndio da Ferragem Caxiense (em frente), em 1952, esse prédio era a referência para se observar a cidade de um ponto mais alto, como um mirante. Estamos, hoje, num lugar que celebra o passado, mas não vive de passado – ressalta o jornalista.
Com textos curtos e ricos em fotografias, os painéis permitem ao visitante passear pela história da metalúrgica, que viveu seu auge nos anos 1940, época em que confeccionava espadas e sabres para o exército brasileiro, durante a 2ª Guerra Mundial. Lopes destaca que outras duas empresas Caxias também eram fornecedoras das Força Armadas: a Gazola, com material Bélico, e o Lanifício São Pedro, com tecidos para a indumentária dos soldados.
O passeio também revela curiosidades que podem passar despercebidas ao transeunte comum daquele quarteirão, mas que são carregados de histórias, como deuses gregos e romanos retratados nos vitrais na fachada da Sinimbu; as engrenagens gravadas na calçada de pedras; além da piteira de Abramo Eberle, que virou marca registrada da empresa e que adorna o beiral do terraço – próxima ao icônico relógio no topo do primeiro arranha-céus de Caxias.
Embora algumas fotos retratem a metalúrgica pelo viés dos patrões, cheios de pompa, outras – talvez as mais interessantes – retratam o chamado “chão de fábrica”, onde se fazia o trabalho mais pesado. Numa das fotos mais interessantes, que mostra o momento de saída dos trabalhadores da fábrica, chama a atenção um menino que faz pose para o fotógrafo, aparentemente alheio à movimentação dos funcionários.
– Estamos pensando em lançar uma campanha nas redes sociais para tentar identificar e localizar esse menino. Certamente ele tem uma boa história pra contar – brinca a Márcia Dal Lago, consultora de marketing do projeto, que participou da visita na última semana.
Algumas imagens também mostram o pujante varejo da Eberle a partir do final dos anos 1940, onde eram comercializadas as pratarias, utensílios domésticos, enfeites para o lar e demais produtos fabricados pela empresa, que à época representavam não apenas certeza de qualidade, mas também de status para quem os adquiria.
São registros que não apenas convidam o público a conhecer melhor uma parte importante da história de Caxias do Sul – que se deu num espaço revitalizado e ainda cheio de vida – mas também prestam merecida homenagem a todas as pessoas que ajudaram a construir essa trajetória, muitas ainda vivas e que podem se reconhecer nos instantâneos. Para o futuro, quando o estágio da pandemia permitir, a intenção é organizar novos passeios de viés histórico pelo prédio, além de convidar antigos trabalhadores da fábrica ou do varejo para um reencontro com suas memórias.