Sabe quando você é aluno e participa de uma aula transformadora? Essa é mais ou menos a sensação que se aproxima da experiência promovida pelo documentário AmarElo - É Tudo Pra Ontem, disponível na Netflix. O "professor" da vez é o rapper Emicida, que, com a obra, não apenas confirma seu nome na lista dos artistas mais frutíferos de sua geração, como também se mostra um importante agente pela transformação social no Brasil.
Antes de dar o play, o espectador pode acreditar que está prestes a ver um documentário musical sobre um show histórico do rapper, que ocupou pela primeira vez o erudito palco do Theatro Municipal de São Paulo. Sim, o pano do fundo do filme é esse mesmo, o disco AmarElo e o show emocionante gravado no teatro. Mas o que torna o documentário essencial é a forma como Emicida conecta o conteúdo de cada uma das canções com um potente discurso por união, amor e resistência.
"Tudo que nóis têm é nóis" é o grito de guerra mais forte do disco e do show. Essa ideia norteia a construção de todo o filme e justifica a participação ou menção a cada personagem que surge na narrativa. Do pastor Henrique Vieira à cantora Pabllo Vittar, de Zeca Pagodinho à Fernanda Montenegro, cada participante do show ou dos bastidores dele assina seu nome num manifesto por um mundo com mais justiça, com mais visibilidade.
AmarElo aborda, de forma tão envolvente quanto didática, a história da cultura negra no Brasil. Isso é feito por meio da apresentação de personagens cruciais, alguns deles pouco conhecidos do grande público. Ganham destaque nessa jornada, por exemplo, o baterista virtuose Wilson das Neves, figura importantíssima dentro da MPB; a atriz Ruth de Souza, que desbravou espaços no teatro, na televisão e no cinema; e o dramaturgo Abdias do Nascimento, fundador do Teatro Experimental do Negro.
Numa das passagens do filme, a ativista do movimento negro Angela Davis questiona "Por que vocês aqui no Brasil precisam olhar apara os Estados Unidos? Eu não entendo. Acho que aprendi mais com Lélia Gonzalez do que vocês aprenderão comigo". Esse discurso, de certa forma, também ajuda a resumir a função de AmarElo: celebrar heróis negros brasileiros que construíram o caminho percorrido até aqui, valorizar cada preconceito derrubado a duras penas. Essa estrada, que cria pontes sólidas por cima de mares de desigualdade, segue em construção; e AmarElo se apresenta como uma ferramenta vigorosa desse processo.